Ciência
12/01/2016 às 07:02•4 min de leitura
Quando Rainey Bethea foi condenado à morte por enforcamento, em 14 de agosto de 1936, grande parte dos Estados Unidos já havia deixado de executar criminosos publicamente. Isso aconteceu, em grande parte, por causa da natureza macabra do evento combinada à propensão de erros, o que fazia com que a situação fosse ainda mais perturbadora de se assistir. Atualmente, uma estimativa aponta que cerca de 7% das execuções por injeção letal dão errado no país. Em nosso post “Pena de morte: quando a execução dá errado”, você pode entender melhor sobre como os erros ocorrem e o que eles ocasionam.
Porém, a cobertura tempestuosa e o sensacionalismo da imprensa foram cruciais para as mudanças nas leis. Conheça a história do último enforcamento público dos Estados Unidos:
Durante a década de 30, em Kentucky, a execução ainda era feita em público e, de acordo com o júri, o jovem Bethea merecia tal fim. Órfão desde os 10 anos, Bethea tinha 26 anos quando foi acusado de roubar, estuprar e estrangular até a morte Elza Edwards, de 70 anos, em Owensboro, em 7 de junho de 1936.
Rainey Bethea
Sob a lei do Kentucky, alguém que cometesse um roubo seguido de morte seria sentenciado à cadeira elétrica na penitenciária estadual em Eddyville. Porém, como o promotor queria que a execução acontecesse em Owensboro, seguiu com a acusação de estupro, para que o jovem fosse sentenciado ao enforcamento público.
Antes de seu julgamento, Bethea havia feito várias confissões sobre como estava embriagado e a maneira como tinha escapado do quarto de Elza através de uma janela. Porém, após ser condenado à morte, o jovem alegou que fora coagido a prestar tal depoimento. Entretanto, suas impressões digitais e seu anel foram encontrados no quarto da idosa quando o corpo foi descoberto.
Alguns advogados foram nomeados para representar o suspeito, inclusive o defensor William W. Kirtley, que era contra a pena de morte. Embora eles tivessem chamado quatro testemunhas de defesa, no fim, elas nunca foram convocadas para o julgamento. Isso porque, no dia do veredito, Bethea se declarou culpado.
Após o promotor fechar o caso, em 25 de junho de 1936, o juiz instruiu o júri de que sua única função era decidir se o criminoso deveria ficar de 10 a 20 anos na penitenciária estadual ou se a pena de morte seria aplicada. O júri deliberou por menos de cinco minutos e votou pela sentença de morte por enforcamento, apenas três semanas após o crime ser cometido.
A rapidez com que o jovem negro, nunca antes acusado por outro crime violento, foi sentenciado à morte, sem muitas chances de defesa, chamou atenção de muitas pessoas para o caso.
Depois do julgamento, Bethea encontrou um grupo de advogados negros que estavam dispostos a doar seu tempo para ajudá-lo. Eles tentaram derrubar a primeira condenação através de vários meios, mas tudo em vão. No entanto, conseguiram uma audiência em 5 de agosto com o juiz Elwood Hamilton.
Durante a sessão, o acusado disse que suas confissões foram coagidas e que ele teria sido obrigado a assinar alguns papéis sem saber o que estaria escrito. Para complicar ainda mais o caso, ele afirmou que teria sido obrigado, inclusive, a se declarar culpado. No final, depois de ouvir o depoimento de várias testemunhas que refutaram as alegações de Bethea, o juiz Hamilton decidiu não intervir na situação do acusado.
Enquanto, normalmente, tal execução não teria atraído muita atenção fora da região onde o crime foi cometido, essa suspensão especial rapidamente se tornou um tema de grande interesse nos Estados Unidos.
O motivo não era apenas pelas contradições e polêmicas do caso, mas também porque o xerife do condado era uma mulher. Florence Shoemaker Thompson foi o primeiro xerife do sexo feminino dos EUA encarregado de executar alguém.
Xerife Florence Shoemaker Thompson
Florence tinha sido nomeada para o cargo de xerife do condado em abril de 1936, depois que o xerife anterior, seu marido Everett, morreu inesperadamente de pneumonia com apenas 42 anos de idade.
Antecipando-se à polêmica em torno do caso de um jovem negro condenado a ser levado até a forca para ser pendurado por uma xerife branca, no Sul, jornalistas de todo o país se reuniram para o evento.
Dada a atenção nacional, além de inúmeras ameaças de morte dirigidas a ela e seus filhos, Florence também recebeu ofertas de vários homens dispostos a ajudá-la com a execução. Thompson sentiu que, como cristã, não seria moralmente certo para ela puxar a alavanca que daria fim à vida de Bethea. Segundo Florence, ela “não queria que as pessoas apontassem para seus filhos e dissessem que a mãe deles foi quem enforcou um homem negro em Owensboro”. Assim, a xerife aceitou a ajuda de Arthur L. Hash para o cumprimento da sentença.
Com tudo preparado, em 14 de agosto de 1936, Bethea teve uma última refeição: frango frito, pão de milho, purê de batatas, costeletas de porco, pepinos em conserva, torta de limão e sorvete. Na manhã seguinte, ele foi transportado para a prisão Owensboro.
Aproximadamente 20 mil pessoas se reuniram em torno da forca para testemunhar a execução. Bethea andou por dois minutos em direção à forca, escoltado por apenas dois policiais. Mesmo com a grande multidão, relatos contam que o silêncio era tamanho que seria possível ouvir um alfinete caindo.
Uma vez que Bethea ascendeu à forca, ele deu a sua última confissão ao sacerdote, recusou a oferta para fazer uma última declaração, foi amarrado firmemente nos tornozelos, nas pernas e nos braços e teve um capuz preto colocado sobre a sua cabeça.
Um homem ajeitou a corda em torno do pescoço de Bethea e, cuidadosamente, a ajustou para minimizar ao máximo o sofrimento do acusado. Ele então sinalizou para que Hash puxasse a alavanca para abrir a porta da armadilha, mas nada aconteceu.
Hash havia chegado à execução bastante embriagado e parecia não ter notado o sinal do homem. Aborrecido com o fato de que as coisas não estavam saindo como o planejado, o homem gritou para Hash: “Faça-o!”. Mas Hash, por qualquer motivo, permanecia parado.
Finalmente, um deputado se inclinou o suficiente para puxar a alavanca e abrir o alçapão. Após 14 minutos, o corpo de Bethea foi levado para baixo, assim que dois médicos confirmaram que ele estava morto.
Desanimados com o fim do evento, que prometia ser polêmico, mas só teve Hash bêbado, muitos jornalistas criaram situações que nunca existiram. Por exemplo, foi relatado por alguns veículos que a xerife Florence teria desmaiado no momento crítico na forca, e foi por isso que outra pessoa tivera que puxar a alavanca.
Outros descreveram uma verdadeira festa, onde a multidão teria quebrado pedaços da forca com o objetivo de levar lembranças do evento para casa; as mães teriam participado com bebês de colo; vendedores de cachorro-quente anunciado suas mercadorias; e a xerife, no último minuto, teria decidido não lançar a armadilha.
Parcialmente devido à tempestade na mídia e aos relatos exagerados – e mentirosos –, não há mais enforcamentos públicos nos Estados Unidos. Em resposta a tudo isso, dentro de dois anos, Kentucky havia mudado sua legislação relativa a enforcamentos.
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