Artes/cultura
17/02/2018 às 11:00•4 min de leitura
Nada das piadinhas de Tony Stark, do jeito charmoso de Peter Quill ou das trapalhadas do Homem-Aranha. “Pantera Negra” oferece estofo para o já bem povoado universo cinematográfico Marvel (ou Marvel Cinematic Universe — MCU) e traz engajamento para as causas mundanas, coisas que os super-heróis — ultimamente mais tridimensionais — deveriam lidar. É o mais politizado longa do Marvel Studios até agora.
(Confira mais sobre o Pantera Negra em nossas cinco dicas de leitura e nas 15 coisas incríveis que seu traje pode fazer)
A trama traz à tona as origens milenares dos Panteras Negras, um manto que é passado de pai para filho e que tradicionalmente fica na linha de sucessão entre os aspirantes ao trono do evoluído — mas não aos olhos do mundo — reino de Wakanda. O local é o lar de um dos mais resistentes, versáteis e poderosos metais do universo Marvel, o Vibranium, do qual parte do escudo do Capitão América era feito.
Ao assumir o papel do pai, T’Chaka, que morreu em “Capitão América: Guerra Civil”, T’Challa precisa passar pelo ritual de aceitação das cinco tribos de Wakanda, assim como a possibilidade de algum outro líder reclamar o posto para si. O problema começa quando pecados dos passado aparecem para assombrar nosso novo Pantera Negra: é aí que vamos descobrir porque é que ele é diferente de todos os anteriores.
Uma das primeiras coisas que enche os olhos dos espectadores é a caracterização de Wakanda, de forma bem mais eficiente que a representação de Asgard, de “Thor”, ou Xandar, da Tropa Nova, em “Guardiões da Galáxia”. É uma mistura de sociedade tribal com tecnologia extremamente avançada, algo que desafia os melhores momentos de clássicos da ficção científica.
O figurino ficou excelente, assim como toda construção da língua, dos hábitos e das tradições do wakandianos. Parece um pouco de tudo o que já vimos de tribos africanas, mas ao mesmo tempo soa novo, com um certo frescor. Com aquele dedinho da Marvel.
Para que a ambientação fosse perfeita, foram necessários muitos diálogos e boas atuações de Chadwick Boseman (T’Challa), Lupita Nyong’o (Nakia), Danai Gurira (Okoye), Forest Whitaker (Zuri), Daniel Kaluuya (W'Kabi) e Angela Basset (Ramonda).
É preciso fazer também uma grande menção à trilha e efeitos sonoros: os barulhos das naves, a assinatura “verbal” das castas e as composições de Kendrick Lamar caíram como uma luva em cada uma das sequênciaS. São esses detalhes que acrescentam mais textura a esse cantinho do MCU.
É impossível falar sobre esse longa sem mencionar as coprotagonistas do filme — chamá-las de coadjuvantes seria reduzir sua importância na trama. A guarda pessoal do rei, as Dora Milaje, comandadas por Okoye, fariam os 300 de Esparta ronronar e dormir em posição fetal no cantinho do penhasco.
Shuri (Wright), a irmã mais nova do Pantera, tem igual importância nos quadrinhos — e já até assumiu o papel oficial de Pantera Negra nas revistas — e aqui é um verdadeiro gênio adolescente. Suas criações deixam as de Tony Stark no chinelo.
Além disso, ainda que sejam os homens que lutem pelo posto de rei de Wakanda, o verdadeiro poder vem da Deusa Bast e fica claro que há um sistema matriarcal na linhagem de T’Challa. Isso é muito bom e leva o significado do heroísmo para uma audiência ainda mais ampla — sem o tradicional “interesse romântico” ou “mocinho salva mocinha” que já está ultrapassado há tempos.
Para poder caracterizar com fidelidade como funcionam as tribos e os detalhes de Wakanda, o diretor Ryan Coogler precisou pagar um preço: teve que dar mais atenção aos diálogos e construção dos personagens ao invés de entregar muita ação.
Os momentos em que T’Challa luta são escassos, porém impressionantes. Aliás, o Marvel Studios parece ter encontrado uma fórmula de fazer isso, assim como a Marvel Comics tem um “Marvel Way to Draw Comics”, que sempre prioriza os movimentos em seu momento mais importante da parábola. Além disso, vale destacar que o estúdio faz um trabalho impressionante ao dar uma assinatura de movimentos para cada herói. A maneira como o Pantera Negra soca, chuta ou se defende é diferente do Capitão América, do Homem-Aranha, do Thor ou da Viúva Negra; cada um tem um estilo bem definido e só seu.
As mensagens políticas e as dicotomias apresentadas no roteiro precisaram de mais atenção. E o produtor Kevin Feige aprendeu algo importante com as bem-sucedidas trilogias e as fracassadas adaptações do passado. Não se pode dar tudo de uma vez. A continuação precisa ser melhor, e assim por diante. Isso pudemos conferir com o próprio Thor e com o mais novo Homem-Aranha.
Bem, não é de hoje que os antagonistas — chamar de vilão chega a ser exagero — do MCU deixam a desejar. E aqui não é diferente. Ou eles são muito carismáticos ao ponto de se tornar queridos, a exemplo de Loki, ou eles são tão dispensáveis que só estavam lá mesmo para fazer volume e a trama andar.
O primeiro caso é o de Erik Killmonger, que até é bem construído e conta com um convincente Michael B. Jordan no papel. O segundo, infelizmente, é o do Ulysses Klaue (Andy Serkis). Muitos dos marvetes bem que gostariam de ver sua transformação total em Garra Sônica, que, apesar de ser super cafona nos quadrinhos, teve participações importantes, como nas primeiras Guerras Secretas.
Ou seja, aqui é melhor mesmo deixar esse quesito pra lá.
“Pantera Negra” é o mais sério e politizado de todos os filmes do Marvel Studios e aborda questões mais profundas do que “Capitão América: O Soldado Invernal”, “Capitão América: Guerra Civil” e “Vingadores: A Era de Ultron” tentaram no passado. Muita gente vai sentir falta das tradicionais piadinhas a cada 15 minutos.
Sua representatividade, incluindo os subtextos sobre gênero e etnias, ecoa mais forte nos tempos em que vivemos — o que deixa uma marca ainda mais poderosa no cinema e no MCU. Com isso, corre também o risco de ficar datado. É um preço que T’Challa, e nós, podemos pagar: afinal, vê-lo cair e levantar, torna-se um rei, um herói, um rebelde e um vingador, pode ser uma diversão e tanto, com uma baita de uma mensagem no meio de tudo isso.
**PS: Ah, sim, há duas cenas pós-créditos. A primeira dá pistas de como pode ser uma sequência de “Pantera Negra” e a segunda se conecta com os eventos de “Capitão América: Guerra Civil”. Portanto, fique um pouco a mais na poltrona se quiser ver.
Crítica: Pantera Negra é o mais politizado filme do Marvel Studios via TecMundo