Ciência
18/10/2021 às 13:00•4 min de leitura
Para começar, é importante observar que o Gato de Schrödinger surgiu em uma discussão sobre mecânica quântica. E, quando o assunto é quântica, sempre é bom lembrar da frase de Richard Feynman: "Se você acha que entendeu a física quântica, é porque você não entendeu".
Muita gente resume a história do Gato de Schrödinger à parte sobre o animal poder estar vivo e morto ao mesmo tempo, dependendo do observador (é claro que nunca existiu nenhum gato vivo e morto ao mesmo tempo, diferente do que algumas pessoas pensam). Tudo isso foi um exercício mental proposto pelo físico Erwin Schrödinger em suas cartas com Einstein.
Porém, por mais que o tal bicho só tenha existido na cabeça de Erwin Schrödinger, a influência dele no mundo é bastante real. Neste texto, buscamos explicar mais a fundo como essa ideia surgiu e até onde ela chegou.
Eu podia ilustrar essa matéria só com fotos de gatinhos, né? Awwwnnn... (Imagem: Pexels)
Erwin Schrödinger foi um grande físico austríaco, ganhador do Prêmio Nobel de Física em 1933 e considerado o "pai da mecânica quântica". Naquela época, os pesquisadores ainda tentavam explicar os comportamentos estranhos das partículas subatômicas. Então, o dinamarquês Niels Bohr propôs sua interpretação de Copenhagen.
De forma bem resumida, essa interpretação diz que partículas subatômicas não têm estados definidos até serem medidas: elas ficam em uma "superposição de estados" e podem ficar em um estado ou outro, quando observadas, 50% para cada uma. Einstein não gostou dessa teoria, e Schrödinger a achou absurda. Então, ele escreveu a historinha do gato para ilustrar como essa interpretação lhe parecia absurda.
Schrödinger podia ter escrito argumentos ou ter feito qualquer coisa, mas o cara inventou uma historinha com um gato. Além de um gênio, ele era criativo!
Assim como as histórias infantis, que são passadas de geração em geração e muita gente nunca teve contato com a versão original, aconteceu com o Gato de Schrödinger. A ideia faz parte do artigo A Situação Atual da Mecânica Quântica, publicado em 1935, dizendo que: "qualquer um pode mesmo montar casos bem ridículos". Pois é.
Na descrição original, Schrödinger propõe trancar o gato em uma câmara de aço, junto de um frasco de veneno, um martelo, um contador Geiger (que mede radiação) e uma porçãozinha de substância radioativa. A caixa é fechada por 1 hora e, nesse tempo, a substância pode emitir ou não radiação, acionando o contador, que aciona o martelo e quebra o frasco de veneno, matando o gato.
Pela interpretação de Copenhagen, os átomos da substância radioativa permanecem em um estado de superposição até que alguém os observe. Se o átomo está em dois estados — emitir e não emitir radiação —, então o sistema foi e não foi acionando, deixando o gato vivo e morto ao mesmo tempo. O negócio é absurdo, porque gatos só podem estar vivos ou mortos, né?
Exatamente! Essa foi a maneira que Schrödinger utilizou para mostrar que ele não acreditava na interpretação de Copenhagen. "Isso previne-nos de tão ingenuamente aceitarmos como válido um 'modelo impreciso' para representar a realidade", escreveu ele.
O gato está vivo E morto! (Imagem: Wikimedia Commons)
Então, isso quer dizer que, depois dessa surra argumentativa, o mundo inteiro se curvou à genialidade de Erwin Schrödinger e jogou fora a interpretação de Copenhagen? Não é bem assim. Como dito, Mecânica (ou Física) Quântica é um assunto que confunde até quem é da área, então imagine uma pessoa de Humanas, como este redator aqui...
Schrödinger queria demonstrar que a interpretação de Copenhagen era absurda, mas ela ainda é uma teoria muito aceita para explicar fenômenos subatômicos. Mesmo assim, a história do gato demonstrou algumas incoerências da teoria (que rendem debate até hoje) e levantou a hipótese de existir algum limite entre o "mundo quântico" e o "mundo real".
Os cientistas ainda não sabem qual é esse limite nem o que impede que a superposição dos estados não seja observada em objetos maiores (como um gato). O dia que descobrirem isso, objetos e até seres humanos poderiam entrar em um estado quântico de estar em dois lugares ao mesmo tempo ou vivos e mortos em simultâneo. A ciência já chegou ao ponto de fazer isso com alguns milhares de átomos, mas não com objetos maiores formados por vários tipos de átomo (como um gato).
Além disso, foi a partir de seus escritos sobre o gato "vivo-morto" e debates que se seguiram, que Schrödinger ajudou a criar o conceito de entrelaçamento quântico. Em resumo, partículas que necessariamente têm uma contraparte que está no estado oposto: se uma está viva, a outra está morta, e as duas estão sempre ligadas, por exemplo. Essas ideias são muito importantes para a área de Computação Quântica. Já a questão da observação, proposta no problema do Gato de Schrödinger, ajudou a desenvolver tecnologias de fibra óptica.
O debate, na Ciência, continua; e o gato está mais vivo do que nunca!
Esse gatinho está morto — de sono (Imagem: Pexels)
Para terminar, é interessante observar que o Gato de Schrödinger, diferente de outras ideias da Física Quântica, acabou entrando na cultura popular. Desde os anos 1930, surgiram obras de ficção científica com esse gato como personagem, além de referências em várias outras (Dirk Gently's Holistic Detective Agency, de Douglas Adams, por exemplo).
O problema — ou suas versões anedóticas resumidas — serviram aos roteiros de muitas séries, de The Big Bang Theory, passando por Futurama, Phineas & Ferb, Rick & Morty, até o sucesso recente Dark, da Netflix. Também há vários exemplos em jogos, como Portal e Ghost Trick.
As teorias da Mecânica Quântica também inspiraram um monte de coaches que falam de "pensamento positivo" e metem umas menções à "física" no meio do texto para tentar colocar um pouco de ciência no seu "blá-blá-blá", mas esses a gente desconsidera.
E se esse texto sobre o Gato de Schrödinger está bom ou não também é algo que depende do observador. Espero que, na observação dos leitores, esteja tudo certo e, então, a minha carreira no Mega Curioso continue viva!