Jacobabad: a vida difícil em uma das cidades mais quentes do planeta

31/07/2024 às 18:004 min de leituraAtualizado em 31/07/2024 às 18:00

A Terra está ficando cada vez mais quente, e os efeitos já estão aqui. Chefe da Organização Meteorológica Mundial, Petteri Taalas disse em entrevista coletiva, em abril, que o clima extremo causado pelas emissões de gases de efeito estufa pode continuar até a década de 2060, independentemente do nosso sucesso na mitigação do clima.

Os últimos 8 anos foram os mais quentes registrados no planeta, fruto do pico que atingiu as concentrações de gases de efeito estufa, como dióxido de carbono. O resultado são secas devastadoras, como a que vimos em várias partes da Europa em 2022, bem como as ondas de calor que assolaram vários países ano passado. Nos Estados Unidos, por exemplo, o calor extremo matou mais de 147 pessoas em cinco condados, sendo que especialistas acreditam que essa estimativa seja provavelmente muito maior.

O Instituto Goddard de Estudos Espaciais, um braço da NASA, publicou um estudo mostrando que a Terra bateu nos últimos 12 meses o recorde mensal de temperaturas mais altas já registradas. Para se ter uma ideia, a temperatura média dos últimos 12 meses foi 1,3 °C maior do que a registrada entre as décadas de 1950 e 1980.

(Fonte: Getty Images/Reprodução)
Os últimos 8 anos foram os mais quentes registrados no planeta. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Não existe nada comprovado do que vai acontecer com o planeta se atingir uma altura específica, porém, cada grau de aumento representa maior probabilidade de atingirmos o chamado "ponto de inflexão" irreversível. Se atualmente estamos presenciando um aquecimento de 1,2 °C e as consequências já são devastadoras, se chegarmos a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais, isso será o suficiente para cerca de 104 mil das mais de 215 mil geleiras e calotas polares do mundo derreterem, elevando o nível global do mar em pouco mais que 10 centímetros.

Se isso acontecer, cidades como Jacobabad, uma das mais quentes do mundo, sucumbirão às mudanças climáticas.

Calor eterno

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Jacobabad é uma das duas cidades do planeta que ultrapassou os limites de calor que o corpo humano pode suportar. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Localizada no norte de Sindh, no Buluchistão, maior fronteira provincial do Paquistão, Jacobabad possui uma população de 300 mil habitantes de acordo com o censo de 2023, e enfrenta temperaturas que variam entre 49 °C e 52 °C. A cidade se tornou o marco zero de um planeta em aquecimento desenfreado, e uma das duas cidades da Terra que ultrapassou os limites de calor e umidade que são mais quentes do que o corpo humano pode suportar. Um novo estudo da Organização Meteorológica Mundial confirmou que o calor extremo que atingiu grandes partes do Paquistão tornou-se 30 vezes mais provável devido às mudanças climáticas.

Setenta por cento da população de Jacobabad vive abaixo da linha da pobreza, em sua maioria trabalhadores agrícolas e assalariados diários em fábricas ou olarias que lutam contra a exaustão provocada pelo calor e a insolação, além de enfrentarem uma verdadeira crise hídrica e quedas de energia que duram de 12 a 18 horas por dia.

Quando os habitantes não estão juntando dinheiro para comprar um painel solar para conseguir resfriar suas casas com um ventilador, estão economizando para comprar água para beber e fazer a sua higiene pessoal. Um galão de água é vendido por 1 centavo, e uma família de cinco pessoas em Jacobabad gasta até US$ 6 por mês, sendo que a maioria das pessoas na cidade ganha menos que US$ 2 por dia.

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Paquistão é o terceiro país com maior estresse hídrico do mundo. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Até o momento, a única alternativa dos moradores é comprar água de distribuidores privados porque o abastecimento de água potável na cidade permanece limitado devido a frequentes cortes de energia na usina de filtragem de água, falta de equipe técnica no local e pouca ou nenhuma coordenação entre os órgãos do governo local.

O Paquistão é o terceiro país com maior estresse hídrico do mundo, sendo Jacobabad a cidade em pior situação. Portanto, o que os vendedores privados de água estão fazendo é explorar uma crise hídrica. A administração da cidade fecha os olhos para a situação porque, pelo bem ou pelo mal, esses vendedores estão atendendo a uma necessidade básica.

As mulheres de Jacobabad

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Moradores de Jacobabad ganham menos que US$ 2 por dia. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Os moradores aprenderam a lidar com os problemas que o calor extremo da cidade causam, principalmente a cuidarem um dos outros, visto que a infraestrutura de saúde da cidade não está preparada para isso. Não há planejamento coordenado entre os departamentos de saúde e gerenciamento de desastres, tampouco medidas de adaptação ao calor para o clima da cidade. A infraestrutura para comunidades que trabalham ao ar livre no calor excruciante está ausente no aparato de formulação de políticas públicas.

Em Jacobabad, o ambiente praticamente inóspito e a negligência política se misturam a fatores culturais, como o machismo. Quanto mais quente o dia fica, é comum ver os homens nos campos que cercam a cidade deixarem o trabalho e voltarem apenas ao cair da noite, quando a temperatura diminui. As mulheres, porém, não fazem isso.

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Mulheres em Jacobabad trabalham grávidas sob o sol escaldante. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

As normas sociais aliadas às preocupações com a segurança e as responsabilidades domésticas impedem as mulheres de terem horários de trabalho tão flexíveis quanto os homens. Elas continuam trabalhando mesmo durante os horários em que a temperatura está extremamente alta. Inclusive, é muito comum vê-las fazendo isso enquanto grávidas.

No sul do Paquistão, as mulheres grávidas que vivem à beira da mudança climática são mais propensas ao risco de complicações durante ou após a gestação. Em setembro de 2020, uma meta-análise realizada por várias instituições de pesquisa pelo mundo, publicada no British Medical Journal, revelou que, para cada 1 grau Celsius de aumento de temperatura, o número de natimortos e partos prematuros aumenta cerca de 5%.

Cidade "em chamas"

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O Paquistão é uma das 10 nações mais vulneráveis e ameaçadas pelas mudanças climáticas. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Um relatório divulgado pelo Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) revelou perspectivas ainda mais obscuras para o futuro do Paquistão com relação ao calor extremo. Espera-se que as ondas de calor se tornem mais frequentes e intensas no país, e que o número de dias e noites quentes aumentem significativamente.

Uma vez que no Paquistão predomina uma economia agrária, embora esteja se industrializando, depende fortemente de seus recursos terrestres, hídricos e florestais sensíveis ao clima para subsistência alimentar. O aumento da temperatura afetará cada vez mais as atividades relacionadas à agricultura (fonte de emprego de 42% da população), e produção de alimentos, causando impactos graves à saúde.

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Cerca de 42% da população do Paquistão depende da agricultura. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

A exaustão causada pelo calor extremo levará a mais desnutrição, ao surgimento de doenças transmitidas por vetores, como a dengue, e o aumento da carga de doenças transmitidas pela água. Tudo isso reduzirá a capacidade das pessoas de trabalhar e ganhar a vida. Pode aumentar também o número de casamentos infantis, nascimentos prematuros e violência doméstica.

Apesar de o Paquistão ter contribuído com menos de 1% das emissões globais de gases de efeito estufa, é uma das 10 nações mais vulneráveis e ameaçadas pelas mudanças climáticas. Em 2009, na COP15, realizada em Copenhague, os países desenvolvidos concordaram em fornecer US$ 100 bilhões em financiamento climático para nações em desenvolvimento até 2020, mas isso até agora não aconteceu.

Assim, cidades como Jacobabad estão com seus dias contados. Os cientistas dizem que, daqui a algumas décadas, a cidade deve se tornar inabitável.

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