Artes/cultura
31/05/2016 às 09:46•3 min de leitura
Se você entrou na internet ou leu qualquer veículo de comunicação nos últimos dias, sem dúvidas, tomou conhecimento do caso de uma garota de apenas 16 anos que teve um vídeo chocante exposto na internet, o que seria uma prova de que mais de 30 homens teriam abusado do seu corpo.
Não queremos entrar no mérito deste caso específico, mas falar sobre a onda de estupros que acontece no mundo. Há algum tempo, páginas voltadas ao empoderamento feminino têm divulgados relatos e estatísticas perturbadoras. Precisamos discutir o assunto:
O primeiro ponto importante a ser assimilado é que não existe a figura de um monstro abusador. Na maioria das vezes, são pessoas normais que cometem o crime até mesmo contra familiares. Por isso, ninguém vai reconhecer um estuprador pelo rosto, região ou poder aquisitivo.
Segundo Arielle Sagrillo Scarpati, que faz doutorado em psicologia forense na Universidade de Kent, na Inglaterra, "a maioria das pessoas acha que estupro envolve o monstro, o beco escuro, a mulher jogada no chão ensanguentada. Por isso, em muitos dos casos, a própria vítima não reconhece o que sofreu como violência."
A comoção causada pelo caso no Rio de Janeiro mostra que estamos começando a nos abalar mais com estes acontecimentos e estamos preparados para debater o assunto? Um pouco. Quando as pessoas tomam conhecimento sobre um caso de violência sexual e logo começam a fazer questionamentos como “onde ela estava?”, “com que roupa?”, “a que horas?”, é como se naturalizássemos a violência e ainda colocássemos a culpa na vítima. Não é preciso ir muito longe para perceber como esse tipo de pensamento está enraizado, é só olhar em suas redes sociais ou conversar com a sua família e amigos.
Qual é o seu argumento?
Até 2005, o estupro era considerado um crime "contra os costumes" e a lei brasileira permitia que o estuprador se casasse com a vítima para não cumprir pena:
Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.
A norma contida no art. 1.520 do Código Civil Brasileiro (Lei 10.406, de 10-1-2002), oferece hipótese de extinção da punibilidade penal nos casos de estupro de vulnerável, através do casamento entre “vítima” e agente.
A Lei 11.106/2005 revogou expressamente os incisos VII e VIII do art.107 do Código Penal, nos quais se lia que:
Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:
“VII - pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial deste Código”;
“VIII - pelo casamento da vítima com terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, se cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 (sessenta) dias a contra da celebração”.
Hoje, ainda há o controverso artigo 1520 do Código Civil (Lei 10.406/02). O texto diz: “excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil, para evitar imposição ou cumprimento da pena criminal ou em caso de gravidez”. Apesar disso, costuma-se dizer que este artigo não é aplicado em sua totalidade, o que gera uma série de debates.
Se a lei ainda é retrógrada, o que podemos dizer do deputado Jair Bolsonaro, que proferiu o seguinte insulto: “Só não te estupro porque você não merece”, em relação à deputada Maria do Rosário? Podemos deduzir que, na cabeça de alguém que diz algo assim, talvez seja um “favor” fazer sexo a força com uma mulher que seja desprovida de beleza ou algo do gênero.
O político ainda a empurrou e a chamou de “vagabunda”. Aliás, termos pejorativos ligados às mulheres são constantemente repetidos, sem que se perceba o peso que estas frases têm: “não seja uma mulherzinha”, “você corre como uma mulherzinha”, “feche as pernas e sente como uma menina”.
Termos pejorativos
Todos estes elementos influenciam nosso julgamento em relação à violência doméstica e em casos de violência sexual, como se a mulher, frágil e desprovida de razão, tivesse se colocado em uma situação de risco quando usou uma roupa curta ou saiu à noite.
Não existe nada que mostre que traficantes ou pessoas menos favorecidas sejam os principais culpados por ataques sexuais. Existem médicos que abusam de seus pacientes em seus consultórios e padres que estupram crianças deixadas na igreja por seus pais.
Existem vários motivos que levam uma pessoa violentada a não denunciar o seu agressor, por isso o estupro continua sendo um dos crimes menos notificados. Os dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que, por ano, 50 mil pessoas são estupradas no Brasil. Porém, a estimativa é que apenas 10% dos crimes sejam denunciados, o que totalizaria mais de meio milhão de pessoas que sofrem crimes sexuais anualmente.
Denuncie! Ligue 180
Se você não consegue imaginar o constrangimento envolvido em uma situação dessas, pense no seguinte caso: você saiu com os seus amigos para um bar e, quando decidiu ir embora, descobriu que o seu carro havia sido roubado. Chegando na delegacia, o delegado questiona o local onde você estava, se você havia ingerido bebida alcoólica e se o seu carro era muito atrativo. Ele até dá a entender que você provocou a situação e comenta que se você estivesse com o carro guardado na garagem de casa, isso não teria acontecido. Você consegue imaginar? Pois é exatamente isso o que muitas pessoas passam ao tentar denunciar um crime.