Ciência
08/01/2025 às 15:30•2 min de leituraAtualizado em 08/01/2025 às 15:30
Um estudo publicado na revista Science em agosto de 2023 causou grande impacto na comunidade científica e no público em geral, ao sugerir que os seres humanos estiveram à beira da extinção há 900 mil anos. Na pesquisa, os autores trabalharam com um novo modelo computacional chamado FitCoal para analisar a história genética de mais de 3 mil indivíduos atuais.
Analisando as alterações no DNA dessas pessoas, os autores tentaram reconstruir como essas mutações se acumularam ao longo do tempo. Entre os genomas africanos incluídos na amostra, a equipe detectou sinais de um "gargalo" populacional há 900 mil anos. Segundo o estudo, 98,7% daquela população ancestral teriam morrido, restando na Terra apenas 1.280 pessoas.
Como esse padrão não se repetiu nos genomas não africanos, diversos cientistas questionaram a validade dos resultados, iniciando suas próprias pesquisas para testar a metodologia usada na pesquisa original.
Um desses cientistas que contestaram o estudo, Aylwyn Scally, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, afirmou à IFLScience que "as diferenças genéticas atuais são muito pouco informativas sobre qualquer coisa além de cerca de 200. mil anos atrás". Além disso, destacou o pesquisador, outros modelos não conseguiram replicar o FitCoal.
Existem diversas ferramentas estatísticas confiáveis para reconstruir tamanhos populacionais históricos, como o mushi, iniciais em inglês para "inferência da história do espectro de mutação", e o MSMC (Coalescente Markoviano Sequencialmente Múltiplo). No entanto, ambas dependem de suposições e simplificações relacionadas às taxas de mutação, diz Scally.
Ele explica que "a realidade do que aconteceu foi uma coisa muito, muito complicada — muito mais complicada do que nossos modelos simples serão capazes de representar. Portanto, há muitas maneiras de errar, muitas maneiras de ser enganado".
"Um gargalo relatado anteriormente na ancestralidade humana de 900 mil anos é provavelmente um artefato estatístico" é o título de um artigo recente, publicado na revista Genetics. Nele, pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos EUA, sugerem que o FitCoal tem um problema técnico, que o faz "enxergar" gargalos populacionais inexistentes.
Eles dizem também que, se o evento de quase extinção tivesse realmente ocorrido, deveria haver evidências similares nos genomas de todas as populações modernas não africanas, o que não foi observado pelo FitCoal.
Falando sobre o artigo que propôs inicialmente o colapso populacional, Scally diz que "se o seu método é o único que detecta um sinal específico, você precisa ter alguma explicação de por que ele pode ser o caso. Você precisa explicar por que seu método é capaz de ver isso e ninguém mais é. Mas eles não conseguem fazer isso em seu artigo".