Artes/cultura
08/06/2015 às 05:56•3 min de leitura
É tão natural se referir a Deus como O Senhor, sempre no sexo masculino, que muitas pessoas jamais pararam para pensar e refletir sobre as razões de classificarmos a divindade com esse gênero, por mais que, supostamente, não haja um definido para O Criador.
Mesmo que Deus não tenha um gênero estabelecido, hoje quase ninguém se refere à entidade como mulher – pelo menos do lado oriental do mundo (existem religiões que especificam Deus como um ser superior feminino, chamando-o de Mãe, por exemplo).
Aliás, praticamente todas as representações da divindade, desde o Renascimento até os dias atuais, trazem a figura de Deus representada por um senhor idoso de barbas longas, normalmente de pele branca e com olhar severo ou misericordioso, dependendo da interpretação. Seja como for, a questão de gênero de Deus já foi discutida anteriormente (e várias vezes), com muitas polêmicas e divergências envolvendo o assunto.
A Igreja Cristã sempre teve algum tipo de incômodo para esclarecer essa situação. Deus não tem sexo definido, mas é complicado demais se referir à divindade sem dar gênero às palavras. Para falar sobre Deus, nós precisamos chamar Deus de algo, já que não há como se esquivar dos pronomes e simplesmente ignorá-los. A questão está em alta novamente devido a um grupo da Igreja da Inglaterra que deseja mencionar Deus em seus sermões como divindade do sexo masculino e feminino, ora tratado como Ele ora tratado como Ela.
Contudo, a Igreja Católica já disse: Deus não é homem nem mulher, é Deus. Se isso é fato, por que nos referimos a ele como se fosse um homem – o Pai? Historiadores ingleses já encontraram livros de algumas igrejas da Síria do Século III que rezavam para o Espírito Santo utilizando termos femininos. Inclusive, em um de seus livros adaptados, há passagens que deixam claras as referências: Venha para nós, Mãe... Venha e comunique-se com nós através da eucaristia.
Os trechos, especificamente dos Atos de Tomé, possuem diversas alterações em relação às versões mais comuns. Outros grupos religiosos, bem no início da estruturação do cristianismo no Ocidente, acreditavam explicitamente que Deus tem muitas manifestações, igualmente femininas e masculinas, jamais referindo-se à divindade exclusivamente como O Senhor, Ele ou O Pai. Contudo, esses termos mistos pararam de ser utilizados com o passar dos séculos, predominando o uso masculino do gênero divino – depois amplamente difundido entre os fiéis.
Nós já falamos no Mega Curioso, como você pode lembrar aqui, sobre Asherah. Pesquisas históricas foram feitas por doutores da Universidade de Oxford e identificaram referências à Asherah (entidade feminina) adorada em Israel na Antiguidade, juntamente com o Deus que conhecemos.
As evidências arqueológicas incluem textos antigos, inscrições, pequenos ídolos e diversos outros itens que podem ser consultados nas pesquisas de Francesca Stavrakopoulou – responsável pelas investigações. Além dessas, reinterpretações de séculos posteriores também traziam um lado feminino de Deus, como nos é sabido através de Julian de Norwich – no século XIV.
No livro Revelações do Amor Divino, Julian deixa bastante claro acreditar que Deus é Pai e é Mãe ao mesmo tempo, referindo-se à Trindade como Pai, Mãe e Espírito Santo. O Arcebispo de Canterbury, Saint Anselm do século XI, também rezava para Cristo e para a Grande Mãe, como seus manuscritos confirmam para nós.
Seja como for, existem diversos membros da própria Igreja Cristã que se referiam a Deus igualmente em termos femininos, mas que depois do século XV pararam de chamá-lo desse modo, pelo menos até os últimos 50 anos. Depois dos anos 80, novas traduções da Bíblia substituíram algumas palavras para incluir as mulheres implicitamente em seus textos, substituindo o termo homem por humano em diversas ocasiões, desprendendo-o de gênero.
A Igreja da Inglaterra foi além e hoje possui um livro oficial em que são utilizadas linguagens masculinas e femininas para descrever Deus, livres de denominações restritas ao gênero. Trata-se de um assunto delicado, e, para muitos, que nem sequer deve ser discutido. Contudo, é interessante analisar como muitas pessoas jamais fazem esse tipo de questionamento e como antigamente esse costume – de referir-se a Deus como entidade masculina e feminina – foi considerado o correto, quando hoje pode parecer ofensivo.