Ciência
05/10/2022 às 08:00•2 min de leitura
Muitas civilizações ao longo da história têm suas datas comemorativas relacionadas ao mundo dos mortos. Hoje é bem comum no Ocidente a celebração cristã do Dia dos Mortos, em 2 de novembro, que tem bastante relação com outras festas de origem pagã que deram origem, por exemplo, ao Halloween, em 31 de outubro.
Os antigos romanos também celebravam algumas datas relacionadas a quem já morreu, como a Parentalia (ou Dies Parentales), quando honravam os antepassados por 9 dias a partir de 13 de fevereiro; ou a Lemuralia, ou Lemuria, quando realizavam ritos para exorcizar espíritos ruins de suas casas nos dias 9, 11 e 13 de maio, entre outras.
Porém, uma das que parecem mais interessantes dessas festividades romanas ligadas ao submundo é a chamada Mundus Patet, que pode ser traduzido mais ou menos como "mundo aberto". E digo "mais ou menos" porque mundus em latim tem um conceito um pouco mais complexo do que apenas "mundo" — para os antigos romanos, tratava-se não apenas do plano onde vivemos fisicamente, mas também da abóboda celeste, ou seja, o próprio céu, e seu reflexo abaixo de nós, que podemos chamar de submundo, onde os espíritos dos mortos residem.
Quando os mortos saem do submundo. (Fonte: Heredia / Reprodução)
Celebrado nos dias 24 de agosto, 5 de outubro e 8 de novembro, o Mundus Patet era uma celebração em que a porta para o submundo era aberta — e não digo no sentido figurado. No centro da cidade de Roma havia uma abertura para um fosso que passava o ano coberta por uma pedra chamada lapis manalis (onde lapis significa "pedra" e manalis tem ligação com o verbo manare, "fluir"). Essa pedra era removida nessas datas e os espíritos dos mortos saíam para passear entre os vivos.
Esse fosso que era aberto nas datas de Mundus Patet era a conexão do plano físico com o Mundus Cerialis, ou Caereris Mundus, o submundo hemisférico onde se encontrava Ceres, uma deusa romana da agricultura (é do nome dela que vem a palavra "cereal") que também tinha o papel de controlar a barreira entre os mundos dos vivos e dos mortos. Durante os dias de Mundus Patet, os cidadãos romanos atiravam nesse fosso oferendas compostas pelos primeiros frutos das colheitas do ano, algo que remete às práticas célticas europeias que deram origem ao Halloween.
O Mundus Cerialis romano, segundo as lendas, teria sido construído pelo próprio Rômulo, fundador mitológico da cidade de Roma em 753 a.C. De acordo com historiadores, esse costume teria origem na civilização etrusca, que já habitava a península itálica quando o reino de Roma foi instalado. Outras teorias indicam influências gregas neste ritual.
A deusa Ceres bebe da água dada a ela por Hécuba no submundo. (Fonte: Wikimedia Commons / Adam Elsheimer - c. 1605 / Reprodução)
De modo geral, as datas em que se comemorava o Mundus Patet sugerem ritos a Ceres como a divindade guardiã dos grãos no estabelecimento das antigas cidades romanas, e também como responsável pela vida após a morte no submundo, que era cogovernado durante os meses de inverno por sua filha Proserpina, rainha-consorte de Dis Pater, ou Rex Infernus, deus romano relacionado a esse plano e que foi posteriormente sincretizado com Plutão (Hades) e Orcus.
Quando esse submundo era aberto, as pessoas se sentiam mais próximas das pessoas mortas, portanto esses dias também eram feriados importantes durante os quais todos os comércios eram fechados, nenhuma batalha era travada, nenhum casamento era celebrado e os templos ficavam vazios.