Ciência
10/04/2012 às 09:27•4 min de leitura
Estudos recentes indicam que o cérebro pode ser capaz de se regenerar (Fonte da imagem: ThinkStock)
Até o século passado, tínhamos convicção de que a neurogênese ― ou seja, o processo de geração de neurônios ― estava restrita ao tempo em que os animais permaneciam no útero de suas progenitoras. Um bom indício que comprova essa teoria é a capacidade limitada que seres humanos possuem de se recuperar de derrames ou danos neurológicos causados por acidentes.
Porém, com o passar do tempo, novas pesquisas encontraram indícios de que o cérebro de outros animais adultos podia se regenerar. Esse é o caso, por exemplo, dos canários. Um estudo publicado em 1980 por Fernando Nottebohm, da Universidade Rockefeller, em Nova York, demonstra que, durante o outono, esses pássaros regeneram as células cerebrais que perdem durante o inverno.
Na ocasião, a descoberta causou certo furor na comunidade científica, já que, de acordo com o artigo “Fantasy Fix”, publicado na revista New Scientist de 18 de fevereiro de 2012, isso pode renovar as esperanças de quem precisa de um tratamento mais eficaz para doenças como o Mal de Parkinson. Apesar de alguns neurocientistas afirmarem que isso não acontece com humanos adultos, outros se sentiram inspirados o suficiente para buscar por um processo semelhante em nossa espécie.
(Fonte da imagem: ThinkStock)
Em 1992, os pesquisadores Samuel Weiss e Brent Reynolds, da Universidade de Calgary, em Alberta, Canadá, isolaram células do cérebro de camundongos que possuíam características semelhantes às de células-troncos. Manipuladas em laboratórios, essas células deram origem a novos neurônios e também a outros tipos de células do cérebro.
Na natureza, essas “células-mães” funcionam de maneira similar. Fred Gage, do Instituto Salk, na Califórnia, descobriu que a mesma substância adicionada a elas em laboratório está também presente no DNA desses mamíferos. Além disso, a equipe de Gage detectou a presença de proteínas produzidas apenas por neurônios “recém-nascidos”.
Graças a esse tipo de pesquisa, foi constatado que, em ratos adultos, a neurogênese acontece em cavidades cerebrais preenchidas com líquido cerebroespinhal. Curiosamente, o sistema nervoso começa a se desenvolver de maneira semelhante, na forma de um tubo vazio que se estende pelas “costas” do embrião. É a partir dele que os neurônios recém-formados criam, posteriormente, o cérebro e a medula espinhal.
E não são apenas ratos que apresentam evidências neurogêneses. No fim dos anos 90, foi descoberto que macacos adultos também geram novas células no hipocampo, região do cérebro considerada como a “sede da memória”. Obviamente, macacos são muito mais parecidos com humanos do que os ratos e, portanto, na época, essa notícia foi constatada com muito otimismo.
Pode ser que nosso cérebro seja capaz de gerar novos neurônios, mesmo na fase adulta (Fonte da imagem: ThinkStock)
A grande notícia veio quando a equipe de Gage pôde analisar os cérebros de cinco pessoas que tiveram câncer. Enquanto esses pacientes estavam vivos, os pesquisadores tiveram que injetar bromodeoxiuridina (BrdU), uma substância usada para detectar a proliferação de células em tecidos vivos, sendo muito útil para realçar tumores e permitir que os médicos visualizem melhor o estágio da doença. O interessante é que, após a morte desses pacientes, a BrdU foi detectada no hipocampo de todos os pacientes, sugerindo, portanto, que havia geração de novas células naquela região.
A descoberta se alastrou pelo mundo todo com muito otimismo, já que, a princípio, parece que o cérebro é muito mais adaptável a situações adversas do que a comunidade científica acreditava. Infelizmente, uma experiência como essa ainda não foi repetida. Porém, outras atestam o mesmo resultado.
O Gerd Kempermann, do Centro de Terapias Regenerativas de Dresden, na Alemanha, realizou uma pesquisa com 15 anticorpos diferentes, usados para detectar determinadas proteínas produzidas por neurônios recém-criados. Foram analisados os cérebros de 54 pessoas que morreram quando estavam perto de completar 100 anos de idade.
Ilustração de um neurônio (Fonte da imagem: ThinkStock)
Surpreendentemente, o resultado foi similar ao obtido anteriormente com cobaias de laboratório: a presença de indicativos evidenciando que novas células estavam sendo geradas no hipocampo. Em entrevista para a revista New Scientist de 18 de fevereiro de 2012, o Dr. Kempermann afirmou que apesar de a geração de células diminuir na medida em que a pessoa envelhece, é possível perceber essa atividade mesmo em seres humanos de idade avançada.
Além disso, também foi possível detectar a presença de células-tronco no cérebro do Homo sapiens. Essa descoberta só foi possível graças a pacientes que recorreram a uma cirurgia para tratar crises epilépticas. O tratamento consiste, basicamente, na remoção de partes do cérebro onde se originam essas convulsões, que normalmente se dão ao redor do hipocampo.
Assim, foi possível isolar o que pareciam ser células-tronco localizadas nessas amostras removidas. Apesar de essas células terem capacidade limitada de crescimento em laboratório, elas possuem a capacidade de gerar novos neurônios. Para os neurocientistas, isso é uma ótima notícia, já que esse “reservatório” de células poderia ser explorado para tratar derrames e doenças como as de Parkinson e de Alzheimer.
Para a ciência, ainda faltam provas quanto à neurogênese em humanos (Fonte da imagem: ThinkStock)
Como já era de se esperar, alguns cientistas se opõem à ideia de que a neurogênese seja possível em seres humanos adultos. Em um artigo publicado na revista Nature (vol. 478; pág. 333), o famoso neurocientista Pasko Rakic afirma que os dados encontrados em experimentos com camundongos não podem ser aplicados aos humanos.
Como se não bastasse, Rakic afirma que o uso de BrdU em experimentos como esses não é confiável, já que a substância pode induzir a divisão celular. Por isso, muitos testes agora são feitos com anticorpos que identificam proteínas geradas por neurônios novos, mas ainda não há um consenso quanto a quais proteínas podem identificar, com confiabilidade, a presença de neurônios recém-criados. Além disso, os experimentos que constataram a presença de neurogênese em macacos foram feitos apenas com BrdU.
Grosso modo, os cientistas que ainda veem a neurogênese com dúvida resumem a situação dizendo que não existem evidências de que tal fenômeno aconteça no córtex cerebral, que há evidências contraditórias para o caso do nascimento de novos neurônios no bulbo olfatório ― região do cérebro responsável pelos cheiros que sentimos ― e que as provas são limitadas no caso do hipocampo, cuja neurogênese parece diminuir à medida que a idade aumenta e não se sabe, ao certo, se a quantidade disponível poderia ser útil de alguma forma.
Pode ser que seja verdade a velha ideia de que o cérebro humano adulto não pode se regenerar. De acordo com Rakic e outros cientistas, é muito provável que, com uma idade avançada, nosso cérebro seja mais estável do que adaptável. Porém, mesmo assim haveria esperança para os pacientes com doenças ou lesões neurais: transplantar neurônios gerados em laboratório para o cérebro do paciente.
Infelizmente, a humanidade ainda tem um longo caminho para percorrer até que essas técnicas cheguem aos hospitais e clínicas do mundo todo. Mas é importante saber que já estamos dando os primeiros passos para que isso se torne realidade.