Estilo de vida
12/03/2018 às 13:30•2 min de leitura
“Eu estou me transformando em um animal”, relata uma adolescente. “Não há sentimento pior do que quando todos os seus pensamentos estão voltados para comida”. Essas duas frases fazem parte de diários recém-descobertos de pessoas que estiveram presas em Leningrado durante os 872 dias do bloqueio nazista durante a Segunda Guerra Mundial.
A batalha é largamente conhecida pelas atrocidades causadas contra a população civil, além de milhões de mortes durante o período. Porém, os novos diários revelam detalhes de pessoas desesperadas para evitar morrerem esfomeadas.
Os diários foram encontrados por Alexis Peri, professora da Universidade de Boston, durante entrevistas com sobreviventes que eram apenas crianças durante a guerra. Agora, os textos foram compilados em um novo livro, chamado “The War Within: Diaries From Siege of Leningrad” (A Guerra Interior: Diários do Cerco de Leningrado, em tradução livre).
O mais curioso desses diários é que eles relatam uma história diferente do que os seus proprietários contavam nas entrevistas. De acordo com Alexis, os sobreviventes relataram histórias sobre heroísmo, batalhas triunfantes, resistência humana e solidariedade coletiva, mas seus escritos falavam apenas de fome.
O cerco alemão da cidade agora conhecida como São Petersburgo, na Rússia, começou em setembro de 1941. Seguindo ordens de Hitler, palácios, marcos históricos, escolas, fábricas, estradas e hospitais foram destruídos. O abastecimento de água foi cortado, e a fome extrema se espalhou.
Diante desse cenário infernal, muitos usaram meios desesperados para se manterem vivos. Uma garota, por exemplo, escreveu que seu pai tinha comido o cão da família. Cerca de 1,5 mil residentes de Leningrado foram presos por canibalismo.
Outra mulher também relatou que seus vizinhos estavam praticando canibalismo. Ela tentou tirar os filhos deles da casa, mas eles teriam afirmado que "não queriam deixar ir embora sua carne não cozida".
"O que se percebe, acima de tudo, é como essa é uma forma particularmente atormentadora de morrer, que não só obriga o corpo a se alimentar de si mesmo e se destruir, mas também causa estragos mentais e desestabiliza todos os tipos de pressupostos, relacionamentos e crenças fundamentais", afirmou Peri.
A autora sentiu que era importante contar esse lado pessoal e civil da história, que normalmente é esquecido em favor da heroica narrativa de batalha. As pessoas que escreveram esses diários não estavam preocupadas com a guerra, com os nazistas, com o orgulho e a solidariedade nacionais: elas estavam apenas famintas.