Artes/cultura
19/10/2016 às 11:40•3 min de leitura
Como você sabe, a teoria do Big Bang é a mais aceita atualmente para explicar a origem do Universo — e, portanto, de tudo o que existe. Sendo assim, parece um contrassenso que, originalmente, ela tenha sido proposta por um homem profundamente religioso. Um padre. Católico. Apostólico e romano!
Pois é, caro leitor, apesar de muita gente acreditar que Religião e Ciência não podem caminhar juntas, quem esboçou a teoria do Big Bang foi o belga Georges Lamaître, que, além de padre, era astrônomo e professor de Física na Universidade Católica de Louvain (1834 a 1968 — depois ela foi desmembrada e convertida em outras duas universidades), uma das instituições de ensino mais respeitadas da Bélgica.
Lamaître nasceu em meados de 1894, e foi durante o ensino secundário em um colégio jesuíta que ele começou pensar em seguir a vida religiosa — e a desenvolver um forte interesse pela Ciência. Mas, antes de se tornar professor (e padre), ele serviu ao exército belga durante a Primeira Guerra Mundial, se formou em Engenharia Civil e concluiu um doutorado em Matemática.
Esse aí é o Lamaître durante uma de suas aulas
O belga só entrou para o seminário em 1923, depois de concluir os estudos e, após ser ordenado como padre, ele foi estudar Astronomia tanto na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, como na Universidade de Harvard e também no MIT — Massachusetts Institute of Technology —, ambas nos EUA. Aliás, foi nessa época que ele concluiu um segundo doutorado.
Na verdade, as primeiras suspeitas de que o cosmos se encontra em expansão surgiram por volta de 1917, depois que Albert Einstein aplicou sua famosa Teoria Geral da Relatividade ao Universo como um todo.
Quando fez isso, o físico alemão percebeu que suas equações apontavam que o espaço estava se expandindo ou contraindo — e foi aí que ele incluiu a “constante cosmológica” à coisa toda para criar um modelo de Universo constantemente estático, imutável e do mesmo tamanho. Mais tarde, Einstein admitiu estar equivocado e, em 1922, foi a vez de o cientista russo Alexander Friedman retomar os cálculos do alemão e desenvolver suas próprias equações.
Lamaître batendo papo de boas com Einstein
Então, em 1927, o padre católico resolveu publicar um estudo no qual apresentava suas próprias soluções para as equações de Einstein. Lamaître propôs que existe uma relação entre a distância de uma galáxia e o que na Física é conhecido como “desvio para o vermelho”, ou seja, a forma como as ondas de luz se comportam com relação à velocidade relativa entre uma fonte emissora (no caso, a galáxia) e um observador.
Basicamente, quanto mais distante uma galáxia se encontra de nós, mais a luz emitida por ela tende para o espectro do vermelho — ou baixa frequência —, e Lamaître argumentou que, em sua viagem até a Terra, a luz emitida por uma galáxia variava na mesma frequência que a expansão do cosmos. Além disso, segundo ele, quanto mais longa fosse a viagem feita pela luz, maior era a expansão do Universo e, portanto, maior era o desvio para o vermelho.
Colegas geniais
O padre apoiou suas conclusões em estudos de outros cientistas renomados, assim como em medições de distâncias de galáxias conduzidas por Edwin Hubble e Milton Humason, só que ninguém leu o estudo! No fim, Einstein aprovou os cálculos de Lamaître e, algum tempo depois, outros pesquisadores — entre eles, o próprio Hubble — chegaram às mesmas conclusões que o belga, mesmo sem conhecer seu trabalho.
Curiosamente, devido ao fato de a publicação de Lamaître não ser conhecida na época, quem acabou levando a fama anos mais tarde sobre a descoberta de que o Universo se encontra em constante expansão foi Hubble — tanto que a relação entre o desvio para o vermelho e a distância de uma galáxia ficou conhecida como “Lei de Hubble”.
Lamaître não se deixou abalar pelo fato de suas publicações não serem incrivelmente populares na época e continuou desenvolvendo suas teorias. Então, em 1931, ele propôs que o Universo teria se originado a partir de um único quantum. Segundo o padre, o cosmos devia ser incrivelmente pequeno quando surgiu e que ele era uma coisa “finita” em seu nascimento.
É claro que, em um primeiro momento, essa teoria — apresentada por um padre católico — foi recebida com um pouco de ceticismo pela comunidade científica. Afinal, a ideia de um início onde havia o nada era muito próxima do surgimento de tudo descrito na Bíblia. Para piorar, Pio XII, o Papa da época, usou a proposta de Lamaître para sair dizendo que ela confirmava a descrição da criação presente no livro Gênesis.
Lamaître e o Papa Pio XII
Lamaître negou as alegações do pontífice delicadamente, afirmando que sua proposta não passava de uma teoria científica. Mas a ideia dele decolou depois que Albert Einstein disse que se tratava da “mais bela e satisfatória explicação para a criação” que ele já havia ouvido. A teoria do padre católico genial só foi confirmada em 1964, com a descoberta da radiação cósmica de fundo em micro-ondas, que nada mais é do que a radiação residual do Big Bang.
O padre só soube que sua teoria sobre a origem do Universo havia sido confirmada em 1966. Infelizmente, Lamaître estava no hospital se recuperando de um ataque cardíaco — e faleceu apenas duas semanas depois. O belga sempre defendeu suas ideias com convicção e fervor e nunca buscou fama pessoal. Ele recebeu vários prêmios e títulos em reconhecimento de seu trabalho e é prova de que Ciência e Religião podem ter uma relação de respeito mútuo.
* Gostaríamos de agradecer ao nosso leitor Matheus Campos pela sugestão de pauta. Valeu, Matheus!