Artes/cultura
13/11/2015 às 06:52•6 min de leitura
Muitas pessoas não têm uma boa relação com os pais e podem passar a vida sem saber a verdade sobre eles.
Após a morte do pai, em 1991, o policial aposentado Steve Hodel tentou descobrir mais a respeito dele. George Hodel era um jovem talentoso que, com apenas 9 anos, já era considerado um prodígio no piano e, tendo o QI um ponto acima do de Albert Einstein, um gênio. Tanto que, aos 14 anos, seria aceito em uma faculdade. Mas a genialidade pode cobrar seu preço: sem conseguir se enturmar ou agir bem socialmente, o jovem acabou tornando-se introspectivo e entregando-se às drogas.
Com 19 anos, George mentiu sua idade para poder se tornar um repórter policial. Em seu trabalho, escrevia os relatos mais escabrosos sobre cenas de crimes ocorridos nos becos da cidade. A violência era sua maior inspiração.
George Hodel: gênio, introspectivo e viciado em violência
Posteriormente, George se tornou um conhecido médico. Dirigindo sua própria clínica para tratamento de doenças venéreas, passou a conhecer os segredos dos magnatas dos estúdios e celebridades de Hollywood.
A aproximação com pessoas importantes e famosas fez com que o médico realizasse grandes festas, regadas a álcool e drogas, nas quais o alto escalão de Los Angeles pudesse se sentir à vontade.
A maior lembrança que Steve tinha de seu pai era de alguém rígido, que não demonstrava muitas emoções, mas, ao mesmo tempo, sabia ter o carisma e o charme necessários para inspirar admiração. Em uma busca por sua casa, o ex-policial encontrou uma fotografia tirada por seu pai. Nela, uma mulher parece posando nua.
Fotografia de Elizabeth Short feita por George Hodel
Analisando o registro, Steve reconheceu o rosto na foto e lembrou-se imediatamente de Elizabeth Short, uma jovem que havia sido assassinada há mais de 40 anos. A realidade é que Steve ainda era uma criança quando o crime aconteceu, mas sua relevância fez com que aquele fosse um dos casos não solucionados mais famosos dos Estados Unidos.
Los Angeles, 15 de janeiro de 1947. O corpo de uma mulher é encontrado em um terreno baldio na Avenida Nortan. A cena é chocante: o cadáver está cortado perfeitamente ao meio. Seu rosto tem um corte de uma orelha a outra, formando um sorriso macabro. O sangue havia sido drenado e o corpo estava cuidadosamente ajeitado. A parte superior do tronco estava a 15 cm de distância das pernas. Os braços estavam erguidos em cima da cabeça, dobrados em um ângulo de 90 graus. Ela foi colocada a pouca distância da calçada para que seu corpo fosse visto.
Cena do crime
Antes e depois do crime da Dália Negra
Policiais e curiosos olhavam incrédulos para a cena. Logo os investigadores identificariam a jovem como sendo Elizabeth Short, de 22 anos, aspirante a atriz em Hollywood. A jovem tinha a pele clara, olhos azuis e cabelos castanhos e encaracolados. Vestia-se de preto e usava uma Dália Negra presa aos cabelos enquanto passeava por Hollywood Boulevard de forma sedutora. Essas características resultariam no apelido “Dália Negra”, dado por alguns repórteres que cobriram o assassinato na época.
A jovem aspirante a atriz Elizabeth Short
A autópsia revelou um trabalho cuidadoso e profissional: o corpo havia sido cortado com precisão cirúrgica, sem que nenhum dos órgãos internos fosse afetado.
Ainda sem pistas concretas sobre o assassino, a polícia passou a receber recados intrigantes: o suposto criminoso enviou a bolsa da vítima e cartões postais enigmáticos. No decorrer dos meses seguintes, os jornais receberam várias mensagens do criminoso provocando a imprensa sobre sua identidade. Psiquiatras forenses envolvidos no caso observaram um padrão nesse tipo de crime sem solução: o indivíduo está desesperado por reconhecimento, por isso tem a necessidade de se comunicar com o público para receber crédito pelo que fez.
Um dos bilhetes enviados pelo suposto assassino
O esquartejamento misterioso transformou a jovem, que sonhava com o sucesso, em uma celebridade. Livros e filmes foram inspirados pelo caso, fazendo com que Elizabeth ganhasse uma legião de fãs em busca de mais detalhes sobre o crime.
Este fato mexeu tanto com a vida de Hollywood que até mesmo o lendário diretor de cinema Orson Welles foi investigado. Apesar da agitação em torno do crime, a polícia de Los Angeles não conseguiu desvendar o assassinato.
Até Orson Welles foi considerado suspeito
Após encontrar a foto de Elizabeth Short entre os pertences de seu pai, Steve resolveu estudar o caso. Para ele, a natureza da morte de Elizabeth Short revela muito sobre o tipo de pessoa capaz de cometer um crime assim. Foi uma tortura terrível, que perdurou por umas duas ou três horas.
Já havia sido constatado que o assassino era um exímio cirurgião e, analisando os registros de seu pai na faculdade, Steve descobriu que George tinha em seu currículo mais de 7 mil horas de cirurgia, tornando-o um cirurgião altamente qualificado. Steve viu também a personalidade do pai nos postais anônimos mandados à polícia e aos jornais. As frases eram manchetes, coisas de quem conhecia o jornalismo, e seu pai já havia atuado na área.
Além disso, Steve acreditava que George e Elizabeth tiveram um caso amoroso. Todas essas revelações mudariam para sempre a visão que ele tinha de seu pai.
Entretanto, ainda faltava a peça final. A paixão de George pela arte surrealista foi o que convenceu Steve de que seu pai era o autor do crime. O fotógrafo e pintor surrealista Man Ray e George tornaram-se amigos. Ambos partilhavam o gosto pelo sexo não convencional e a dominação de mulheres. Sendo assim, Man Ray exerceu uma influência enorme em George, tornando-se uma espécie de mentor do médico.
Galeria 1
Analisando as fotos do crime, Steve ficou intrigado com a posição em que o corpo foi encontrado. O assassino queria dizer algo?
As fotografias de Man Ray exibiam imagens de decapitações e corpos segmentados. Seu trabalho mais famoso, “O Minotauro”, mostra o tronco de uma mulher com os braços para cima, representando os chifres de um touro. Na mitologia grega, o Minotauro era um ser meio homem meio touro que vivia em um labirinto de Creta e devorava jovens donzelas. Teria essa obra influenciado o crime?
Man Ray – "Minotaure", de 1933
Steve estudou o ocorrido e as novas pistas por sete anos antes de apresentá-las às autoridades. Com o caso encerrado há muito tempo e o suspeito já morto, a promotoria resolveu não reabrir.
Depois de sua denúncia, Steve revela que os relatórios foram retirados do departamento de Polícia de Los Angeles e desapareceram. Além de todas as transcrições de depoimentos e informações sobre George Hodel terem sumido, nada restou também das provas materiais. A polícia de Los Angeles não soube dar explicações e se limitou a responder que "essas coisas acontecem".
Mesmo após essa grande decepção, Steve não desistiu e teve acesso aos arquivos secretos da polícia. Em suas investigações, ele teve a chocante revelação de que, há 50 anos, a polícia de Los Angeles havia chegado à mesma conclusão: George Hodel era o principal suspeito do caso.
Mas a realidade poderia ser ainda pior do que tudo que Steve já havia descoberto: Elizabeth poderia não ter sido a única vítima de seu pai.
Em 1946, a polícia de Chicago acreditava que havia resolvido um crime e prendido o Assassino do Batom. Aos 17 anos de idade, William Heirens foi capturado pelos assassinatos de duas mulheres e pelo esquartejamento de uma criança de 6 anos.
William Heirens, acusado de ser o Assassino do Batom
O caso ganhou notoriedade após os policiais encontrarem um recado escrito com batom na cena de um crime que dizia: “Pelo amor de Deus, me apanhem antes que eu mate mais, não consigo me controlar".
O ocorrido com Suzanne Degnan, a criança assassinada, tinha uma particularidade curiosa que a ligava ao crime de Elizabeth Short: ambas as vítimas foram cortadas por alguém com a perícia de um cirurgião; os dois corpos foram divididos pela metade entre a 2º e a 3º vértebras lombares.
Suzanne Degnan, vítima do Assassino do Batom
William era apenas um jovem batedor de carteiras que foi pego em um assalto malsucedido. Seria ele capaz de cometer um crime com tal precisão? Durante o tempo em que ficou preso, 66 dos seus 83 anos de idade, William sempre negou a autoria dos crimes.
Antes de sua morte, em 2012, William afirmou ter sido torturado, privado de comida e água e ter recebido doses do “soro da verdade” – composto de drogas que, erroneamente, acreditava-se fazer com que os suspeitos falassem a verdade. Disse ainda que só confessou os assassinatos para ter a chance de ir a julgamento e provar sua inocência, já que a polícia o ameaçava com a pena de morte. Porém, toda a pressão da imprensa e da sociedade por uma resposta fez com que o jovem fosse imediatamente condenado à prisão perpétua, sem chance de defesa.
William passou 66 anos na cadeia até morrer em 2012
Há ainda outra coincidência macabra: o corpo de Elizabeth foi encontrado na Avenida Nortan e uma das vias adjacentes a ela chama-se Degnan Bolevard. Degnan era o sobrenome da menina esquartejada em Chicago. Seria um recado à polícia?
Após a exposição dos fatos, muitos acreditam que George foi também o responsável pelos crimes cometidos pelo “Assassino do Batom” e que sua influência em meio a pessoas importantes de Hollywood fez com que ele se livrasse de acusações.
Se essa for a versão verdadeira, William pagou com a vida um crime que nunca cometeu.
A história da Dália Negra inspirou, entre outros, o filme “The Black Dahlia”, de 2006, uma adaptação do romance homônimo do escritor James Ellroy. Além disso, o caso foi abordado no episódio Spooky LIttle Girl, da série americana American Horror Story.
Capa do filme “The Black Dahlia”
Dália Negra foi interpretada pela atriz Mena Suvari, em American Horror Story