Ciência
30/03/2015 às 03:39•3 min de leitura
O ânus não é uma daquelas áreas sobre as quais as pessoas falam com muita desenvoltura e, geralmente, só vira assunto quando xingamos ou contamos piadas obscenas, por exemplo. Contudo, você já parou para pensar em como seria nossa vida sem ele? Impossível, já que, embora tenha se tornado injustamente infame, o ânus é uma das mais importantes partes do corpo — e não só dos humanos, mas de muitas criaturas do Reino Animal.
De acordo com um interessante artigo de Matt Walker, da BBC, o ânus é uma estrutura essencial que não só afeta o funcionamento do sistema digestivo como influencia a alimentação e o desenvolvimento de um organismo. Afinal, sua presença permite que seus “donos” comam e cresçam de forma mais eficiente e se diferenciem de criaturas mais simples e primitivas. Mas e, evolutivamente falando, como é que esse órgão surgiu?
Segundo Walker, a história sobre a origem do ânus está profundamente interligada com a própria história da evolução das espécies e a forma como os mais diversos animais se diferenciaram uns dos outros ao longo do tempo. Graças aos últimos avanços científicos, agora é possível estudar como os genes afetam o desenvolvimento de uma variedade de seres vivos — incluindo as alterações que levaram à formação dessa parte do corpo.
Conforme explicou Matt, o surgimento do ânus está relacionado com a evolução do sistema digestivo que, como você sabe, é responsável pela digestão de alimentos e absorção dos nutrientes que sustentam o organismo e mantêm seu desenvolvimento. Entretanto, algumas criaturas, como as esponjas (Porifera) e os animais da classe Cestoda — que incluem a tênia —, não possuem sistema digestivo e, portanto, não contam com ânus.
Em muitas espécies marinhas com corpo gelatinoso — como as águas-vivas e as anêmonas-do-mar — e alguns vermes, o sistema digestivo se apresenta na forma de uma espécie de saco com uma pequena abertura que é usada para ingerir alimentos e expelir as fezes, ou seja, atuando como boca e ânus ao mesmo tempo.
Nos invertebrados sésseis — como as hidras, por exemplo —, o sistema digestivo tem formato de “U”, com a boca e o ânus próximos um do outro. Além disso, alguns poucos organismos, como é o caso de um animal microscópico chamado Limnognathia maerski, contam com um orifício que se forma ocasionalmente, e os pesquisadores acreditam que o bichinho defeca através dele.
Outro exemplo interessante é o dos organismos da espécie Thysanozoon nigropapillosum, que, na falta de um ânus ou abertura temporária, possuem múltiplos orifícios nas costas para a liberação de fezes. E ainda existe o grupo dos animais que contam com uma abertura anal unida à abertura reprodutiva — ou seja, a cloaca — e os que contam com ânus semelhantes ao dos humanos.
Segundo Matt, criaturas rudimentares cujo sistema digestivo é semelhante a um saco — como descrevemos acima — têm a desvantagem de ter que esperar até que a digestão termine e as fezes sejam eliminadas antes de poder se alimentar novamente. No entanto, já pensou se os humanos dependessem do mesmo sistema, ou seja, tivessem que esperar cerca de 8 horas até que o café da manhã fosse completamente digerido e eliminado antes de poder almoçar?
Assim, em criaturas dos grandes grupos do Reino Animal, isto é, insetos, peixes, mamíferos, anfíbios e répteis, o sistema digestivo basicamente evoluiu de forma a contar com uma abertura pela qual os alimentos entram e outra pela qual as fezes saem. E esse “layout” permite que a ingestão de alimentos e a digestão de refeições anteriores ocorram ao mesmo tempo — e torna clara a necessidade da presença de um ânus. Afinal, o que entra tem que sair, não é mesmo?
Seja por conta do formato, dimensões do corpo, necessidades orgânicas, nutricionais etc., os animais foram desenvolvendo sistemas digestivos que se adequassem às suas necessidades. Além disso, as feições de qualquer órgão, assim como as células especializadas que o compõem, dependem de uma série de genes que trazem as informações necessárias para que ele seja criado.
Essa “receitinha” genética vai sendo transmitida de uma geração a outra e, como muitos desses genes são os mesmos em muitas espécies de animais, isso significa que muitos deles contam com ancestrais comuns em seu passado — cujos corpos desenvolveram ânus em algum momento de sua história evolutiva.
Segundo uma pesquisa recente, algumas evidências apontam que a evolução do ânus pode estar relacionada com uma abertura que alguns invertebrados usam para acasalar chamada gonopóro. Essa hipótese surgiu após o estudo de um grupo de organismos — da classe Acoela — extremamente primitivos sob o ponto de vista evolutivo. Essas criaturas não têm sistema circulatório, nervoso, respiratório ou digestivo, e seus corpos não possuem cavidades.
Entretanto, esses organismos produzem esperma e liberam esse material pelos gonopóros, e análises moleculares e genéticas sugerem que essas estruturas podem estar relacionadas com o desenvolvimento de outra abertura corporal. O mais interessante é que os cientistas encontraram uma conexão evolutiva entre o surgimento do orifício anal e os gonopóros dos machos, ou seja, o ânus pode ter se desenvolvido a partir de uma estrutura usada para o sexo.
Como você deve ter percebido, apesar das teorias fascinantes, se sabe muito pouco sobre a evolução do ânus e a ciência ainda precisa determinar com exatidão como ele surgiu nos animais. Afinal, o pobre orifício nunca foi levado muito a sério mesmo — sendo relegado a um segundo plano para dar lugar a pesquisas sobre a evolução de estruturas menos infames, como é o caso do sistema nervoso e circulatório, por exemplo.