Artes/cultura
07/07/2020 às 05:50•4 min de leitura
Em carta aberta à Organização Mundial da Saúde, 239 cientistas de 32 países trouxeram evidências de que o novo coronavírus pode infectar pessoas pelo ar e pedem que a agência revise suas recomendações. O aumento do número de contaminações ocorridas em restaurantes, escritórios, mercados e outros ambientes fechados, segundo eles, está ocorrendo em grande parte por conta dessa capacidade do microrganismo.
Caso esse tipo de transmissão seja realmente comprovado, o uso de máscaras em locais pouco ventilados, mesmo com regras de distanciamento físico atendidas, pode ser necessário para frear a pandemia. Os trabalhadores da área da Saúde devem, necessariamente, utilizar máscaras N95, uma vez que até as menores partículas emitidas por pacientes portadores do vírus podem colocar em risco a integridade dos profissionais.
Além disso, filtros mais poderosos teriam de ser adicionados a equipamentos de ar-condicionado em escolas, casas de repouso, residências e empresas para minimizar os impactos da covid-19 — assim como é indicada a adoção de dispositivos ultravioleta voltados à higienização de espaços. Minimizar a necessidade de reciclar o ar também é uma orientação.
Uso de máscara N95 por todos os profissionais da Saúde pode ser ainda mais necessário.
A carta deve ser publicada em um jornal científico na semana que vem, contrariando declarações da OMS realizadas até o momento. Ainda que não desconsidere a possibilidade de contaminações aéreas, restringindo-as a procedimentos médicos, o órgão afirma que o Sars-CoV-2 se espalha principalmente por grandes gotículas respiratórias (como as expelidas por tosses e espirros), assim amenizando o temor de partículas menores.
De acordo com a Dra. Benedetta Allegranzi, líder técnica no controle de infecções da OMS, estudos realizados pela instituição foram, até o momento, inconclusivos quanto à situação. Ela explicou: "Especialmente nos últimos meses, declaramos diversas vezes que a transmissão pelo ar era possível, mas certamente não havia evidências sólidas que confirmassem essa hipótese. Existe um debate intenso sobre o assunto". A boa vontade da entidade, entretanto, não é corroborada por cerca de 20 profissionais que assinaram a carta, muitos deles da própria organização.
Isso porque, com a pressão de cortes de orçamentos e de relações políticas complicadas, foi estabelecida uma rigidez quanto à necessidade de provas médicas contundentes — o que leva à resistência a novas orientações e ao destaque de "vozes" conservadoras. A epidemiologista Mary-Louise McLaws, membro da Universidade de New South Wales (Sydney), afirmou:"Se começássemos a rever a transmissão pelo ar, teríamos de estar preparados para mudar muita coisa. Isso é algo bom, mas causará um temor na sociedade".
Postura conservadora da OMS é responsável pela resistência a orientações sem total embasamento científico.
Como exemplo, revelou-se que, em abril, um grupo de 36 especialistas em qualidade do ar e aerossóis entraram em contato com a OMS para falar a respeito da crescente evidência desse tipo de contaminação, e a agência agendou imediatamente uma reunião com Lidia Morawska, líder do grupo. Entretanto, segundo a consultora, a discussão foi dominada por outros profissionais, que defendiam medidas mais eficientes para higienização de mãos em detrimento dessa preocupação.
Ainda de acordo com os pesquisadores, o problema está em uma visão datada da diferenciação entre partículas grandes e pequenas, assim como a percepção de seus comportamentos. "Existe essa noção de que transmissão aérea se diz respeito a gotículas suspensas no ar, capazes de infectar pessoas muitas horas depois, flutuando pelas ruas, passando por caixas de correio e chegando casas em todos os lugares", disse Bill Hanage, epidemiologista da Harvard School of Public Health. Como o novo coronavírus está fora desse padrão, foi deixado de lado.
Acontece que todos os responsáveis pela publicação concordam com um aspecto: o mesmo ocorre com o Sars-CoV-2, a partir de aglomerações e de pessoas próximas umas das outras em ambientes fechados. Essa é, segundo eles, uma evidência forte de que ele é sim transmitido pelo ar — mesmo que de maneira diferente.
É preciso prevenir o máximo possível, alertam especialistas.
Especialistas apontaram que a OMS precisa adotar o chamado "princípio de precaução", a partir do qual, mesmo sem evidência científica definitiva, deve-se presumir que o pior pode ocorrer e, com isso, recomendar as melhores medidas de proteção. "Temos de tomar uma decisão em frente à incerteza. Será desastroso se optarmos pelo caminho errado. Por que não se precaver por algumas semanas a mais, apenas por segurança?”, declarou o Dr. Trish Greenhalgh, da Universidade de Oxford, na Grã-Bretanha.
Portanto, a recomendação geral permanece a mesma em diversas ocasiões: praticar distanciamento físico, higienizar as mãos sempre que possível e evitar sair sem necessidade, principalmente a locais públicos fechados. Caso seja inevitável, abrir todas as portas e janelas para que o ar circule mais e reforçar filtros de ar-condicionado são medidas que podem auxiliar na prevenção. Máscaras, obviamente, são extremamente essenciais.
"Aquilo que pode ajudar as pessoas a entenderem a natureza de um problema de saúde pública deve ser dito", destacou o Dr. William Aldis, colaborador da OMS na Tailândia. "Isso é diferente de simplesmente descrever uma doença ou um vírus cientificamente", ele explicou.
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