Ciência
29/08/2024 às 10:00•2 min de leituraAtualizado em 29/08/2024 às 10:00
A atmosfera de Vênus, conhecida por suas nuvens densas de ácido sulfúrico, pode ter um papel fundamental em uma distribuição inesperada de água no planeta. Essa descoberta intrigante foi feita por pesquisadores que, utilizando dados da missão Venus Express da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês), observaram concentrações incomuns de água e deutério – um isótopo do hidrogênio – em altitudes superiores.
A observação sugere que a história de Vênus pode ser muito mais complexa do que imaginávamos, talvez até indicando que o planeta já teve composições químicas semelhantes às da Terra.
Vênus, frequentemente chamado de "gêmeo da Terra" devido ao seu tamanho semelhante, apresenta hoje um ambiente extremamente hostil. A superfície do planeta registra temperaturas que podem derreter chumbo e pressões quase 100 vezes maiores que as da Terra.
Além disso, suas espessas nuvens de ácido sulfúrico criam uma atmosfera árida, com pouca água, concentrada principalmente abaixo e dentro dessas camadas de nuvens. No entanto, as novas descobertas sugerem que, em algum momento no passado, Vênus pode ter tido quantidades de água comparáveis às da Terra.
O estudo focou em dois tipos de moléculas de água na atmosfera venusiana: a água comum (H2O) e a água "semipesada" (HDO), onde um dos átomos de hidrogênio é substituído por deutério. Esperava-se que a proporção entre H2O e HDO em Vênus fosse similar à da Terra, mas as medições mostraram uma surpresa.
Na atmosfera superior de Vênus, entre 70 e 110 quilômetros de altitude, a quantidade de HDO é até 1.500 vezes maior do que nos oceanos terrestres. Esse enriquecimento de deutério é causado pela radiação solar, que quebra as moléculas de água, permitindo que o hidrogênio, mais leve, escape para o espaço mais facilmente do que o deutério.
A pergunta que fica é: por que a proporção de HDO aumenta tanto em altitudes maiores? A resposta pode estar no ciclo do ácido sulfúrico na atmosfera venusiana. Aerossóis de ácido sulfúrico hidratado se formam logo acima das nuvens e, ao flutuarem para altitudes mais elevadas, acabam liberando mais HDO. Este vapor, ao retornar para camadas inferiores, condensa-se e recomeça o ciclo, criando uma distribuição dinâmica e complexa de água em diferentes formas.
Essas descobertas trazem novas questões sobre a evolução do planeta e sua história aquosa. Se Vênus e a Terra começaram com proporções semelhantes de HDO/H2O, como a Terra conseguiu reter tanto da sua água enquanto Vênus a perdeu? Cientistas especulam que isso pode ser devido às diferenças nas atmosferas e nos processos que as afetam. Vênus, mais próximo do Sol, é bombardeado por radiação solar mais intensa, o que pode ter acelerado a perda de água.
Entender esses processos é crucial não só para reconstruir a história de Vênus, mas também para prever o futuro da Terra. Se Vênus, que compartilhou tantas características com nosso planeta, pode se transformar em um mundo tão inóspito, o que isso significa para o futuro da Terra?
Estudar como a altitude afeta a atmosfera de Vênus e a proporção de deutério para hidrogênio pode responder a questões importantes. As próximas missões, como DAVINCI+ da NASA e EnVision da ESA, serão cruciais para expandir esse conhecimento e podem oferecer insights valiosos para a preservação da Terra.