Artes/cultura
22/01/2017 às 11:00•2 min de leitura
Segundo a tradição da religião zoroastriana, o corpo de uma pessoa se torna impuro quando ela morre, pois, além de seus restos apodrecerem, rapidamente se tornam o receptáculo de espíritos malignos. Por isso, enterrar, cremar ou jogar ao mar os restos mortais de um zoroastriano é impensável, pois isso contaminaria os elementos como a terra, o ar ou a água.
Para que os cadáveres sejam purificados, eles devem passar por um rito religioso que já existe há 3 mil anos, chamado dokhmenashini. O ritual consiste na prática de expor o corpo no interior de uma Torre do Silêncio, também conhecida como dakhma, às condições do tempo e aos urubus, para que esses devorem a carne da pessoa falecida até só sobrarem os ossos.
Uma Torre do Silêncio é uma estrutura circular sem teto que possui apenas uma porta de entrada trancada com cadeado, com uma parede externa de mais ou menos 5 metros de altura e cerca de 90 metros de circunferência. Lá dentro há três círculos concêntricos onde os corpos são colocados: o mais próximo do exterior da estrutura é destinado aos homens, o central, às mulheres, e no círculo interior ficam as crianças.
Na área central da Torre há um poço, onde os ossos são postos para secar ao sol até se desintegrarem e desprenderem qualquer resto mortal que as aves tenham deixado. Essa matéria putrefata então escorre por quatro canais até poços menores localizados em volta do dakhma. No fundo dessas estruturas anexas há várias camadas de areia e carvão, que filtram qualquer impureza que pudesse contaminar o solo. O que resta dos ossos no fundo do poço é armazenado em ossuários no entorno da Torre.
Um bando com mais ou menos uma centena de urubus famintos consegue consumir toda a carne de um ser humano em cerca de meia hora. Além de eliminar os “restos impuros” de alguém de forma rápida e ecológica, a prática ainda tem outro objetivo: na crença do zoroastrismo, os olhos dos abutres são místicos e auxiliam as almas dos falecidos em suas transições cósmicas.
Alimentar os pássaros com sua própria carne também é considerado o ato final de caridade de um membro dessa religião, a qual surgiu na região que hoje conhecemos como Irã. Aliás, desde os anos 1970 é considerada ilegal a prática do dokhmenashini nesse país, devido à proximidade das Torres do Silêncio com os centros urbanos que surgiram no decorrer do século XX. O que resta das estruturas lá pode apenas ser visitado, mas as práticas foram completamente banidas.
Existem dakhmas também na Índia, onde essa prática milenar continua viva, mas em franco declínio, uma vez que a população de urubus da cidade está desaparecendo por conta da urbanização acelerada nos grandes centros, como Mumbai, e também por causa da versão animal da substância diclofenaco, que era aplicada nos espécimes bovinos da cidade.
Quando esses bois e vacas morriam e eram consumidos pelas aves de rapina, transmitiam a substância para os pássaros, mas o diclofenaco é tóxico para eles. Por conta disso, a droga foi banida em 2006, mas não antes de dizimar 95% da população de abutres de Mumbai.
Como alternativa para os animais carniceiros, os parsi, como também são chamados os zoroastrianos, têm desenvolvido outras formas de manter seus ritos funerários: a construção de concentradores solares, que ressecam os cadáveres, evitando a putrefação; ou o enterro dos corpos em concreto, para que a contaminação não se espalhe para o solo.