Ciência
17/10/2024 às 17:00•3 min de leituraAtualizado em 17/10/2024 às 17:00
Cientistas do CERN fizeram uma descoberta inédita que pode mudar nossa compreensão do universo subatômico. Eles detectaram o decaimento ultra-raro de uma partícula chamada kaon carregado (K+), que se transforma em um píon carregado (p+), um neutrino e um antineutrino. Não entendeu nada? Vamos lá.
O decaimento de partícula é quando uma partícula instável se transforma em outras partículas menores — ou diferentes. Isso acontece porque a partícula original não consegue se manter estável e, ao decair (o mesmo que diminuir), libera energia e cria novas partículas. Um exemplo é o nêutron, que pode se transformar em um próton, um elétron e um antineutrino.
Esse processo é comum no universo subatômico e segue as regras do Modelo Padrão da física de partículas. A velocidade do decaimento varia: algumas partículas decaem rápido, outras demoram muito. Nos laboratórios, cientistas estudam esses decaimentos para entender melhor o universo e, às vezes, encontrar novas leis da física. É justamente aqui que entra esse decaimento raro encontrado.
O decaimento do kaon carregado, extremamente difícil de captar, ocorre menos de 1 vez em 10 bilhões de decaimentos e foi observado pelo experimento NA62 do CERN com uma significância estatística de 5 sigma, o que significa que há apenas 0,00006% de chance de ser um erro. Essa descoberta abre caminhos para novas teorias físicas.
O Modelo Padrão tem sido uma ferramenta extremamente eficaz para explicar como as partículas interagem entre si. No entanto, ele não resolve alguns dos maiores mistérios do universo, como a natureza da matéria escura ou o desequilíbrio entre matéria e antimatéria.
Por isso, os cientistas buscam evidências de fenômenos que vão além dessa teoria, e o decaimento do kaon carregado é um desses eventos cruciais. Medir o K+ decaindo em um píon carregado e dois neutrinos é particularmente interessante porque qualquer pequena discrepância entre as previsões e as observações pode indicar a presença de novas partículas ou forças ainda desconhecidas.
Esse processo já havia sido observado antes, mas esta é a primeira vez que ele foi medido com tamanha precisão e confiabilidade. Para realizar o experimento, os cientistas usaram o acelerador de partículas Super Proton Synchrotron (SPS) do CERN, que colide prótons de alta energia em um alvo fixo. Dessa colisão, surgem bilhões de partículas secundárias, dentre as quais apenas cerca de 6% são kaons carregados.
O detector do NA62 é então capaz de identificar e medir essas partículas e seus produtos de decaimento com extrema precisão. No caso dos neutrinos, como eles não podem ser detectados diretamente, sua presença é deduzida a partir da energia ausente no processo.
O que torna essa descoberta ainda mais intrigante é que, embora o decaimento observado esteja em linha com as previsões do Modelo Padrão, ele ocorre com uma frequência 50% maior do que o esperado.
Enquanto o modelo prevê que menos de 1 em 10 bilhões de kaons deveria decair dessa maneira, os cientistas observaram uma taxa de 13 em cada 100 bilhões. Esse desvio pode indicar a presença de novas partículas ou forças que ainda não foram descobertas. Os cientistas envolvidos no estudo acreditam que, por estarem tendo um resultado diferente do previsto, eles podem estar diante de uma nova física.
Apesar de a diferença observada entre o esperado e o medido não ser grande o suficiente para descartar o Modelo Padrão por completo, ela é suficientemente intrigante para justificar mais estudos.
Com a coleta de novos dados e o aprimoramento dos equipamentos do NA62, os cientistas esperam obter uma resposta definitiva nos próximos anos. Se essas discrepâncias persistirem, poderemos estar à beira de uma revolução na física de partículas, similar àquela causada pela descoberta do Bóson de Higgs.