Artes/cultura
04/07/2022 às 08:00•3 min de leitura
Para Thomas Homer-Dixon, diretor executivo do Cascade Institute, da Royal Roads University, em seu livro Commanding Hope: The Power We Have to Renew a World in Peril, o governo dos Estados Unidos deve entrar em colapso até 2025, gerando extrema instabilidade política nacional, e violência civil e generalizada. Ele até comenta que em 2030, pode ser que o país seja governado por uma ditadura de direita, mostrando que o ruir da democracia americana é um cenário quase inevitável.
Em 2021, a campanha eleitoral de Joe Biden e Kamala Harris, que eliminou o governo de Donald Trump e Mike Pence após 5 anos no poder, foi considerado um dos mais turbulentos e controversos da história americana, com direito a recontagem de votos e atos fascistas, como a invasão do Capitólio por trumpistas, — ficando atrás apenas do que aconteceu durante as eleições de 1876.
Naquele ano, pela segunda vez em pouco mais de uma década, os EUA se viram à beira do abismo do colapso governamental e de uma guerra civil.
Samuel J. Tilden. (Fonte: National Park Service/Reprodução)
A disputa pela presidência foi entre o democrata nova-iorquino Samuel J. Tilden, e o republicano ohioano Rutherford B. Hayes, em um cenário caótico. Isso porque os democratas estavam na dianteira para ganhar as eleições pela primeira vez em anos, e sabiam disso, visto que os republicanos sofriam com o rescaldo causado pelo período de Reconstrução pós-Guerra Civil que devastou a economia do país.
O problema era claro: os democratas queriam recuperar o poderio, enquanto os republicanos estavam obstinados em mantê-lo. Para isso, os partidos lançaram campanhas vis e perturbadoras uns contra os outros, se acusando de alcoolismo, assassinato e até insanidade para manipular e confundir os eleitores. Cada máquina de imprensa criou sua versão de um futuro apocalíptico para os EUA, histórias e acusações forjadas de todos os tipos na urgência de obter algum apoio.
E como era de se esperar, isso funcionou, inclusive muito pelo ponto febril e desgastado em que o país se encontrava após todo o caos gerado pela guerra. O povo nunca havia visto um país tão em frangalhos e diferente do que a Declaração da Independência propusera.
Rutherford B. Hayes. (Fonte: Wikipedia/Reprodução)
Enquanto a guerra eleitoral acontecia, os pauzinhos eram mexidos na criação de métodos para fraudar o sistema de resultados da eleição, que muito se relacionou com a conduta racial de cada partido em face à abolição não generalizada da escravatura no país, em 1865 — visto que o estado do Mississípi demorou 147 anos para fazê-lo.
Na Flórida, por exemplo, os comerciantes brancos priorizavam os democratas ao conceder crédito ou aprovar pedidos de aluguel. Além disso, a companhia férrea do estado manteve uma lista de verificação de quem havia votado para poder manter um controle em quem podiam "confiar", demitindo aqueles que não haviam exercido o direito.
Em alguns condados, partidos opostos chegaram a remover os pontos de votação para dificultar o processo eleitoral de seu inimigo, fazendo os eleitores viajarem longas distâncias para poder votar, pensando na possibilidade de não fazerem isso devido às circunstâncias. Grupos paramilitares também foram fortemente usados pelos oponentes para autoproteção e também hostilização.
(Fonte: Walnut Hills Stories/Reprodução)
A lona só foi finalmente lançada sobre o picadeiro, montando o circo que todo o processo eleitoral foi, em 7 de novembro de 1876, quando as pessoas foram às urnas. A vitória de ambos os partidos veio tão rápido quanto as acusações de fraude.
Democratas do condado de Hamilton roubaram e esconderam a urna dos republicanos até 13 de novembro, quando o conselho eleitoral se reuniria. Diante desse golpe, os republicanos de Jacksonville também roubaram uma urna para "corrigir" os votos com cédulas falsas.
Contudo, em nenhum estado a situação foi tão bizarra quanto em Louisiana e na Carolina do Sul, onde dois governadores foram eleitos. Quando os republicanos impediram o acesso dos democratas à casa do Estado, os democratas criaram a própria legislatura — que alegaram ser legítimas — e certificaram os próprios resultados.
(Fonte: National Geographic/Reprodução)
A única saída para essa situação era o Congresso solucionar o problema dos votos, para então determinar quem era o verdadeiro vencedor. Caso contrário, Tilden e Hayes chegariam em Washington para serem empossados como presidentes — o que era impossível. Para piorar, o próprio Congresso se encontrava em estado de calamidade, se sentindo pressionado com a iminência de uma segunda guerra civil.
E essa atmosfera apenas cresceu com a quantidade de milícias estaduais e equipamentos militares se reunindo pelos estados em disputa. Ambos ensaiaram muito bem os desfiles militares, antevendo um conflito, caso o Congresso falhasse na deliberação. As pessoas se reuniram nas sedes estaduais, sedes de partido e escritórios para aguardar a solução, inflamados por um sentimento de profunda hostilidade e dúvida.
O clima se manteve até às 4h10 de 2 de março de 1877, dois dias antes de o país entrar em interregno (ausência de governo) e três dias antes da posse presidencial, após os democratas contestarem cada questão da comissão eleitoral ao longo de todo esse tempo, mas cedendo de maneira misteriosa durante uma reunião secreta no Wormley Hotel, em Washington, entre emissários de ambos os partidos.
Sendo assim, a vitória foi concedida a Hayes e certificada pelo Congresso naquele ano, e nada mais foi dito a respeito.