Estilo de vida
15/09/2016 às 12:46•4 min de leitura
Na noite de 21 de dezembro de 1988, o voo Pan Am 103 saiu de Londres com destino a Nova York levando 243 passageiros e 16 tripulantes a bordo. Entretanto, cerca de 40 minutos após a decolagem, a aeronave explodiu no ar e seus destroços caíram sobre a cidade de Lockerbie, na Escócia, matando as 259 pessoas que estavam no avião e outras 11 em terra. Entre as vítimas, havia indivíduos de 21 nacionalidades, e a maior parte, 189, era de cidadãos norte-americanos.
Lockerbie após o acidente
Como normalmente acontece nesses casos, equipes de resgate foram acionadas para ir ao local do acidente imediatamente — e se depararam com um panorama aterrador. Além dos 270 mortos no total, quando a aeronave caiu sobre a cidadezinha escocesa, os destroços atingiram inúmeras casas, deslocaram quase 1,5 mil toneladas de terra e cobriram incontáveis residências com combustível, dando origem a um enorme incêndio.
No início, as investigações sobre a causa do desastre revelaram que, 38 minutos após decolar do aeroporto de Heathrow, na capital inglesa, o Boeing 747-121 da Pan Am desapareceu do radar quando se encontrava a 31 mil pés de altitude — ou a quase 9,5 mil metros do solo. O comandante da aeronave era Jim MacQuarrie, um experiente piloto com 11 mil horas de voo no currículo, 4 mil delas só em 747s.
Algumas das residências atingidas pelos destroços do avião
Segundo testemunhas, a aeronave surgiu na forma de uma imensa bola de fogo e sua fuselagem choveu sobre Lockerbie. Na verdade, os destroços cobriram uma área de 2 mil quilômetros quadrados, e os fragmentos maiores da fuselagem se dividiram em cinco seções principais.
A cabine era um desses fragmentos. Por não ter sofrido muitos danos na queda, os investigadores puderam conferir boa parte dos controles e botões, tais como os pilotos os haviam deixado. Pois a análise preliminar apontou que não havia sinais de que os pilotos tivessem se deparado com qualquer problema grave antes do desastre.
Cabine do Boeing da Pan Am
Foi então que as investigações tomaram um novo curso — e as autoridades começaram a trabalhar com a possibilidade de que uma explosão no interior da aeronave tivesse derrubado o Boeing. A suspeita agora era de que se tratava de um ataque terrorista.
Diversos grupos assumiram a autoria do atentado — entre eles, organizações do Paquistão, Irã e até da Irlanda —, e o FBI e a CIA se uniram às investigações. Mas, na falta de provas, as autoridades não podiam simplesmente emitir um parecer oficial de que se tratava de terrorismo. Acontece que, para encontrar as evidências necessárias, os peritos teriam que vasculhar entre os destroços do Boeing. E foi isso o que eles fizeram!
Alguns dos destroços coletados e catalogados pelos investigadores
No total, 4 milhões de fragmentos foram recolhidos e catalogados, e a fuselagem foi reconstruída como um quebra-cabeça pelos investigadores — revelando um pequeno orifício de apenas 510 milímetros consistente com uma explosão no compartimento de carga anterior. Exames posteriores revelaram que a área próxima a esse furo estava escurecida e apresentava danos severos, indicando a ocorrência de um evento com alta liberação de energia.
Evidências que revelaram a existência de explosivos no voo
Depois, uma série de testes com explosões apontaram a localização exata da bomba e a quantidade de explosivos utilizados. Os peritos também encontraram um temporizador e componentes de um toca-fitas semelhante a um utilizado dois meses antes do desastre pelo Comando Geral da Frente Popular para a Libertação da Palestina em outra tentativa de atentado, assim como pedaços da mala que supostamente transportava a bomba no avião.
Quebra-cabeça
Análises nos pedaços da mala apontaram que ela havia sido fabricada no Oriente Médio, e as roupas em seu interior haviam sido produzidas em Malta. Com essas pistas para seguir, os investigadores conseguiram identificar a loja na qual as vestimentas haviam sido compradas e foram a Malta. Uma vez lá, eles ouviram de um dos funcionários do local que as peças haviam sido compradas por dois homens com sotaque líbio.
Como você deve saber, o relacionamento entre a Líbia e os EUA há tempos não é muito amistoso e, antes do desastre do avião da Pan Am, o país africano estava enfrentando uma série de sanções impostas pelos norte-americanos. Assim, apesar de nenhum rebelde líbio ter sido relacionado com o atentado até então, era inegável que a tensão entre os dois países era relativamente alta. No entanto, se passaram três anos até que os suspeitos fossem identificados.
Réplica da mala usada no atentado
No total, as autoridades interrogaram mais de 15 mil pessoas em 30 países diferentes e, finalmente, as pistas levaram a dois suspeitos, Abdelbeset Ali Mohmed al-Megrahi e Lamin Khalifah Fhimah. Os peritos concluíram que a bomba foi fabricada a partir de um explosivo plástico chamado Semtex, e o dispositivo foi escondido no interior de um toca-fitas da marca Toshiba que, por sua vez, se encontrava no interior da mala (da Samsonite).
A bagagem foi originalmente embarcada em um voo da companhia Air Malta que decolou com destino a Frankfurt, na Alemanha. Depois, a mala (desacompanhada) teria, então, sido transferida para o avião da Pan Am — que fez uma escala em Londres antes de seguir para Nova York. Abdelbeset Ali Mohmed al-Megrahi era um agente secreto do governo Líbio, e Lamin Khalifah Fhimah, um gerente da companhia aérea Libyan Airlines.
Fhimah e al-Megrahi foram acusados pelo atentado, mas o processo envolvendo os supostos terroristas foi uma novela à parte. A Líbia se recusou a entregar a dupla para ela fosse julgada nos EUA, e foi só em 1999, oito anos depois de os dois serem acusados, que o impasse foi resolvido.
Abdelbeset Ali Mohmed al-Megrahi quando foi entregue pelas autoridades líbias
O governo líbio fez um acordo com as Nações Unidas — com o objetivo de suavizar algumas das sanções impostas no passado —, e Fhimah e al-Megrahi foram entregues para julgamento em território neutro, na Holanda, por autoridades escocesas (e não norte-americanas!). Em 2001, Fhimah foi considerado inocente, e al-Megrahi, culpado e sentenciado à prisão perpétua.
Ademais, a Líbia teve que admitir oficialmente ter culpa pelo atentado e pagar cerca de US$ 8 milhões (perto de R$ 27 milhões) para as famílias de cada uma das vítimas. Contudo, em 2004, o Primeiro-Ministro líbio disse que seu país jamais aceitou a responsabilidade pelo desastre e que o pagamento das compensações foi uma espécie de “preço pela paz”, ou seja, que o acordo só foi aceito para que as sanções fossem suspensas.
Memorial às vítimas
A Pan Am faliu em 1991 e, em 2006, recebeu apenas US$ 30 milhões do governo líbio depois de um acordo. Abdelbeset Ali Mohmed al-Megrahi foi posto em liberdade em 2009 por razões humanitárias e faleceu em decorrência de um câncer em 2012. Ele lutou até o final de sua vida dizendo que era inocente.