Por que tentar sobreviver só comendo carne é perigoso?

20/05/2022 às 11:004 min de leitura

Os dados da The World Counts em 2018 apontaram que, globalmente, as pessoas consomem, em média, 346,14 milhões de toneladas de carne por ano. Até 2030, esse número deve alcançar 453 milhões, um acréscimo de 44%, podendo chegar a 70% até 2050.

A OCDE Data ranqueou os países que mais consomem carne por pessoa diariamente, e os Estados Unidos figura na primeira posição desde o último ano registrado, 2018, seguido pela Austrália e Argentina.

Para poder alimentar tantas pessoas, a organização The Humane League estima que a indústria da carne abata 200 milhões de animais no mundo diariamente, gerando uma conta de 72 bilhões por ano. Só nos Estados Unidos, cerca de 25 milhões de animais são mortos; já no Reino Unido, 2,6 milhões de bovinos; 10 milhões de porcos; 14,5 milhões de ovelhas e cordeiros; 80 milhões de peixes e 950 milhões de aves são mortos para consumo humano.

Além de o consumo de carne e laticínios do Ocidente estar alimentando pesadamente a máquina do aquecimento global, como indicou um relatório preparado por 107 cientistas para o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, uma dieta a base de muita carne ao longo da vida do ser humano pode trazer inúmeros malefícios, e aqui estão alguns deles e seus motivos:

A tendência

(Fonte: Chris Kresser/Reprodução)(Fonte: Chris Kresser/Reprodução)

De cetogênica a low carb e paleolítica, existem diversas dietas espalhadas pela internet, prometendo, em sua maioria, benefícios tão a curto prazo que funcionam como uma receita mágica. Basta cortar aquele alimento, comer de tantas em tantas horas, ingerir mais disso ou daquilo, que a pessoa obterá o resultado que deseja — provavelmente a perda de gordura localizada sem esforço físico.

Seguindo o senso comum e impulsionado pela industrialização que cerca todos os aspectos de nossas vidas e da sociedade, a nova tendência é a dieta carnívora. Em linhas gerais, ela seria a realização dos sonhos daquela pessoa que não vive sem um bife mal passado no almoço, cujos benefícios são, supostamente, ilimitados. 

A dieta promete mais energia, menos gordura corporal e melhoras no corpo físico, como a cura de artrite reumatoide, e emocional, "se livrando" da depressão — sem ajuda de remédios e terapia. Não parece mentira? Ironicamente, é.

Ainda que agora esteja voltando, a tendência começou em meados de 2018, quando um ex-cirurgião ortopédico e fisiculturista chamado Shawn Baker, ganhou a mídia por comer 4 quilos de bife diariamente durante pouco mais que um ano.

“A princípio, pode parecer monótono comer a mesma coisa repetidamente, mas, com o passar do tempo, você começa a desejar só isso”, confessou ele, em entrevista ao The Guardian.

Shawn Baker. (Fonte: Ultimate Paleo Guide/Reprodução)Shawn Baker. (Fonte: Ultimate Paleo Guide/Reprodução)

Não é para menos que o fisiculturista acabou sendo apelidado de "rei carnívoro", acumulando uma legião de fãs e formando um culto de seguidores nas redes sociais, que acompanham e replicam o estilo de vida que a dieta proporciona, principalmente pela simplicidade das refeições.

“Eu não preciso planejar refeições ou contar calorias. Só tenho que pensar em quanta fome estou e quantos bifes quero comer”, disse ele.

Isso porque a dieta visa a ingestão somente de carne ou produtos de origem animal em todas as refeições. Nada a base de frutas, carboidratos, vegetais, grãos, legumes, nozes e sementes.

Os defensores, em sua maioria, homens, argumentam que a dieta carnívora reduziu casos de inflamação e pressão arterial, bem como aumentou a libido e a clareza mental. Mas não é bem assim.

O problema

(Fonte: Journals Daily/Reprodução)(Fonte: Journals Daily/Reprodução)

Nosso corpo precisa de 13 tipos de vitaminas para viver e, ainda que possa obter a maioria delas comendo uma variedade de carnes, ele perderá algumas cruciais, como o folato e as vitaminas C e E, provenientes dos vegetais. A insuficiência de vitamina E no organismo inibe o uso da vitamina K, responsável por participar na coagulação sanguínea, evitando hemorragias e fortalecendo os ossos pela fixação de cálcio na massa óssea.

Então existe a questão da fibra que não tem na carne, e é fundamental para uma dieta saudável, por promover um microbioma diversificado e robusto nos intestinos. Ele afeta tudo, desde sua digestão e humor até seu sistema imunológico.

Como ressalta o artigo de Sarah Chodosh, graduada no Programa de Relatórios de Saúde e Meio Ambiente da Universidade de Nova York, para a Popular Science, aqueles que apontam para culturas que historicamente vivem apenas de carne, não consideram que eles ingerem outros tipos de alimentos que compensam a falta dos nutrientes da carne.

Os inuítes, por exemplo, vivem de carne muito gordurosa, suplementando a alimentação com abundância de frutas no pouco de verão que possuem. Eles evitam contrair escorbuto, que já causou problema a muitos marinheiros com suas dietas a base de peixes e carnes, comendo a pele da baleia, rica em colágeno e vitamina C. Além de as carnes serem frescas e cruas, são mais saudáveis e insaturadas, visto que a carne industrializada é o oposto disso, porque foi desenvolvida por animais que fazem pouco exercício e comem principalmente milho.

Enfraquecendo o corpo

(Fonte: Cleveland Clinic/Reprodução)(Fonte: Cleveland Clinic/Reprodução)

Chodosh deixa claro que é possível suplementar todas essas deficiências que a ingestão apenas de animais traz através de pílulas de vitaminas e pó de fibra. O problema disso tudo é que muitas pessoas não fazem nem isso, apenas confiam em tudo o que a carne pode oferecer como alternativa suficiente. Ainda que esses nutrientes industrializados não sejam a melhor opção, é melhor que nada.

Além disso tudo, é importante ressaltar que o excesso de carne vermelha no corpo está associado ao câncer colorretal, câncer de pâncreas e próstata em menor grau. Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre carnes vermelhas mostrou que a carne cozida a temperaturas superiores a 140 °C produz certos tipos de produtos químicos cancerígenos.

Os índices de colesterol bom e ruim (HDL e LDL, respectivamente) podem ser desestabilizados para o lado ruim. As carnes vermelhas gordurosas aumentam o LDL e os triglicerídeos, diminuindo o HDL. Isso pode ser evitado comendo menos carne vermelha e buscando opções mais saudáveis, como aves e peixes magros, ambos com mais nutrientes do que a carne bovina.

No final das contas, a verdade é que qualquer tipo de dieta extrema será problemática. Tanto daquele que não come nada de carne até aquele que pensa em sobreviver apenas de frutas.

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