Artes/cultura
16/04/2015 às 05:32•3 min de leitura
Pizza, pão de queijo, fondue, sanduíche, cheesecake, lasanha, nachos, cheeseburger... O queijo é um desses alimentos “coringa” que, além de ser delicioso puro, é capaz de transformar várias comidinhas em algo melhor. No entanto, apesar de o queijo ter se tornado parte integrante do nosso cotidiano, ele foi extremamente importante para o desenvolvimento da humanidade e mudou o rumo da história da civilização ocidental.
Uma das anedotas mais conhecidas sobre o surgimento do queijo é a de que por volta do ano 7 mil a.C., um dos nossos ancestrais, perambulando em um dia cálido pelo Crescente Fértil — que atualmente corresponde a uma região que inclui áreas do Líbano, Israel, Jordânia, Iraque, Egito, Síria, Turquia e Irã —, descobriu que o leite que ele trazia em seu odre havia coalhado e voilà, assim nasceu o queijo! Só que não.
Entretanto, hoje os cientistas sabem que os povos que ocupavam esse território há cerca de 9 mil anos eram intolerantes à lactose. Sendo assim, um nômade saberia que uma bela golada de leite resultaria em uma baita dor de barriga — algo que ninguém quer enfrentar durante uma longa viagem a pé, não é mesmo? Portanto, é muito pouco provável que os nossos ancestrais tivessem muito contato com o alimento nessa época.
De acordo com Paul Kindstedt — historiador da Universidade de Vermont, nos EUA, e especialista no estudo do queijo —, os humanos começaram a desenvolver a agricultura cerca de mil anos antes de os primeiros traços de queijo aparecerem nos registros arqueológicos. Conforme disse, nossos ancestrais cultivavam grãos que, por sua vez, começaram a atrair carneiros e cabras selvagens da região até seus agrupamentos.
Apesar de os adultos serem intolerantes à lactose, os bebês eram adaptados ao consumo do leite, e não demorou em os nossos ancestrais perceberem o potencial de usar o leite de ovelhas e cabras para complementar a alimentação dos pequenos. Assim deu-se início à criação de pequenos rebanhos, embora o queijo só tenha aparecido mesmo na nossa história há cerca de 8,5 mil anos — fato que foi motivado por dois “avanços” importantes.
O primeiro foi o surgimento da agricultura que, apesar de provocar um verdadeiro desastre ambiental e quase resultar no colapso da humanidade — você pode ler mais sobre esse tema aqui —, levou os sobreviventes a se dedicar mais intensamente à criação de animais adaptados para viver em áreas que não serviam para o cultivo. O segundo avanço foi a invenção da cerâmica, que deu origem a uma coleção de potes, inclusive para armazenamento.
Você sabe o que acontece com o leite quando o esquecemos em temperatura ambiente por muito tempo, não é mesmo? Na época dos nossos ancestrais não existia refrigeração e, de acordo com Kindstedt, todo leite deixado dando sopa na cálida região do Crescente Fértil viraria queijo em poucas horas.
Acontece que durante a coagulação do leite — resultado do calor e da ação de bactérias naturalmente presentes nele —, cerca de 80% da lactose acaba sendo eliminada com o soro. Pois um belo dia alguém corajoso deve ter decidido provar o sólido resultante desse processo, notando que ele não fazia tanto mal quanto o consumo do leite puro. E aí sim, aconteceu o nascimento do queijo! Mas, e o que isso tem a ver com a história da civilização ocidental?
Segundo Kindstedt, análises genéticas revelaram que a tolerância à lactose só foi desenvolvida em adultos por volta de 5.500 a.C., ou seja, cerca de mil anos após o surgimento do queijo. Em termos evolutivos, esse é um período de tempo incrivelmente curto, e a mutação que permitiu que os humanos pudessem consumir alimentos derivados do leite sem morrer de dor de barriga foi motivada pela evidente vantagem nutricional que esses produtos ofereciam.
O queijo permitiu que os nossos ancestrais introduzissem laticínios em suas dietas, dando origem a toda uma nova gama de fontes de calorias e nutrientes. Assim, a criação de rebanhos acabou se estabelecendo definitivamente, propiciando a bebês e crianças pequenas uma maior exposição ao leite. E isso, com o tempo, foi resultando em mutações genéticas que possibilitavam que os pequenos também tolerassem a lactose na vida adulta.
Depois, conforme os nossos ancestrais foram migrando para a Europa, eles levaram essa providencial mutação junto, que acabou sendo transmitida através de gerações e gerações a todos nós. Então, a próxima vez que você estiver saboreando uma pizza, um cheeseburger ou petiscando aperitivos, lembre-se que, além de delicioso, o queijo teve um papel fundamental no desenvolvimento humano.