Artes/cultura
25/04/2018 às 02:00•3 min de leitura
Você já deve ter ouvido falar que o imperador romano Caio Júlio César foi o primeiro bebê a nascer de cesariana e, por isso, o procedimento – que consiste em fazer um corte para a retirada da criança de dentro do ventre da mãe – teria recebido o seu nome. Mas será que isso é verdade?
Entre aqueles que defendem essa teoria, existem duas evidências que reforçam a veracidade do fato. Uma delas é um documento do século 10 que seria o registro mais antigo a apontar que Júlio César teria vindo ao mundo a partir de uma cesárea. Conhecida como “Suda”, a enciclopédia greco-bizantina trazia o seguinte trecho:
“Os imperadores dos romanos recebem esse nome de Júlio Cesar, que não nasceu. Porque quando sua mãe morreu no nono mês, eles a abriram com um corte, o tiraram e o batizaram assim, porque na língua romana a dissecção é chamada ‘caesar’”.
Mais recentemente, o Dicionário Oxford – uma das fontes mais renomadas no registro etimológico das palavras da língua inglesa – traz a seguinte definição para a palavra “cesariana”: “o nascimento de uma criança a partir de um corte nas paredes do abdômen quando o parto não pode ser feito de maneira natural, como ocorreu no caso de Júlio César”.
Ilustração do nascimento de Júlio César. Fonte da imagem: Reprodução/US National Library of Medicine
Segundo o site Today I Found Out, as evidências encontradas não correspondem a alguns dados históricos conhecidos. O primeiro deles é que bebês já haviam sido retirados da barriga de suas mães muito antes da chegada de Júlio César. Na verdade, havia uma lei romana que consistia nessa prática. A Lex Caesaria – estabelecida entre 715 e 673 a.C., ou seja, antes do tempo de César – dizia que, se uma gestante viesse a óbito, o bebê deveria ser retirado de seu útero.
Muito provavelmente, a lei era seguida por motivos religiosos, já que a criança era enterrada separadamente do corpo da mãe. Mas, com o passar do tempo, os médicos perceberam que era possível utilizar esse procedimento para salvar a vida da criança, então a cesariana passou a ser realizada nos casos em que se sabia de fato que a mãe morreria após o parto.
Outra inconsistência histórica é que se sabe que a mãe de César não morreu enquanto dava a luz. Alguns historiadores, inclusive, acreditam que ela tenha vivido mais tempo do que o próprio filho. Dessa maneira, não haveria como Aurelia Cotta ter passado por uma cesariana, já que as mulheres que passavam pelo procedimento raramente sobreviviam por causa das infecções, das hemorragias e das condições de saúde precárias.
Durante muitos anos, as cesarianas continuaram registrando altas taxas de mortalidade. O primeiro procedimento de sucesso aconteceu somente no século 16, na Suíça. Isso nos faz acreditar que, se a mãe do imperador realmente fez a cirurgia e sobreviveu, esse fato passou despercebido pelas páginas da história.
Fonte da imagem: Reprodução/Shutterstock
Até aqui já pudemos concluir que a relação entre Júlio César e a cesariana não passa de uma grande coincidência, já que a história traz fortes indícios de que nem mesmo o nascimento do imperador se deu através do procedimento. Mas então, a pergunta que fica é: como o nome do político romano foi parar lá?
A explicação mais plausível foi dada por Caio Plínio Segundo – também conhecido como Plínio, o Velho –, que escreveu que o nome César vem da palavra latina “caedere”, que significa “cortar”. O escritor e historiador romano também registrou que um dos ancestrais de Júlio César havia nascido de cesariana e, por isso, teria recebido o nome que chegaria até o imperador: “também, o primeiros dos Césares foi assim batizado por ter sido removido através de uma incisão no útero de sua mãe”.
Essa teoria explica o possível “erro” cometido pelo Dicionário Oxford, que pode estar se referindo a um dos ancestrais de Caio Júlio César, já que “Júlio” e “César” são apenas sobrenomes romanos. O primeiro a carregar ambos os sobrenomes teria sido Numério Júlio César.
Depois dessa complexa explicação, é possível que o nome do procedimento tenha ganhado fama e se espalhado justamente por causa do imperador. Porém, os historiadores não descartam a possibilidade de a cirurgia ter ganhado esse nome inicialmente por causa da lei romana Lex Caesaria.
*Publicado originalmente em 26/11/2013.