Ciência
14/03/2014 às 09:28•4 min de leitura
É uma triste notícia, porém, cada vez mais, a indústria do tráfico fatura milhões com o comércio dos mais variados tipos de drogas. Com isso, mais estilos de processamentos foram se desenvolvendo ao longo das décadas. Afinal, a necessidade leva à criatividade, mesmo que seja para algo ruim, que vicia e mata milhões de pessoas — seja pelo efeito devastador na saúde ou pela consequência do crime organizado ligado ao tráfico.
E, nesses processos de refino, o da cocaína é um que ganhou a adição de mais e mais substâncias tóxicas a fim de aumentar o seu efeito, reduzindo a própria quantidade dela e, com isso, aumentando o lucro dos traficantes e cartéis.
Dessa forma, além do efeito já maléfico da própria cocaína, o usuário pode levar ao nariz toda uma gama de substâncias extremamente assustadoras. Pó cheirado, dinheiro queimado e saúde (ou toda a vida) destruída.
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A maioria das pessoas sabe que a cocaína é diluída durante o processamento com filtros, como açúcares e creatina, e que essas diluições são mascaradas com compostos que imitam as propriedades estimulantes e anestésicas locais da droga. No entanto, pouca gente sabe que o que é adicionado no narcótico vai muito além.
Os adulterantes mais comuns são os anestésicos (e estimulantes) como lidocaína e procaína, além de cafeína. Mas isso é só para começar. A droga também é misturada com metilanfetamina, metilfenidato, efedrina, manitol, inositol, bicarbonato de sódio, sacarina, farinha de arroz branco (para dar aquele volume) e maltodextrina. Mas esses talvez sejam os menos prejudiciais.
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De acordo com uma entrevista que Kim Gosmer, um químico especializado no estudo de narcóticos (da Seção de Toxicologia e Análise de Drogas do Departamento de Medicina Forense da Universidade Aarhus, Dinamarca), deu ao site VICE, o levamisol é um dos mais preocupantes. Este é um medicamento anti-helmíntico usado para matar vermes parasitas.
Segundo Gosmer, a substância já foi utilizada tanto em humanos quanto em animais, mas foi proibida depois de estudos revelarem que ela causa agranulocitose. Esta doença derruba a produção de células brancas, deixando o corpo muito suscetível a infecções com a imunidade baixíssima, algo similar ao que acontece com doentes de HIV.
Hoje, o levamisol só é utilizado para tratar a infestação parasitária de gado e, infelizmente, como um adulterador popular da cocaína em doses cada vez maiores.
Talvez você esteja se perguntando: mas por que um medicamento vermífugo é adicionado na cocaína? De acordo com o químico, esse composto antiparasita contém um metabólito chamado aminorex, que tem propriedades estimulantes similares aos da anfetamina. Além disso, ele pode causar outro efeito aos usuários.
“Outra possibilidade pode ser porque o levamisol aumenta a quantidade de dopamina liberada, elevando assim os níveis de glutamato no cérebro. Como a cocaína proporciona o efeito eufórico, bloqueando a proteína que transporta a dopamina – o que aumenta a quantidade disponível de dopamina para interagir com os receptores do cérebro –, o levamisol pode aumentar o efeito da cocaína por meio da liberação de mais dopamina”, explica Gosmer.
Fonte da imagem: Reprodução/Skin Sight
Vale destacar que a agranulocitose causada pelo levamisol também leva á uma necrose da pele associada à sua toxicidade e varia de vasculite leucocitoclástica a vasculopatia oclusiva. Vários casos têm sido relatados desde 2006. A doença cutânea acomete principalmente o nariz e as orelhas dos usuários (foto acima), mas pode afetar todo o corpo.
Além das substâncias citadas acima, a benzocaína, que é um anestésico local, também faz parte daquelas que são adicionadas à cocaína. Essa, talvez, seja a que esteja em maior quantidade. Um usuário pode pensar que é viciado em cocaína, mas, na verdade, ele pode ser mesmo viciado em benzocaína.
A substância pode causar reações alérgicas graves, tais como dificuldade em respirar e inchaço da boca e da língua. Segundo Dr. Les King, especialista da Unidade de Inteligência de Drogas no Reino Unido, o papel da benzocaína como agente de refino principal para a cocaína é um desenvolvimento relativamente novo.
Grande laboratório encontrado pela polícia na Colômbia Fonte da imagem: Reprodução/BBC News
De acordo com as informações de King, em entrevista ao Men’s Health UK, adicionando benzocaína, é possível reduzir o nível de cocaína necessário para dar aos usuários a sensação de que eles realmente inalaram a droga, uma vez que a benzo pode causar a mesma sensação de entorpecimento.
E benzocaína não é o único "extra" encontrado na droga. "Cerca de 50% da cocaína agora contém um pesticida chamado tetramisol. Não há nenhuma razão óbvia por qual ele é adicionado, mas é certamente muito perigoso. Assim como não há nenhuma razão aparente para o diltiazem, uma droga anti-hipertensiva, estar na cocaína também, mas é encontrado em análises. Depois, temos a fenacetina, um analgésico (como a aspirina ou paracetamol) que é proibido há 20 anos, pois pode causar danos nos rins”, afirmou King.
E você acha que acabou por aí? Pois saiba que, desde depois da colheita das folhas de coca, os agentes para refino e adulteração já marcam presença.
De acordo com o relato de Kim Gosger, a produção começa no chamado nível um, o mais básico, com o produtor responsável pela extração inicial das folhas de coca. Este indivíduo geralmente usa mistura de gasolina e cimento para fazer a pasta de cocaína crua.
“A pasta é mais fácil de transportar do que grandes quantidades de folha, mas tem uma validade curta, então, o fazendeiro vende a pasta para um coletor, indo para o chamado ‘nível dois’ da produção. Esse cara pode ser um traficante atacadista que opera por conta própria ou um coletor empregado por um laboratório da floresta (nível três)”, afirma Gosger.
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Segundo o químico, a pasta de cocaína é então purificada nos dois níveis citados, visando melhorar a estabilidade. O método mais comum para isso é a oxidação das impurezas da pasta com permanganato de potássio, um oxidante muito forte de cor roxa, que é muito usado também para tratar algumas infecções de pele, como as feridas de sarampo e catapora.
Para tentar impedir esse processo, o Drug Enforcement Administration começou a Operação Roxa em 2000, com o propósito de monitorar a distribuição da substância e, com isso, cessar a produção de cocaína. O esquema até funcionou, mas o mercado de narcóticos provavelmente arranjou um substituto para o permanganato, pois a produção continua. De qualquer forma, o uso do permanganato é feito nos níveis um e dois, mas ainda temos o terceiro.
No nível três, o ácido clorídrico é adicionado à base da cocaína para converter a mistura ao sal correspondente, que então é precipitado como cocaína cristalina.
Depois disso, vem o nível quatro, que é dominado pelos exportadores e importadores da droga, que fazem o seu refino de acordo com os compostos citados acima. Para ter uma ideia, a pureza média da cocaína na Inglaterra não é maior do que 20 ou 30%. Os outros 80 ou 70% ficam por conta dos agentes adulterantes.