Estilo de vida
13/04/2012 às 14:06•4 min de leitura
Fonte: Divulgação/zuzuangel.com.br
Zuzu Angel ficou conhecida internacionalmente por sua luta contra os desaparecidos políticos da ditadura brasileira, da qual seu filho, Stuart Angel Jones, também foi vítima. Mas antes de ganhar destaque por sua campanha de denúncias sobre o regime militar, Zuleika Angel Jones já havia marcado seu nome na história, como uma das primeiras estilistas a criar uma moda originalmente tupiniquim e de qualidade.
A stylist nasceu em Minas Gerais e construiu uma carreira que tinha como objetivo valorizar os elementos do Brasil em cores, estampas e formas de suas coleções. Ficou conhecida por não priorizar apenas a elite, mas por ter interesse em oferecer roupas também para as mulheres comuns.
Zuzu chamava a atenção por ser ousada, criativa, inovadora e talentosa em uma época em que a moda europeia tinha destaque no cenário fashion mundial, o que restringia muito o espaço para nomes locais que queriam fazer coleções autênticas. Depois de perder o filho, no começo da década de 1970, mostrou seu lado corajoso e antimilitarista em uma luta incansável para chamar a atenção do cenário político internacional para os torturados brasileiros. Fez isso por meio de coleções engajadas, que surpreendiam pela qualidade e subjetividade dos elementos.
Apesar da morte prematura em um acidente de carro, há 36 anos, Zuzu e sua forma inovadora de fazer moda brasileira ainda influenciam o mercado local. Tanto que seu estilo artesanal é copiado por estilistas da atualidade (como a coleção de verão 2001/2002 de Ronaldo Fraga), enquanto o Instituto que leva o seu nome ajuda a preservar a história brasileira do setor e a formar novos talentos.
A estilista de sucesso
Fonte: Divulgação/zuzuangel.com.br
Zuzu Angel nasceu em Minas Gerais, no começo da década de 1920. Segundo informações da época, seu talento para a moda começou a ser notado muito cedo, quando ela fazia roupas para as primas. A carreira de costureira começou em meados dos anos 50 e seu estilo logo ganhou destaque.
Na década de 1970, ela já havia reunido clientela suficiente para abrir sua loja em Ipanema. Seu estilo era inovador e usava elementos tipicamente brasileiros para formar as coleções. A estilista foi a responsável por transformar panos de colchão, fitas de gorgorão, chita, fragmentos de bambu, pedras locais e conchas em peças de moda, que primeiro escandalizaram, para depois encantar as mulheres brasileiras.
Outra inovação que inspira designers do mundo inteiro até hoje é o uso da renda. Até a década de 1970, o material era usado apenas para panos de cozinha. Zuzu então resolveu tingir a matéria-prima com as cores dos tecidos nobres e incorporá-la às criações.
A estamparia também refletia a cultura brasileira. Havia espaço para bordados com pássaros, papagaios, borboletas, flores e outros temas tropicais, que mais tarde se tornaram marca registrada de suas coleções. O anjo era a logomarca da grife que, pela primeira vez no país, era exibida na parte exterior das peças.
Fonte: Divulgação/zuzuangel.com.br
Em uma época em que as criações das maisons europeias dominavam a moda (principalmente as parisienses), chamar a atenção para uma moda com linguagem brasileira não era fácil. Vale lembrar, ainda, que Zuzu não tinha ambições apenas de atrair a elite, mas também as consumidoras das ruas.
Seu bom relacionamento com personalidades como a primeira-dama Sara Kubistchek ajudou a conquistar a clientela e a aumentar o seu destaque na moda brasileira. Na década de 1970, outra amizade da stylist lhe proporcionou voos ainda mais altos no mundo fashion: o interesse da atriz Joan Crawford pelas peças deu origem ao primeiro desfile internacional de Zuzu, que aconteceu na loja Bergdorf Goodman, em Nova York.
Para a passarela americana, a estilista brasileira preparou três linhas: Mulher Rendeira, Maria Bonita e Carmen Miranda, todas explorando ícones representativos da cultura brasileira. Houve espaço para peças e acessórios inspirados no cangaço, renda e sensualidade. O resultado foi um sucesso e conquistou ainda mais fãs para a grife, como as atrizes Liza Minnelli e Kim Novak.
No Brasil, as celebridades já reconheciam o talento de Zuzu e era possível ver as criações em personalidades como Bibi Ferreira, Isabel Ribeiro, Marieta Severo e Beth Carvalho.
Moda política
Fonte: Divulgação/zuzuangel.com.brA carreira da estilista brasileira estava no auge quando, em maio de 1971, seu filho Stuart Angel foi preso, torturado e assassinado pelo governo militar. Ao ser avisada do desaparecimento do rapaz, ela passou a procura-lo em quarteis e entidade oficiais, mas sem sucesso.
Segundo o site do grupo Tortura Nunca Mais, Zuzu aproveitou seu prestígio no mundo da moda internacional para denunciar o sofrimento e ocultação de cadáver de seu filho, tanto no Brasil quanto no exterior. Assim, ela foi a primeira a associar o discurso político à moda.
A primeira manifestação foi em seu próprio figurino: Zuzu passou a vestir somente roupas pretas, acompanhadas de xale de longas franjas, echarpe de organza para cobrir os cabelos e outros acessórios, como o colar com um anjo rodeado de flores, cruzes, patuás e medalhas.
O próximo passo foi expandir seu protesto em um desfile que aconteceu no Consulado do Brasil em Nova York, no mesmo ano do desaparecimento do rapaz. Nelas, as alegres estampas brasileiras deram lugar a anjos machucados, pombas negras, tanques de guerra, pássaros engaiolados, quepes e imagens do sol atrás das grades. As modelos usaram faixas de luto e encenavam um cortejo fúnebre.
A coleção acabou por transformar a figura do anjo em um símbolo contra a ditadura.
Zuzu ainda tentou outras estratégias, sempre aproveitando seu círculo influente de amizades. Ela chegou a entregar uma carta ao Secretário de Estado norte-americano da época, Henry Kissinger, denunciando o drama do desaparecimento de seu filho, que também possuía cidadania americana.
A luta da estilista não passou despercebida e revelou um lado que o governo militar gostaria de esconder.
Ela sabia que corria perigo, mas não desistiu. Porém, no dia 14 de abril de 1976, seu talento foi calado para sempre em um suspeito acidente no túnel Dois Irmãos, em circunstâncias que até hoje não foram esclarecidas.
Instituto Zuzu Angel
Criações do Instituto. Fonte: Divulgação/zuzuangel.com.br
A influência da estilista para a moda internacional, no entanto, não foi calada e nem esquecida. Em outubro de 1993, a filha de Zuzu, Hildegard Angel, investiu a indenização que recebeu pela morte da mãe para criar uma entidade civil sem fins lucrativos para a formação de novos profissionais para o setor, que fica no Rio de Janeiro.
Segundo informações do próprio instituto, a intenção é chamar a atenção para o processo de criação e produção da cultura brasileira que se expressa através da moda. Assim, o objetivo é promover a moda, preservando a raízes nacionais e resgatando a história.
Desde então, a entidade acumula conquistas como a criação e preservação de um dos maiores acervos de moda do país (com criações locais e internacionais), a realização do I Congresso Brasileiro de Moda (que teve a participação de Givenchy e Oscar de La Renta, por exemplo) e a assinatura de convênios internacionais com escolas da área para o intercâmbio estudantil.
Outra ação importante foi a criação da Academia Brasileira de Moda, que visa a colaborar com o desenvolvimento das atividades de moda, enquanto preserva os maiores nome da criação de moda no Brasil.
Assim, é possível notar que a luta de Zuzu, afinal, não foi em vão. Sua história de inovação e coragem contribui, hoje, para a formação de novos profissionais e ainda inspira a costura nacional, mesmo três décadas depois.