Estilo de vida
30/12/2021 às 13:00•2 min de leitura
Se René Descartes (1596-1650) ficou famoso pela frase "Penso; logo, existo", que define nosso senso de autoconhecimento, a filosofia africana ubuntu oferece uma visão mais coletiva a respeito da vivência humana: "Eu sou porque você é". E o que isso quer dizer e como podemos usar esse conceito na vida?
A verdade é que mesmo após 2 décadas do fim do apartheid na África do Sul o ubuntu ainda é bastante cultuado na região. Esse é um termo compacto das línguas Nguni do Zulu e Xhosa que carrega uma definição bastante ampla sobre "as virtudes humanas essenciais da compaixão e da humanidade".
Estátua de Nelson Mandela, na Inglaterra. (Fonte: Wikimedia Commons)
Na visão do ubuntu, nosso senso de identidade é moldado por nossas relações com outras pessoas. Para os estudiosos do tema, essa seria uma forma de balancear o individualismo desenfreado que tem sido difundido nas últimas décadas.
Na prática, ubuntu quer dizer que os laços em comum que temos com determinado grupo são mais importantes para nós do que qualquer argumento individual ou motivação por trás disso. O que não quer dizer que as pessoas não possam debater ou argumentar, e sim que o senso de comunidade não deixa que isso crie tensão entre os membros.
Essa é uma filosofia sobre se juntar para construir um consenso que beneficie a todos. Logo, o debate é essencial para que um grupo entenda quais são as maiores necessidades entre si, mas também é preciso que todos comprem a ideia para crescerem como indivíduos junto aos outros.
Bandeira da África do Sul. (Fonte: Shutterstock)
Ubuntu está longe de ser uma filosofia nova, podendo ter origem em 1846, apesar de somente no século XX o termo ter sido de fato reconhecido como um conceito mais amplo. Antes de 1950, a palavra "ubuntu" era vista somente como uma qualidade humana, quando passou a ser definida por autores como uma filosofia e prática do humanismo.
O termo ganhou proeminência principalmente em países como a África do Sul e o Zimbábue, que sofreram uma repressão histórica muito grande e estavam passando pela transição de deixar de ser comandados por uma minoria branca para serem representados pela maioria negra. Antes desses períodos de mudança política, a busca pela dignidade africana se refletia no pensamento de muitos líderes africanos pós-coloniais influentes, o que estaria mais ligado à retomada da consciência do povo depois que os colonizadores partiram.
Desmond Tutu. (Fonte: Wikimedia Commons)
Nelson Mandela (1918-2013), ex-presidente da África do Sul e símbolo histórico de luta racial, uma vez disse: "Um viajante para em uma aldeia e não precisa pedir comida ou água. Assim que ele para, as pessoas dão-lhe comida, entretêm-no. Esse é um aspecto do ubuntu, mas não o único".
Esse é um exemplo de como o ubuntu pode surgir em sociedade e como Mandela era um transmissor dessa filosofia. Com décadas de luta contra o apartheid, o líder sul-africano se tornou uma "entidade humanitária" reconhecida no mundo todo.
Porém, o maior responsável por difundir esse conceito foi o arcebispo anglicano Desmond Tutu (1931-2021), que lutou contra a divisão racial da África do Sul e presidiu a Comissão de Verdade e Reconciliação do país, sob o princípio da justiça restaurativa. Tutu se baseou nos princípios do ubuntu para guiar a abordagem reconciliatória do país após o apartheid, dando início a uma nova era.