Livro de Kells: os evangelhos iluminados que repousam na Irlanda

19/12/2023 às 10:002 min de leitura

Nas profundezas da magnífica biblioteca do Trinity College, em Dublin, encontra-se um tesouro que transcende os séculos: o Livro de Kells, um manuscrito iluminado (tipo de texto decorado e ornamentado) do século IX que se destaca como uma obra-prima da arte devocional e da caligrafia medieval. 

O livro, meticulosamente ilustrado em cores vivas, é uma cópia pintada à mão de quatro Evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João. Produzido por monges celtas da ordem de São Columba, o manuscrito foi criado em Iona, na Escócia, mas também pode ter sido concluído na Abadia de Kells, na Irlanda. 

Seu nascimento tumultuado no século IX envolveu ataques vikings, guerras, roubos e até mesmo um período em que foi enterrado em uma vala para sobreviver. Hoje, está protegido em uma vitrine e tem apenas duas páginas exibidas por vez (ou seja, você não pode ficar folheando o livro).

A arte por trás da devoção

O Chi-Rho, famoso monograma que representa Jesus Cristo, está presente no Livro de Kells em cores vivas e com muitos detalhes. (Fonte: GettyImages/Reprodução)O Chi-Rho, famoso monograma que representa Jesus Cristo, está presente no Livro de Kells em cores vivas e com muitos detalhes. (Fonte: GettyImages/Reprodução)

Cada página do Livro de Kells é uma obra de arte em si mesma, medindo 33 por 25 centímetros. Elaboradas em pele de bezerro esticada, algumas páginas são tão finas que se tornam quase translúcidas. Os monges que o criaram utilizaram cerca de 10 pigmentos diferentes, todos eles de cores incrivelmente brilhantes.

A complexidade das ilustrações é impressionante, apresentando representações detalhadas de humanos, animais e padrões intrincados. A página Chi-Rho, uma ornamentada representação do monograma de Jesus Cristo, é destacada como "a página mais famosa da arte medieval" pela Trinity College.

A jornada do Livro de Kells é marcada por desafios. Após um ataque viking em 806, os monges de São Columba deixaram Iona, levando consigo o livro. Roubado em 1006, parecia que o precioso manuscrito estava perdido para sempre, mas, milagrosamente, foi encontrado semienterrado em uma vala. No século XVII, em meio a guerras na Irlanda, o livro foi enviado para Dublin para proteção e acabou no Trinity College.

Uma obra acessível 

O Livro de Kells está em exposição no Trinitty College, mas pode ser acessado também on-line. (Fonte: GettyImages/Reprodução)O Livro de Kells está em exposição no Trinitty College, mas pode ser acessado também on-line. (Fonte: GettyImages/Reprodução)

Os estudiosos acreditam que o Livro de Kells foi destinado a uso cerimonial, adornado com uma opulenta capa dourada e joias. Seu propósito durante a missa era mais visual do que textual, refletido na falta de correções nos textos e na ausência de títulos de capítulos. 

Os monges que o manuseavam provavelmente já tinham as passagens memorizadas, usando as ilustrações brilhantes para transmitir a mensagem aos que não sabiam ler. Obviamente, o livro só era usado em cerimônias especiais como a Páscoa. 

Hoje, o Livro de Kells é cuidadosamente preservado na biblioteca da Trinity College (universidade fundada em 1592), sendo digitalizado para que todos, em qualquer parte do mundo, possam explorar suas páginas. Assim, somos transportados para uma época onde cada traço de tinta conta a história de uma fé que resistiu ao teste do tempo.

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