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04/08/2019 às 05:00•3 min de leitura
Durante o dia conseguimos – ou quase – perceber tudo o que se passa em nossa cabeça. Sabemos quando sentimos alegria, raiva, cansaço, e às vezes até respondemos ao que experimentamos de maneira coerente e consciente. A verdade é que nosso cérebro foi programado para trabalhar sem parar, e quando você está de olhinhos fechados em sono profundo, seu órgão pensador continua na labuta.
Durante o sono, não estamos conscientes, e aí o inconsciente cerebral se manifesta. Ainda que o inconsciente seja completamente influenciado pelo consciente, precisamos entender que ele se expressa de maneiras mais sutis, misteriosas e, claro, desengonçadas.
Esses dias meu melhor amigo me contou que sonhou que eu e ele morávamos em um antiquário imenso, entupido de móveis e objetos velhos. Em um dos quartos da casa/antiquário, vimos que havia uma barata saindo de baixo da cama. Curiosos, fomos ver o que havia ali e descobrimos que era um cadáver mumificado. O mais bizarro é que, depois de encontrarmos a múmia embaixo da cama, continuamos a viver lá normalmente, como se aquilo fosse a coisa mais comum do mundo.
Essas manifestações inconscientes, que acontecem também por meio dos sonhos, já serviram de inspiração para muitos escritores, cientistas e pesquisadores. A genial Amanda Palmer, casada com o escritor Neil Gaiman, já disse que conversa com o marido enquanto ele dorme e que sempre anota o que ele diz. Uma vez, por estar sem papel para anotar, ela resolveu gravar a conversa no celular e encontrou esse áudio anos depois. O resultado? Uma belíssima animação feita por Avi Ofer e narrada por ela.
O escritor Fiódor Dostoiévski costumava dizer que descobriu o sentido da vida em um sonho. A Teoria Especial da Relatividade, aquela proposta por Einstein, também surgiu em um sonho – assim como a máquina de costura, que foi projetada depois que seu criador sonhou que estava sendo esfaqueado (o GIF abaixo mostra como o movimento de apunhalar é parecido com um dos mecanismos da costura mecânica). Você se lembra de “O Exterminador do Futuro”, né? Sabia que o filme só existe porque o diretor James Cameron teve um sonho sobre a história?
Não é de hoje, portanto, que sonhos são de interesse da filosofia, da ciência, da psicologia, das artes e das conversas entre amigos. Se você tivesse que explicar agora o que é um sonho, como faria isso? Possivelmente, sua resposta teria palavras-chave como “imagens”, “pensamentos”, “medos” e “emoções”. Nem sempre, no entanto, essas manifestações fazem sentido ou são facilmente entendidas.
Ainda não há uma resposta científica que explique por que sonhamos, mas existem muitas teorias sobre o assunto – sem um consenso geral, é claro. Isso pode parecer frustrante, mas, em termos científicos, ainda estamos batalhando para entender o propósito do sono em si.
De acordo com Ernest Hoffman, diretor da área de distúrbios do sono do Hospital Newton Wellesley, em Boston, uma das funções dos sonhos em nossas vidas pode ser produzir conteúdos novos para nosso sistema de memória, reduzindo a tensão emocional e, assim, nos ajudando a lidar com traumas ou acontecimentos estressantes.
Dentro da psicologia, e mais especificamente dentro da psicanálise, temos a explicação de Freud, que acreditava que sonhos representavam nossos desejos, pensamentos e nossas motivações inconscientes. Para Freud, as pessoas vivem reprimindo seus impulsos sexuais e de raiva, de modo que esses mesmos impulsos saem do armário enquanto dormimos. Em seu livro “A Interpretação dos Sonhos”, o pai da psicanálise escreveu que sonhos são as realizações de nossos desejos reprimidos.
Para ele, sonhos são compostos do conteúdo manifesto, que são as imagens e os pensamentos presentes no que sonhamos; e o conteúdo latente, que é o significado psicológico – muitas vezes oculto – dessas imagens e representações.
Já o modelo de ativação-síntese dos sonhos foi proposto em 1977 por J. Allan Hobson e Robert McClarley. Para eles, os circuitos cerebrais são ativados durante o sono REM, o que faz com que as áreas cerebrais ligadas às emoções, sensações e lembranças sejam também ativadas. A partir daí, a tarefa do cérebro seria sintetizar e interpretar toda essa atividade, na tentativa de encontrar algum sentido nos sinais recebidos durante o sono.
Basicamente, a teoria do modelo de ativação-síntese propõe a ideia de que sonhos são o resultado de circuitos cerebrais. Para Hobson, os sonhos são o estado mais criativo da consciência humana, já que histórias absurdas e caóticas são capazes de propor sentidos reais e criar novas informações.
Em termos de neurociência, dormimos porque, durante o sono, consolidamos as informações recebidas durante o dia anterior – por causa disso, muitas teorias explicam os sonhos como uma espécie de subproduto desse processo de reter informações e, por estarmos inconscientes, nossa mente toma a liberdade de bagunçar imagens, conceitos, pessoas e o que mais conseguir.
São tantas as teorias que é difícil não se confundir ou mesmo escolher apenas uma na qual acreditar. Há quem defenda a ideia, por exemplo, de que os sonhos servem como mecanismo de limpeza, que teriam como função colocar nossa mente em ordem.
De qualquer forma, é sempre curioso prestar atenção no que sonhamos. Independente das explicações que possamos descobrir para o ato de sonhar, às vezes podemos tirar algumas mensagens daquilo que nos passa pela mente à noite, transformá-las em arte, criar novos conceitos de Física ou, no mínimo, ter uma história maluca para compartilhar com os amigos e dar algumas boas risadas.
*Publicado em 08/01/2016