Artes/cultura
04/08/2022 às 13:00•2 min de leitura
Em 2016, Inky, um polvo que morava no Aquário Nacional da Nova Zelândia, aproveitou um descuido dos seus tratadores, e decidiu conhecer o mundo — ou o oceano. A tampa do seu aquário estava solta e o molusco conseguiu passar por ela quando os cuidadores saíram. Ele avançou cerca de 4 metros pelo aquário quando encontrou um dreno que desaguava no Pacífico.
Toda essa jornada, na verdade, é o que os tratadores acreditam que aconteceu. A única testemunha ocular foi Blotchy, outro polvo que dividia o aquário com Inky. Mas com a ajuda de uma trilha molhada e algumas marcas de ventosas, os movimentos do polvo fujão foram descobertos pela equipe do Aquário Nacional.
A fuga de Inky é apenas mais uma evidência da capacidade destes animais de lidarem com problemas complexos. Eles são extremamente inteligentes, capazes de aprender novas tarefas e se orientar dos mais variados ambientes. Isso fez com que se criasse um consenso entre pesquisadores de que os polvos são provavelmente sencientes — capazes de sentir sensações e sentimentos de forma consciente.
Peter Godfrey-Smith, professor de história e filosofia da ciência da Universidade de Sydney, na Austrália, e autor do livro Outras Mentes: O Polvo e a origem da consciência, é um dos defensores dessa possibilidade. “Quando você está lidando com um polvo que está atento e curioso sobre algo, é muito difícil imaginar que ele não está consciente do que faz”.
É difícil saber até que ponto os polvos são sencientes, uma vez que para nós é difícil até imaginar como é ser um polvo. Não é como se nós tivéssemos um para a mais de pernas e outro de braços. Como são invertebrados, esses animais são capazes de realizar movimentos que para nós seria impossível. Além disso, os membros do polvo são cobertos por ventosas que possuem sensores únicos que provam tudo o que tocam.
“Os braços do polvo são, de certa forma, mais como lábios ou línguas do que mãos”, explica Godfrey-Smith. “Há toda uma grande cascata de informações sensoriais baseada no sabor que está chegando toda vez que o animal faz alguma coisa. Isso é muito diferente da nossa situação”.
As coisas ficam ainda mais complexas quando analisamos o sistema nervoso do polvo. Seus tentáculos têm mais autonomia do que nossos braços e pernas. Cada um tem seu próprio cérebro em miniatura, dando-lhe um grau de independência do cérebro central do animal. É como se cada tentáculo fosse capaz de pensar por si, enquanto o cérebro central pode analisar o território ou tentar solucionar algum problema.
Pensando nisso, um grupo de cientistas do Reino Unido decidiram avaliar o quão senciente são os polvos, a partir de oito critérios que levam em consideração as respostas a estímulos relacionados à dor e a situações de desconforto. O estudo revelou que os polvos obtiveram a pontuação mais alta entre as criaturas estudadas.
A pesquisa foi usada como evidência para a criação de uma emenda à Lei de Bem-Estar Animal do Reino Unido para reconhecer que os moluscos cefalópodes e os crustáceos decápodes são sencientes.
“Acho que é uma coisa boa, o fato de que no Reino Unido os polvos e também os crustáceos estão recebendo um novo tipo de reconhecimento nos direitos dos animais”, conclui Godfrey-Smith.