Artes/cultura
29/09/2016 às 12:06•5 min de leitura
A Guerra Fria, como você sabe, foi um período de grande tensão entre o mundo capitalista, liderado pelos norte-americanos, e o comunista, liderado pelos soviéticos. Ela teve início após a Segunda Guerra Mundial, só terminou com a dissolução da União Soviética, nos anos 90, e se caracterizou por ser um conflito essencialmente ideológico e político — além de envolver questões de ordem econômica, tecnológica, social e militar.
Pois, durante esse período, os EUA e a (então) União Soviética, as duas superpotências que lideravam os blocos opositores, se lançaram em uma verdadeira corrida para suplantar a outra, com o objetivo de implantar seu modelo de governo no resto do mundo — e por pouco essa competição não deu origem a uma nova guerra de proporção global. Portanto, imagine o climão que se instalou quando o caso que vamos contar a seguir aconteceu!
De acordo com um artigo da BBC — de Stephen Dowling —, tudo começou na cidade de Hakodate, no Japão, quando, em setembro de 1976, completamente do nada e sem avisar ninguém sobre sua presença no espaço aéreo japonês, uma enorme aeronave surgiu entre as nuvens e pousou no aeroporto local.
Supersecreto
O jato — até então de um modelo desconhecido — era tão grande que a pista de pouso de Hakodate acabou antes de ele parar completamente. Então, enquanto todos assistiam à situação atônitos, o piloto saltou do interior do avião e disparou dois tiros de alerta para o alto. Esse cara era o tenente de voo Viktor Ivanovich Belenko, membro das Forças de Defesa Aérea Soviéticas, que informou a todos que desejava desertar.
Como se a situação toda não fosse bizarra o suficiente, Belenko havia abandonando o Exército de seu país pilotando nada menos do que um Mikoyan-Gurevich MiG-25, cuja existência era mantida completamente em segredo pelos soviéticos até então.
Na verdade, segundo Stephen, os ocidentais sabiam que os soviéticos contavam com um monstro voador desconhecido em sua frota desde 1970, mais ou menos. Nessa época, satélites espiões haviam identificado o que pareciam ser caças de grande porte que estavam sendo testados em segredo na União Soviética, e todos ficaram um tanto quanto preocupados com algumas características específicas dessas aeronaves.
Monstro voador
Os radares mostraram que os jatos eram equipados com asas e motores enormes, algo que pode ser muito interessante em um caça. Isso porque, com uma maior área de asa, o empuxo na hora de levantar voo era maior, e a distribuição de peso ao longo das asas, mais baixa, resultando em aviões que, provavelmente, eram mais ágeis e fáceis de manobrar. Sem falar que os motores potentes permitiriam que eles atingissem velocidades pra lá de altas.
Então, em 1971, os israelenses identificaram um estranho avião em seus radares: um caça que bateu a velocidade Mach 3,2, ou seja, mais de três vezes superior à velocidade do som, e que atingiu quase 20 quilômetros de altitude. Para assustar os ocidentais ainda mais, alguns dias depois, os israelenses voltaram a ver a aeronave e até tentaram interceptá-la, mas foi em vão. Eles não conseguiram nem chegar perto do avião.
Rápido, imenso e misterioso
Com essas pistas em mãos, os EUA se convenceram de que estavam lidando com uma ameaça soviética capaz de deixar qualquer das aeronaves norte-americanas comendo poeira. E, apesar de ninguém saber que diabo de avião era esse, ele era o MiG-25, um caça criado em resposta a uma série de jatos que a Força Aérea Americana havia posto para voar nos anos 60, entre eles o F-108 e o B-70, ambos capazes de, coincidentemente, voar três vezes mais depressa que a velocidade do som.
Mais precisamente, durante os anos 50, os soviéticos competiam pau a pau com os norte-americanos nos avanços tecnológicos relacionados com a aviação — embora seus sistemas de radar e a parte eletrônica fossem menos sofisticados do que os dos ianques. Foi graças a essa rivalidade que o MiG-25 nasceu: da necessidade de a União Soviética ter um caça que pudesse voar tão depressa quanto os dos EUA.
Para alcançar velocidades superiores à do som, os engenheiros soviéticos sabiam que precisariam equipar o caça com motores poderosos — e eles optaram por usar o turbojet R-15, desenvolvido originariamente para o projeto de um míssil de cruzeiro de grande altitude. O MiG contava com dois desses motores, que tinham capacidade de gerar um empuxo de 11 toneladas cada.
Imagine o trabalho para tirar um desses do chão
Já para lidar com o enorme atrito a que uma aeronave tão rápida é submetida durante o voo, os engenheiros soviéticos decidiram fazer a fuselagem de aço — soldada à mão. E você se lembra que comentamos que o MiG-25 era enorme? Ele media 19,5 metros de comprimento, o significa que seu “corpo” contava com muito aço e, portanto, era bem pesado. Sem falar nos motores e em todo o combustível (até 13,6 mil quilos!) que ele carregava.
E ainda temos a questão dos mísseis que ele podia transportar, alguns com até 6 metros de comprimento, e dos pesados radares de bordo. Aliás, é por conta desse peso todo que o MiG-25 contava com asas tão grandes — não necessariamente para travar batalhas aéreas contra os caças norte-americanos, mas simplesmente para que ele pudesse permanecer no ar.
Lendário
Na realidade, quando completamente equipada, a maioria dos MiG não passava da velocidade Mach 2,5. O exemplar detectado pelos radares israelenses ia tão depressa por estar em uma missão de reconhecimento, o que significa que ele estava desprovido de todo o peso adicional. Só que, na época, os norte-americanos não conheciam esses detalhes todos — isso até o piloto desertor entregar um MiG-25 inteirinho de bandeja aos rivais.
Quando decidiu abandonar a Força Aérea Soviética, Belenko — que, na época, tinha 29 anos de idade — andava meio de saco cheio com a vida. Pai de dois filhos, ele estava prestes a se divorciar e decepcionado com o rumo que a sociedade soviética estava seguindo. Então, em um belo dia, Belenko se deu conta de que o avião com o qual ele estava treinando podia ser sua chave para a liberdade!
Documento de Belenko — hoje mantido em exposição no Museu da CIA
Belenko estava em serviço em uma base aérea situada próximo à cidade de Vladivostok, que, por sua vez, fica a pouco mais de 600 quilômetros de distância do Japão. Assim, quando ele foi para mais uma missão de treinamento, o piloto saiu da formação com os demais caças e seguiu viagem até chegar a Hakodate. Mas a coisa não foi tão simples assim.
Para não ser detectado pelos radares militares da União Soviética, Belenko teve que voar bem baixo, a apenas 30 metros do mar. E, depois de entrar no espaço aéreo japonês, o piloto levou o MiG-25 a 6 mil metros, aparecendo nos radares. Ele evitou qualquer comunicação sintonizando seu rádio na frequência errada e, apesar de caças nipônicos serem enviados para interceptar o avião, Belenko conseguiu escapar voando baixo novamente.
O piloto soviético seguiu viagem se baseando em mapas que ele havia memorizado e, originalmente, havia planejado pousar na base aérea de Chitose. No entanto, como estava ficando sem combustível, Belenko decidiu descer em um aeroporto mais próximo.
Quando os norte-americanos ficaram sabendo da deserção de Belenko — a bordo do MiG-25 —, eles não podiam acreditar em sua sorte! O caça foi, então, completamente desmontado e cada peça e parafuso foi detalhadamente analisado, e logo ficou evidente que, ao contrário do que se pensava, o MiG não era um jato muito eficiente para ser usado em combate.
Esse era o MiG-25
Além disso, os norte-americanos descobriram que ele estava equipado com equipamentos defasados e tinha diversos problemas que prejudicavam seriamente a sua performance durante os voos. Basicamente, o que ele tinha de bom era sua capacidade de decolar rapidamente, viajar a grandes velocidades em linha reta para disparar mísseis e participar de missões de reconhecimento. Mas só isso.
Depois de desmontar e revirar o caça, os americanos colocaram todas as peças em um container e mandaram tudo para a União Soviética — juntamente com uma continha de US$ 40 mil pelo envio e custos dos danos provocados no aeroporto de Hakodate. Já Belenko acabou indo morar nos EUA, onde se tornou engenheiro aeronáutico e consultor da Força Aérea.
Entretanto, vale destacar que, embora o MiG-25 estivesse longe de ser o monstro voador que todos imaginavam, sua desconstrução permitiu que os militares norte-americanos desenvolvessem um novo caça, o famoso F-15 Eagle, que continua em serviço até hoje.