Ciência
03/01/2017 às 07:53•3 min de leitura
Se você tivesse que dar o seu palpite sobre qual é a universidade em atividade mais antiga do mundo, você provavelmente pensaria em alguma instituição europeia — como a Universidade de Bologna, na Itália, fundada em 1088, a de Salamanca, na Espanha, estabelecida em 1134, ou a de Oxford, na Inglaterra, criada entre 1096 e 1167 —, certo? Pois, talvez você fique surpreso em descobrir que a universidade mais antiga do mundo na verdade fica no Marrocos.
Chamada Universidade de Al Quaraouiyine, ela se encontra na cidade histórica de Fez e foi estabelecida no ano de 859. A universidade é reconhecida tanto pela UNESCO quanto pelo Guinness Book, o Livro dos Recordes, como a instituição de ensino ainda em atividade mais antiga do mundo e a primeira a conceder diplomas universitários.
Originalmente, a Universidade de Al Quaraouiyine foi fundada como mesquita e madraça — isto é, uma espécie de escola para estudos dedicados ao islamismo — e foi um dos principais centros educacionais e espirituais do mundo muçulmano. Outro aspecto interessante sobre a instituição é que, embora ela unicamente admita estudantes islâmicos e do sexo masculino, foi fundada por uma mulher, uma jovem tunisiana chamada Fatima al-Fihri.
Um dos pátios da universidade
Filha de um importante mercador chamado Mohammed al-Fihri, Fatima pertencia a uma das muitas famílias xiitas que emigraram da Tunísia para Fez no século IX. Mais precisamente, a família de Fatima era de Kairouan — daí o nome da mesquita — e, uma vez no Marrocos, os al-Fihri se uniram à comunidade xiita que já se encontrava instalada na próspera cidade de Fez.
A jovem recebeu um alto nível de educação e era profundamente devota ao islamismo. E, quando Mohammed faleceu, a moça acabou herdando uma enorme fortuna. Mas, em vez de sair esbanjando a herança pelo mundo, Fatima decidiu usar todo o dinheiro para construir uma mesquita e um centro educacional onde a comunidade xiita pudesse aprender e se devotar a Alá. No entanto, com o passar do tempo, o local passou a ampliar suas atividades.
Fundada no século 9, a instituição continua em atividade até hoje
Além do ensino religioso e da memorização do Alcorão, Al Quaraouiyine passou a oferecer aulas de linguística e caligrafia árabe, legislação islâmica, política, matemática, química, medicina, astronomia, ciências naturais, música e sufismo e se tornou um prestigioso centro educacional e de pesquisa científica. Ademais, vale destacar que a mesquita, após diversas expansões ao longo da História, se tornou a maior da África, com capacidade para 22 mil fiéis.
Outra curiosidade interessante sobre a universidade é que seu complexo também abriga a biblioteca em atividade mais antiga do mundo. O local foi fundado na mesma época de Al Quaraouiyine e conta com um acervo de mais de 4 mil manuscritos — alguns deles incrivelmente raros, como é o caso de um Alcorão do século 9, assim como possivelmente a coleção de hádices (ensinamentos de Maomé) mais antiga de que se tem notícia.
Detalhes da estrutura de Al Quaraouiyine
Embora a Universidade de Al Quaraouiyine tenha sido fundada com o propósito de servir como centro de estudos religiosos, não demorou até que ela se tornasse uma renomada instituição de ensino, contando com alguns dos melhores professores da época em seu corpo docente. Como resultado, a universidade também passou a atrair estudantes de várias partes do mundo — dando origem a um concorrido sistema de admissão que ainda se encontra em vigor.
Para você ter uma ideia, qualquer estudante que deseje estudar em Al Quaraouiyine deve, antes de sequer ser considerado para admissão, memorizar o Alcorão inteirinho, além de outros textos islâmicos. Em sua época áurea, a universidade atraiu uma enorme quantidade de alunos, boa parte dela filhos de importantes mercadores e sultões — que investiram pesado na instituição e fizeram importantes doações na forma de livros, presentes e tesouros.
Detalhe do interior de Al Quaraouiyine
Aliás, enquanto a Europa entrava na Idade das Trevas, a cultura islâmica florescia, e foi graças aos estudiosos muçulmanos que inúmeras obras gregas e romanas foram traduzidas e preservadas. E mais: a proximidade do Marrocos com o sul da Espanha permitiu que a os europeus acabassem absorvendo boa parte do conhecimento desenvolvido pelos islâmicos.
Por volta do século 20, quando as elites no norte da África começaram a enviar seus filhos a universidades que seguiam métodos educacionais ocidentais ou a instituições internacionais, a quantidade de alunos de Al Quaraouiyine caiu drasticamente. Ela ainda se mantém supertradicional e recebe estudantes de várias partes do Marrocos, de países do Oeste da África e de algumas regiões da Ásia.