Estilo de vida
30/05/2019 às 08:59•5 min de leitura
O contato do ser humano com a eletricidade começou há muito tempo: Thales de Mileto registrou diversas observações a respeito da eletricidade estática em 600 a.C. Além dele, outros estudiosos da Antiguidade já sabiam da existência do peixe-elétrico, apelidado na época de "Trovão do Nilo".
Foi somente nos séculos 17 e 18, porém, que a adaptação do fenômeno para uso em forma de tecnologia civil começou a ser difundida. Mas, como parece ser um costume da humanidade, a novidade foi utilizada de formas bem pouco convencionais, já que imperava uma falta de conhecimento mais profundo sobre as reais consequências de sua aplicação.
Separamos aqui 10 situações em que as pessoas se empolgaram com o uso da eletricidade – talvez até demais.
Se você morre de pavor das brocas modernas e já começa a suar ao ouvir o barulho dos motorzinhos grunhindo, ver a história da odontologia pode ser uma ótima forma de fazer as pazes com seu dentista.
Isso é válido especialmente quando você descobre que, no século 18, as pessoas que estavam com dor no dente resolveram testar a eficiência da eletricidade no tratamento dentário. Para isso, como você já deve ter adivinhado, elas davam choques no molar através de um fio metálico que ficava dentro de uma cápsula de vidro.
É claro que, além do choque, a dor aumentava, em vez de diminuir – e logo o método foi descartado.
Stephen Gray era um tintureiro que fazia sua parte de físico e astrônomo nas horas vagas. O inglês foi também o descobridor da eletrização por indução, germinando os estudos a respeito de corpos condutores e isolantes.
Com uma descoberta tão importante em mãos, alguém poderia imaginar que ele faria experimentos extensivos em laboratórios... E não utilizaria o conhecimento para suspender e eletrizar uma criança para entretenimento das pessoas.
Mas calma, eletrizar e eletrocutar são coisas diferentes: Gray não fritou criancinhas usando eletricidade, mas energizou uma delas para demonstrar como sua recente descoberta funcionava.
O Garoto Voador
O experimento – feito para um público, como um show – consistia em levantar um jovem voluntário utilizando fios de seda. Quando a criança estava fora do chão por completo, Gray a energizava utilizando um globo de enxofre – um gerador eletrostático –, para então fazer o pequeno desempenhar diversos truques, como passar páginas de livros sem tocá-los ou até mesmo gerar choques entre o garoto voador e algum espectador.
Apesar de parecer extremamente cruel, a experiência era relativamente inofensiva para a criançada – e rendeu uma Medalha Copley, tradicional premiação por descobertas na área de ciência da eletricidade, para Gray.
Luigi Galvani foi o físico italiano que encabeçou o movimento de estudos da bioeletricidade. Ele descobriu que músculos e células nervosas produziam eletricidade e eram estimulados por ela.
Como Galvani conseguiu isso? Dando cargas elétricas em uma rã (morta) e vendo que as pernas da bichinha se mexiam. Não demorou muito para que a divulgação dessa descoberta chegasse aos ouvidos das pessoas, inclusive das mais inventivas, como a escritora britânica Mary Shelley, autora de "Frankenstein".
Uma charge da época a respeito da "reanimação galvânica"
Para quem não sabe, um dos elementos essenciais para trazer o monstrengo do livro à vida é um choque elétrico. É lógico que alguém iria botar isso à prova na vida real, e o responsável por isso foi Giovanni Aldini, sobrinho de Galvani, que resolveu dar choques no corpo de um assassino chamado George Forster – executado dias antes.
As pessoas que estavam presentes durante o "ato de reanimação galvânica" ficaram espantadas ao ver um olho do falecido criminoso abrir, suas mãos se erguerem e suas pernas tremerem – as autoridades inclusive cogitaram que, em caso de ressurreição, o dito-cujo deveria ser executado novamente, já que sua sentença era de "ser enforcado até estar morto". Talvez tenha sido uma sorte para o rapaz não ter voltado.
A Cama Celestial de Graham
O sexologista James Graham foi, entre outras coisas, o precursor do quarto de motel moderno. Em 1781, o inglês criou "A Cama Celestial", um aposento que ficava dentro de seu "Templo da Saúde".
O cômodo contava com espelho no teto, uma imensa cama de 3,7 por 2,7 metros. Além disso, 40 cilindros energizados serviam de suporte para a cama, com o intuito de proporcionar uma noite "eletrizante" de amor e maiores chances de a mulher engravidar.
Graham passou por imensas dificuldades financeiras depois disso, o que deve ser o suficiente para provar que, apesar de promissora, a ideia não funcionava.
Se você acha que produtos que prometem uma série de coisas são algo atual, saiba que no século 19 um misterioso vendedor chamado de Dr. Scott fez muito sucesso nos Estados Unidos.
Aproveitando o espaço de anúncios em revistas, o comerciante fazia propaganda de produtos inovadores, como a escova elétrica para uso corporal, que prometia curar a calvície e tratar dores de cabeça. Só tinha um detalhe: a escova não tinha absolutamente nada de elétrico nela.
Apesar de encorajar os consumidores a testar o produto, colocando o objeto próximo a uma bússola para fazê-la girar, o "elemento secreto" era, na verdade, um ímã colocado por Scott na parte de dentro da escova. O homem teve relativo sucesso com seus produtos, apesar de tudo.
Alessandro Volta foi responsável por popularizar o eletróforo, uma máquina de indução eletrostática que consiste em duas placas: uma eletrizada (de material condutivo) e outra feita de material isolante.
Segundo seus usuários, ela permitia gerar quantidades aparentemente infinitas de energia, bastando esfregá-la com um... gato morto. Pois é. A explicação é que, ao esfregar o pobre bichano na parte isolada do eletróforo, o pelo do animal gerava eletricidade estática que era transferida para a placa de metal e então armazenada em um capacitor chamado de Garrafa de Layden.
Outro argumento é que, apesar de materiais como esponjas de aço também servirem para gerar a energia, elas ainda não existiam na época – ao contrário dos gatos.
A eletricidade é utilizada ainda hoje em tratamentos, como na eletroconvulsoterapia. Um dos efeitos colaterais disso, no entanto, é a perda de memória.
No entanto, em 1847, houve um registro de um médico galvanista chamado William R. Massey que supostamente conseguiu fazer exatamente o contrário: ao estimular com choques elétricos uma paciente que sofria com perda de memória e paralisia, a moça apresentou uma reversão de quadro. Além de conseguir reter suas lembranças, ela agora aparentava ter melhorado sua capacidade de registrar as coisas.
Em 2014, um grupo de cientistas publicou um estudo em que mostram que, ao estimular certas regiões conectadas ao hipocampo (o centro de memórias do cérebro), é possível aprimorar o seu poder de retenção de lembranças.
Um livro publicado no início do século 20 sugere que a cura para diversos problemas oculares pode ser resolvida através de um fluxo emanado no ar por um eletrodo ou fio energizado por uma corrente de alta voltagem.
Em outras palavras, ele diz que o tratamento para problemas de visão é apontar fios de alta tensão para os olhos – e, por mais que isso soe como uma completa loucura (e em partes é mesmo), um estudo da FDA publicado em 2001 mostra que microcorrentes aplicadas no olho podem ajudar pessoas com degeneração ocular. Ainda assim, o melhor é ficar longe dos fios de alta tensão.
Benjamin Franklin foi um dos fundadores dos Estados Unidos e desempenhou inúmeras funções ao longo de sua vida: foi autor de livros, político, teórico, cientista, inventor, ativista, filantropo, abolicionista, enxadrista e, pelo que a História mostra, um ótimo anfitrião para festas chocantes.
Ao convidar as pessoas para um desses eventos, Franklin enviou uma carta com os seguintes dizeres: "Um peru será morto para a nossa janta através de um choque elétrico; assado em um fio elétrico em frente a um fogo que será aceso por uma garrafa eletrificada".
Tudo bem que o homem ficou conhecido pelos seus diversos experimentos com a eletricidade – todos devem conhecer a história da pipa durante a tempestade, certo? –, mas assar uma ave usando técnicas não convencionais era algo arriscado.
O dia 23 de dezembro de 1750, o fatídico dia da festa, foi uma loucura: quando estava prestes a dar a carga fatal na ave, Franklin acabou eletrocutando a si mesmo, ficando paralisado pelo resto da noite enquanto o peru continuou a andar tranquilamente.
No entanto, nem tudo foi ruim a respeito do episódio: a falha de Benjamin Franklin ajudou os franceses a descobrir que descargas elétricas previnem o rigor mortis, que é o endurecimento dos músculos após a morte de um corpo, e a prática passou a ser incorporada em frigoríficos para facilitar o corte da carne.
Haute Couture para raios e trovões
Falando em Benjamin Franklin e nos franceses, foi graças a essa combinação que a alta-costura do século 18 foi recheada de tecnologia: Jacques Barbeu-Dubourg foi o inventor dos para-raios incorporados aos guarda-chuvas e também às peças de roupa.
Homens e mulheres vestiam chapéus com estruturas muito parecidas com as utilizadas nos edifícios da época: uma ponta metálica no chapéu era ligada a um fio que ficava suspenso atrás do usuário e tocava o chão, com o objetivo de dissipar a descarga elétrica em caso de raios. Um guarda-chuva utilizava o mesmo princípio.
Na teoria, a eletricidade poderia até atingir os membros inferiores da pessoa – mas sem o aparato seria morte na certa.
*Publicado em 28/8/2015
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