Ciência
23/10/2015 às 14:31•5 min de leitura
Atenção: este texto fala explicitamente sobre prostituição e não é recomendado para menores de 18 anos ou para pessoas que podem se sentir ofendidas com esse tipo de conteúdo.
Quarta-feira, às 9 horas da noite, região da República – ou “Cidade Velha”, como eu gosto de chamar tal área da capital paulista. Lá estava eu, exausto após um longo dia de trabalho, carregando minha mochila e andando em passos rápidos para fugir da chuva. De vez em quando, sendo o mais discreto possível, tirava o celular do bolso para olhar o Google Maps.
Estava indo para a Alameda Barão de Limeira, número 134. O famoso Edifício Itatiaia. Para quem o vê por fora, parece ser um apartamento convencional – por dentro, porém, a história é bem diferente. Trata-se de um dos prostíbulos mais antigos e famosos de São Paulo, no qual dezenas ou centenas de mulheres oferecem seus corpos por preços acessíveis.
Eu nunca havia entrado em um bordel, embora eu tenha um longo relacionamento com o mundo da prostituição. Minha primeira experiência sexual foi ao lado de uma garota de programa carioca. Minha agenda telefônica está recheada de contatos do tipo e é um tanto diversa: morenas, loiras, asiáticas, magras, gordas, ninfetas, maduras, de luxo, econômicas etc.
Meu fascínio pelo assunto é tanto que, nos últimos tempos, comecei a trabalhar em “A grande caça às borboletas”, um livro-reportagem imersivo sobre exploração sexual, no qual pretendo aglomerar relatos e entrevistas com pessoas que participam ativamente desse submundo. Uma das experiências que resolvi passar e incluir na obra, como você já deve ter imaginado, é ser cliente de um bordel vertical – e eu estava decidido a visitar o mais trash possível.
Originalmente projetado para fins residenciais, o Edifício Itatiaia é usado como ponto de prostituição há mais de 25 anos. A dinâmica é simples: geralmente, os “iniciados” entram, sobem pelo elevador até o último andar e vão descendo o complexo pela escada espiral, enquanto são convidados pelas próprias prostitutas a fazer um programa nos quartos minúsculos.
Resolvi tomar uma atitude diferente. Após deixar minha mochila com a “recepção” – cobra-se uma taxa de R$ 2 para guardá-la ali –, comecei a subir os andares a pé. Não sei se foi culpa do horário, mas o local estava relativamente vazio. Cada andar suporta dois quartos, e vez ou outra eu cruzava com homens deixando o prédio de cabeça baixa, visivelmente envergonhados. Um deles até me deu um tapinha nas costas ao passar por mim.
Subi até o décimo andar e comecei a retornar. No quinto, uma mulher em seus 40 anos puxou meu braço. Seus cabelos loiros eram levemente cacheados e sua roupa se resumia a um vestido preto curtíssimo, com um decote generoso. Dei um sorriso torto e, por curiosidade, perguntei quanto era. “Fica trinta reais”, disse ela. Recusei. “Posso fazer por quinze”, insistiu, piscando. Não, obrigado, continuei descendo.
Estava prestes a desistir e voltar outro dia. Porém, ao passar pelo segundo andar, reparei em uma bela jovem encostada na porta de um dos quartos. Pele morena, cabelos longos, olhos bonitos. Estava usando somente um sutiã azul e uma saia branca. Perguntei se ela estava atendendo e a ela confirmou que sim, também cobrando trinta reais por um programa de quinze minutos. Para mim, jornalismo bom é jornalismo imersivo. Aprofundado, se é que vocês me entendem.
Foi só então que percebi que, na verdade, os quartos do prostíbulo (ou ao menos aqueles que vi abertos) funcionam como boates em miniatura. São equipados com aparelhos de som, cadeiras, um balcão e muita cerveja. Tem homens que ficam por ali mesmo, bebendo, conversando, ouvindo música e apreciando as moças que desfilam para lá e para cá com trajes minúsculos – às vezes, com os seios à mostra.
No fundo, encontram-se os cubículos nos quais os programas são realizados – quartos improvisados e separados por finas paredes de plástico. Acompanhei a jovem para um desses dormitórios: eles têm espaço suficiente para abrigar uma cama, uma lata de lixo e um corredor que cabe somente duas pessoas por vez. Nada mais. Me sentei no colchão desconfortável e comecei a tirar os sapatos, enquanto minha escolhida foi buscar mais rolo de papel higiênico.
“Me chamo Ariane”, disse ela, quando questionada. Tinha 22 anos, apenas um ano a mais do que eu. Como este é um site de família, meus colegas, vou me abster de narrar os próximos quinze minutos que se sucederam (consultem meu livro quando ele estiver disponível para maiores detalhes, ok?); porém, algumas particularidades devem e podem ser comentadas da forma mais discreta possível.
A principal dificuldade em se divertir nesse tipo de lugar, para mim, é “finalizar seu trabalho” em tão pouco tempo. Não há tempo para rodeio, preliminares ou algo do tipo: você simplesmente vai lá e faz o que tem que fazer. Também é preciso ignorar a música alta no recinto, os gritos e gemidos do cubículo ao lado e a cafetina gritando o nome de sua acompanhante de cinco em cinco minutos. “Já tô indo”, respondeu ela, pouco antes de eu atingir o orgasmo.
Mesmo com a pressão de seus chefes, Ariane ainda teve um tempo de bater um papo comigo. Perguntou se eu ia para casa, onde eu morava e se era a primeira vez que eu tinha ido ali. Eu tentava responder da melhor forma possível, enquanto tentava me vestir com pressa no minúsculo espaço que eu tinha para me mexer. Também não queria deixar nada para trás – celular, carteira ou meu isqueiro Zippo de estimação.
Ao descobrir que eu estava ali para coletar material jornalístico sobre exploração sexual, a jovem se mostrou bastante interessada. “Então você veio aqui a trabalho”, zombou. “Sabe, eu tenho uma coisa para te falar sobre prostituição: a crise anda afetando todo mundo, até a gente! Algumas pessoas pensam que as mulheres daqui não têm perspectiva de vida, e que deve ser horrível trabalhar num lugar desses, mas não é bem assim”, comentou.
“Já cheguei a fazer programas por cem, duzentos, trezentos e até mil reais por hora, quando eu trabalhava por conta própria e era bem magrinha”, revela. “Mas agora é difícil, nenhum homem quer pagar tanto dinheiro por sexo. Então a gente vem para cá, que de certa forma é até melhor. Só fazemos oral com camisinha, não precisamos beijar na boca, tem mulher que controla as posições, e de pouco em pouco a gente faz até quinhentos reais por dia”.
Após me limpar com o papel higiênico e me vestir da melhor forma possível, tive que me despedir de Ariane, que já estava sendo requisitada por outro cliente. Aqui não há tempo para banho ou coisa do tipo – tudo se resume a se limpar com umas folhinhas de papel. “Quando seu livro sair, eu com certeza vou comprar”, disse ela. Antes mesmo que eu pudesse sair do andar, pude ver ela entrando no mesmo cubículo com outro cliente. Mais quinze minutos.
Quem já assistiu ao clássico Sin City (ou leu as histórias em quadrinhos de Frank Miller) com certeza deve se lembrar de Old Town, que na versão brasileira foi traduzida como “Cidade Velha”. Uma zona de prostituição onde a lei não alcança e na qual as próprias mulheres governam de sua maneira. Entrar em um bordel vertical como o Edifício Itatiaia é a experiência mais próxima que você pode ter de perambular por esse bairro fictício.
Embora seja um prédio dedicado à – desculpem o palavreado, senhores – putaria, é interessante perceber que há um clima de mínimo respeito mútuo entre as profissionais e os frequentadores do prostíbulo. Aquela é a casa delas, o ponto comercial delas, e elas fazem o que elas querem fazer pelo preço que acham justo. A casa das primas não é a casa da mãe Joana.
No ar, junto com o odor de sêmen e álcool, paira uma sensação de autoridade, e não de desordem ou algazarra. As moças estão ali para trabalhar, e os homens estão ali para se divertir. São pessoas comuns, assalariados, de diversas classes sociais, que praticamente formam um clube secreto que se reúne com um único propósito em mente: ter uma boa companhia durante alguns minutos.
Ficha devolvida, mochila nas costas, passo pelo portão do Itatiaia e já não me sinto tão envergonhado com os olhares que me observam saindo do prostíbulo. Oras, todo mundo faz sexo – alguns pagam, outros não. E, como um velho amigo meu já gostava de dizer, “sexo pago, às vezes, sai mais barato”.
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Este texto representa uma experiência pessoal e não reflete necessariamente a opinião do Mega Curioso.