Artes/cultura
25/10/2017 às 04:00•5 min de leitura
Tá no dicionário: estereótipo é “ideia, conceito ou modelo que se estabelece como padrão”. Padrão, por sua vez, é aquilo considerado “certo” e que pode ser usado como exemplo. Em fábricas de confecções, há padrões de tamanhos, de costura, de cortes de tecidos – podemos dizer, então, que padrões costumam ser objetivos, tangíveis, visíveis.
Agora quando falamos em ideias e conceitos, fica difícil chegar a um padrão, não é mesmo? Ainda assim, se você parar para pensar, desde que nascemos estamos acostumados não apenas a ouvir estereótipos, mas também a aceitá-los como totalmente verdadeiros. Como resultado, vamos construindo preconceitos sem nem perceber.
O que muita gente não sabe é que inúmeros estereótipos comuns hoje em dia, como dizer que homem “de verdade” não chora, são historicamente recentes. O Cracked reuniu uma série dessas ideias enraizadas que, no final das contas, não têm nem mesmo o fundamento “tradicional” que algumas pessoas gostam de usar para justificar o que pensam. Confira:
Hoje, quando uma mulher engravida, as roupinhas do bebê começam a ser compradas depois que ela sabe se terá uma filha ou um filho. Se for menina, tudo cor-de-rosa. Se for menino, tudo azul. E a criança nasce literalmente vestida em mais um estereótipo.
Essa preocupação, ainda que não nos soe nada estranha, é algo totalmente recente. Ao que tudo indica, foi nos anos de 1910 que o padrão de cor para meninos e cor para meninas foi estipulado – e ele era o oposto do que existe hoje.
Um editorial publicado em 1918 deixa isso bem claro: “Tem havido muita divergência de opiniões sobre o assunto, mas a regra geralmente aceita é a de que rosa é para o menino e azul para a menina. O motivo é que o rosa, como uma cor mais decidida e mais forte é ideal para o menino; enquanto que o azul, que é mais delicado e elegante, é mais bonito para a menina”.
As coisas começaram a mudar menos de 10 anos depois dessa publicação, e houve confusão no que diz respeito às cores das roupas que as crianças deveriam usar conforme seu gênero. Na época, a revista Time chegou a fazer um quadro explicando qual cor era considerada para menino e qual era para menina, conforme as principais lojas dos EUA. Então, de acordo com a lista divulgada pela Time em novembro de 1927, das dez lojas, seis estavam vendendo roupinhas rosas para meninos. Foi apenas na década de 1940 que o padrão foi invertido.
Vamos lá: quando é que um personagem masculino chora em um filme? Quando perde o controle ou quando é sensível e romântico. Em outras palavras, estamos acostumados a interpretar o choro de um homem como sinal de fraqueza, vergonha e, inclusive, homossexualidade (pois é).
Nem sempre foi assim, no entanto. Ulisses, que venceu a Guerra de Troia, era conhecido por seus constantes rompantes de choro. Uma vez, teve uma crise de choro apenas por ter ouvido uma música emocionante. Para a antiga cultura grega, “homens deveriam chorar se a honra de sua família estivesse em jogo”. O choro, portanto, não apenas era esperado, como frequentemente visto como um sinal de masculinidade.
Essa relação entre choro e masculinidade foi culturalmente repassada por anos para as mais diversas culturas. Samurais japoneses e heróis medievais choravam sem cerimônia. Tempos depois disso, já no século XIX, as lágrimas masculinas eram vistas como um sinal de honestidade, integridade e força.
A tensão pré-menstrual (TPM) pode ser entendida como os sintomas sentidos pela maioria das mulheres alguns dias antes da menstruação. Esses sintomas, que incluem irritabilidade, inchaço e dores no corpo, são provocados por uma grande variação hormonal pela qual o corpo feminino passa todos os meses, ao perceber que não teve um óvulo fecundado.
Na Grécia Antiga, Hipócrates dizia que o mau humor feminino típico de um determinado período do mês só poderia ser o resultado do útero sendo chutado de seu lugar original em direção ao coração. O remédio? Muito sexo, pois assim o útero poderia voltar a seu lugar de origem.
Foi com o surgimento do cristianismo que a receita de Hipócrates deixou de ser passada. Os cristãos começaram a interpretar a mudança de comportamento entre as mulheres como uma raiva irracional que acometia aquelas que faziam muito sexo. No século XVIII, a TPM era vista como um efeito colateral típico de mulheres que estavam há muito tempo sem engravidar.
Atualmente, com o avanço das pesquisas científicas, sabemos que hormônios exercem, sim, um papel fundamental no humor não apenas das mulheres, mas também no dos homens. A questão entre TPM e estereótipo é que, muitas vezes, dizemos que qualquer sinal de irritação vindo de uma mulher “só pode ser TPM”, quando homens também ficam irritados.
Nesse sentido, o artigo do Cracked usa a TPM como uma tentativa de mostrar que temos grande dificuldade em separar questões biológicas de culturais. Se a explicação de Hipócrates de que o útero é chutado em direção ao coração nos faz rir, talvez um dia a noção de que irritação em uma mulher é SEMPRE sinal de que ela está na TPM provoque riso.
Crescemos ouvindo que, uma vez por mês, antes de ficarem menstruadas, as mulheres ficam descontroladas e malucas. Mas não é bem assim: mau humor nem sempre é TPM, rapazes.
Gays são homens sensíveis, com traços femininos, que gostam de moda, maquiagem, roupas femininas e música pop. Lésbicas, por sua vez, são mulheres que dirigem caminhões, usam camisa xadrez, têm cabelos curtos e detestam maquiagem. Pois é. Em pleno 2017, ainda tem gente que usa essa descrição como regra.
Em resumo: gays são homens que se envolvem afetivamente e sexualmente com outros homens. Lésbicas são mulheres que se envolvem afetivamente e sexualmente com outras mulheres. A grande questão aqui parece ser entender como uma questão de afeto e sexo passou a ser relacionada com características físicas e gostos pessoais, que são dois dos fatores que criam a identidade única de cada indivíduo.
Durante o Renascimento, no entanto, os estereótipos eram diferentes. Sabe quais eram os homens considerados mais másculos naquela época? Os bissexuais. E na década de 1930, as mulheres que “agiam como homens” eram consideradas prostitutas, no sentido mais pejorativo possível da palavra.
A noção de que homens e mulheres homossexuais são pessoas diferentes só começou a ser disseminada por volta de 1860. Antes disso, é claro, o sexo homossexual já era considerado imoral, mas não existia essa ideia de que gays e lésbicas se comportam, se vestem ou falam de modo característico.
Da mesma forma que muita gente ainda acha que determinadas atitudes, características físicas e preferências pessoais podem dizer se uma pessoa é homossexual, ainda tem quem acredite que determinadas atividades são para mulheres e outras, para homens.
Se pensarmos em questões evolutivas, podemos voltar à Idade da Pedra e ver como aquelas pessoas viviam, sem comunicação verbal, usando pedras como ferramentas e sobrevivendo de maneira bruta, instintiva, como fazem os outros animais até hoje.
A partir do momento em que o período Neolítico chegou ao fim, a escrita passou a existir e a comunicação humana se tornou mais eficiente, as sociedades começaram a ser formadas. E, como a mulher era quem tinha filhos e cuidava deles, o homem era quem saía atrás de comida. Não é de hoje, portanto, que o homem é visto como o provedor da casa e a mulher, como aquela que cuida do lar.
O que selou essa divisão de papéis realmente foi a Revolução Industrial. Antes, ainda que o homem fosse o trabalhador e a mulher, a esposa e mãe, o homem tinha uma participação bem mais ativa no ambiente doméstico. Se hoje aplaudimos o cara que sabe trocar fraldas, no século XIX os homens entendiam que essa tarefa era uma parte de sua obrigação.
A Revolução Industrial mudou as coisas nesse sentido porque foi a partir dela que os homens passaram a sair de casa e ficar o dia inteiro fora, trabalhando em fábricas. Desde então, a ideia de que o homem é provedor do lar e a mulher, aquela que fica em casa cuidando dele, se enraizou socialmente.
Na medida em que o trabalho industrial se solidificou e se transformou em um ambiente competitivo e tipicamente masculino, o “lugar do homem” passou a ser a fábrica e o “lugar da mulher”, a cozinha.
Nós sabemos que falar a respeito de gênero, estereótipos e preconceitos é sempre um prelúdio de que comentários ofensivos virão aos montes. Vale lembrar que todos os pontos citados no texto foram levantados por meio de pesquisa, não de opinião pessoal. O convite para o debate está sempre aberto, então você, como sempre, pode deixar sua opinião em nossos comentários.
*Publicado em 01/10/2015