Ciência
29/05/2024 às 14:00•3 min de leituraAtualizado em 31/05/2024 às 17:16
Quando pensamos em um santo católico, as imagens costumam remeter à antiguidade ou à Idade Média. No máximo a um padre ou freira, geralmente idosos, com sua batina ou hábito.
De fato, a Igreja Católica reconhece cerca de 10 mil santos. 912 deles foram canonizados pelo atual papa Francisco e o mais "jovem" deles nasceu em 1926. Contudo, ao que tudo indica, os fiéis católicos logo terão um santo millennial, cujo corpo está exposto com agasalho esportivo, para pedir intercessão.
É o beato Carlo Acutis, cujo segundo milagre foi reconhecido pelo Vaticano em 2024. Assim, o caminho está aberto para a canonização do garoto, nascido em 1991 e morto em 2006.
Carlo Acutis nasceu em Londres, em 1991, filho único de uma rica família italiana moradora em Milão. Antonia Salzano, a mãe do futuro santo, conta que ele ajudava os amigos, fazia caridade a pessoas em situação de rua e pedia para visitar igrejas desde muito pequeno. E Antonia não era católica até então, mas se converteu por influência do filho.
A fé de Carlo também influenciou na conversão de um empregado indiano e de sua família. Ao crescer, ele logo buscou formas de ajudar a Igreja Católica em Milão. A principal ideia de Carlo para isso não poderia ser mais moderna: criar sites para organizações cristãs e para catalogar informações de milagres. Isso rendeu ao garoto o apelido de "padroeiro da internet".
Em outubro de 2006, com apenas 15 anos, Carlo ficou doente. O que parecia apenas uma inflamação na garganta se revelou ser uma leucemia grave, que levou à morte do jovem naquele mesmo mês. Esse foi o início de seu caminho para a canonização.
Pouco antes de sua morte, Carlo já parecia conformado e ofereceu seu sofrimento à Igreja — deixando diversas mensagens que inspiraram outros fiéis. Em Milão, ele recebeu homenagens e missas, ganhando uma fama que só cresceu nos anos seguintes.
Antonia Salzano e Andrea Acutis, que só tinham Carlo como filho e nunca mais conseguiram conceber, ganharam gêmeos em 2010, exatamente quatro anos após a morte do primogênito. Um milagre que à mãe atribui à intercessão do filho morto.
No catolicismo, é comum pedir a intercessão de pessoas mortas — para que elas "conversem com Deus" e peçam milagres por você. Quando uma pessoa começa a ter milagres atribuídos a sua intercessão, ela pode ser considerada santa pela Santa Sé.
Para Carlo Acutis, essa trajetória começou quando a Arquidiocese de Milão deu entrada nos pedidos de canonização em 2012. Esse processo tramita num órgão chamado Dicastério para as Causas dos Santos, que faz parte da Santa Sé, no Vaticano.
O primeiro passo é investigar toda a vida do candidato a santo, para comprovar que ele tinha "virtudes heroicas". Mais do que ajudar o próximo ou ser um estereótipo de boa pessoa, isso demanda uma vida (ou morte) realmente dignas de reconhecimento pela Igreja. Para Carlo, o reconhecimento chegou em 2018, quando ele foi declarado "venerável" pelo papa Francisco.
Para se tornar beato e, depois, santo — os próximos "níveis" na hierarquia do catolicismo — foi necessário reconhecer milagres atribuídos à intercessão de Carlo Acutis.
O primeiro milagre aconteceu no Brasil: uma criança sofria com uma rara doença pancreática, até que um padre pediu pela intercessão de Carlo e a criança teve contato com uma camiseta com sua foto. Após uma missa, ele disse que não se sentia mais enjoado e queria uma comida sólida, sendo que ele precisava manter uma dieta líquida até aquele momento. Com isso, Carlo foi beatificado, em 2020.
O segundo milagre — que possibilita a canonização — precisa acontecer após a beatificação. Isso aconteceu em 2022, quando uma jovem costarriquenha sofreu um acidente de bicicleta em Florença, ficando entre a vida e a morte. Sua mãe rezou junto ao corpo de Carlo Acutis e pediu pela recuperação da filha, que começou a acontecer no mesmo dia.
Nos primeiros séculos do catolicismo, não havia um processo formal para reconhecer alguém como santo. Talvez seja por isso que nós tenhamos santos com histórias tão curiosas — como aquele que supostamente morreu duas vezes e aquela que tinha oito irmãs gêmeas.
Ainda na Idade Média, o poder de reconhecer um santo passou para o papa. Em 1588, a Igreja criou um órgão com um processo formal para isso: a Sagrada Congregação dos Ritos, que é o atual Dicastério para as Causas dos Santos.
Nesse órgão, existia uma pessoa conhecida como "advogada do diabo", que deveria investigar a vida dos santos e seus supostos milagres com ceticismo. Esse papel só foi abolido em 1983, embora a Santa Sé ainda realize esse tipo de investigações. Nesse ano, também mudaram as regras de tempo para começar um processo de canonização: antes era necessário esperar 50 anos, agora são só cinco. Em alguns casos emblemáticos, como os da Madre Teresa e do Papa João Paulo II, foi permitido começar até antes disso.
Para reconhecer os milagres concedidos pela intercessão dos santos, o Vaticano conta com médicos e especialistas — já que, de maneira geral, são casos de curas inexplicáveis. Quando os especialistas afirmam que não há explicação para a cura, a Igreja entende que ela pode ser atribuída à intercessão do santo.
É o caso dos dois milagres de Carlo Acutis, o primeiro santo millennial e padroeiro da internet.