Artes/cultura
06/12/2013 às 05:51•3 min de leitura
Cientistas do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva de Leipzig, na Alemanha, conseguiram o incrível feito de sequenciar o DNA mitocondrial do ancestral humano mais antigo de que se tem notícia. Esse tipo de DNA é especialmente importante no estudo da evolução humana, pois, ao contrário do DNA nuclear — que traz uma mistura do material genético do pai e da mãe —, ele é proveniente apenas da mãe, e praticamente não sofre alterações ao longo das gerações.
Para este estudo foi utilizado o material obtido a partir de 1,95 grama de fragmentos extraídos de um fêmur fossilizado de aproximadamente 400 mil anos. O DNA mais antigo estudado até então contava com apenas 100 mil anos.
Fonte da imagem: Reprodução/Smithsonian.com
O fêmur utilizado para a análise pertence a um dos 28 esqueletos encontrados em uma caverna conhecida como Sima de los Huesos, localizada em Atapuerca, na Espanha. O sítio foi descoberto há algumas décadas e cuidadosamente escavado por paleontólogos espanhóis. No entanto, apesar de os ossos terem sido catalogados e conservados por todo esse tempo, só agora foi possível realizar os exames de DNA devido à inexistência da tecnologia necessária.
Fonte da imagem: Reprodução/Live Science
O mais extraordinário a respeito dos fósseis é que eles se encontram em um incrível estado de conservação, graças às constantes condições de humidade e baixa temperatura da Sima de los Huesos. Normalmente, restos de material genético tão bem preservados são encontrados em locais supergelados, como o permafrost da Sibéria, por exemplo, o que torna a caverna na Espanha um local único.
Os esqueletos estavam em um poço vertical de 13 metros de profundidade situado a 30 metros da superfície e a 500 metros da entrada mais próxima da caverna. Dentro desse ambiente, a temperatura se manteve em 10,6 °C por mais de meio milhão de anos, e a umidade relativa também ficou constantemente próxima à saturação. Outro fato interessante é que os paleontólogos acreditam que existam muitos outros esqueletos ali.
Fonte da imagem: Reprodução/Live Science
Apesar de o sequenciamento ter sido realizado e de os fósseis estarem bem conservados, isso não significa que todo o processo não tenha sido um incrível desafio. O pessoal de Leipzig explicou que o material — de quase meio milhão de anos! — se encontrava muito danificado, assim que foi necessário desenvolver novas técnicas para que eles pudessem reconstruir o DNA mitocondrial do hominídeo. Há dois anos, tal feito não teria sido possível.
Fonte da imagem: Reprodução/Live Science
A próxima etapa envolveu comparar esse DNA com o de neandertais, denisovanos, humanos atuais e símios. O resultado, entretanto, surpreendeu os pesquisadores, pois não foi possível classificar a origem do hominídeo da Sima de los Huesos dentro de nenhuma das espécies conhecidas até agora. Anatomicamente, o hominídeo se parece mais aos neandertais, enquanto o DNA se assemelha ao dos denisovanos.
Com o resultado da análise, os pesquisadores se deparam agora com uma grande pergunta, e tudo indica que eles terão que reescrever a história evolutiva dos humanos. Afinal, como é que o DNA dos denisovanos — uma linhagem enigmática cujo material genético mais antigo obtido até agora conta com 80 mil anos e foi encontrado na Sibéria, ou seja, a mais de 6 mil quilômetros da Espanha — pode estar presente em um indivíduo tão parecido aos neandertais?
Com base em descobertas anteriores, os cientistas entraram em um consenso de que as três linhagens — humanos, neandertais e denisovanos — compartilharam um ancestral comum, embora não seja muito claro como é que essas espécies se encaixam no mapa evolutivo. E, para complicar ainda mais, é possível que as três linhagens tenham se relacionado. Mas prepare-se para a novela!
Fonte da imagem: Reprodução/Smithsonian.com
Resumidamente, o ancestral comum de humanos, neandertais e denisovanos viveu na África há 1 milhão de anos. Esse ser deu origem aos humanos e se “separou” dessa linhagem, e mais tarde deixou a África, separando-se novamente para dar origem aos neandertais e denisovanos há 300 mil anos, aproximadamente.
As evidências apontam que os neandertais seguiram em direção ao oeste da Europa, enquanto os denisovanos se dirigiram mais ao leste, além dos Montes Urais. Os ancestrais humanos permaneceram na África, onde deram origem ao Homo sapiens há 200 mil anos e, há 60 mil anos aproximadamente, se dirigiram à Europa e à Ásia. Lá, eles se “misturaram” aos neandertais e denisovanos que, mais tarde, por alguma razão, se tornaram extintos.
A descoberta revelada pela análise do DNA significa que toda essa bagunça evolutiva que você acabou de ler acima terá que ser repensada.
Fonte da imagem: Reprodução/Smithsonian.com
Os pesquisadores apontaram algumas hipóteses para explicar a descoberta, embora a mais aceita seja a de que o hominídeo da Sima possa ser um híbrido de pai neandertal e mãe denisovana. Outra possibilidade seria a de que esse ser pertenceu a uma linhagem que se separou dos denisovanos pouco depois de estes terem derivado do ancestral comum que compartilhavam com os neandertais e os humanos modernos.
Evidentemente, para montar este complicado quebra-cabeça ainda serão necessários muitos estudos e mais análises, e os cientistas esperam obter mais material genético dos fósseis para prosseguir com a pesquisa. No entanto, talvez o mais extraordinário disso tudo seja o fato de que os cientistas tenham provado que o material genético pode sobreviver por — pelo menos — 400 mil anos, o que significa que muitos outros espécimes poderão ser analisados.