Estilo de vida
04/10/2017 às 04:00•3 min de leitura
Durante muito tempo, o corpo feminino foi visto com um propósito bem diferente do corpo masculino: enquanto os homens tinham instintos incontroláveis de fazer tudo em busca de prazer, as mulheres eram meros meios de proporcionar esse prazer e, no final da história, dar continuidade à espécie, carregando e parindo os filhos daqueles que usavam seus corpos.
Pesado, né? E verdadeiro. Absolutamente verdadeiro. Ao longo da História, era simplesmente normal acreditar que mulheres não tinham como sentir prazer. De fato, não sentem prazer da mesma forma que o homem sente, mas nem de longe isso quer dizer que são frígidas ou coisa parecida. Quer dizer apenas que o prazer masculino, mais óbvio, é verdade, foi por muito tempo o único valorizado.
Prova disso é a Era Vitoriana, da Inglaterra. Nessa época, mulheres se submetiam a tratamentos médicos para curar casos de histeria. Magicamente, quando os médicos estimulavam a região genital de suas pacientes com as mãos, elas eram tomadas por sensações boas e um súbito calor no corpo. Saíam dos consultórios felizes da vida, “curadas”.
Cena do filme "Histeria", que conta a história dos vibradores na Era Vitoriana
As massagens íntimas não foram inventadas pela Inglaterra vitoriana, ao contrário do que se possa imaginar. Muito antes disso, a técnica milagrosa era realizada. Só para você ter ideia, há mais de 2 mil anos, o grego Hipócrates, considerado o “pai da Medicina”, já relacionava a tensão feminina ao útero.
A palavra “histeria” tem origem grega, inclusive – vem de “hysteros”, que significa útero. Na época, era usada para descrever uma série de sintomas comumente experimentados por mulheres: cansaço, nervosismo e depressão. A cura? Segundo Hipócrates, nada melhor do que um bom dildo.
O objeto fálico não era novidade na época de Hipócrates, até mesmo porque há registro da utilização de dildos no Egito Antigo – existem indícios que indicam que Cleópatra construiu seu próprio objeto de estimulação clitoriana.
O fato é que a anatomia feminina era pouco conhecida, e os casos de histeria, bastante frequentes. Durante a Idade Média e também no Renascimento, os médicos acreditavam que mulheres histéricas tinham esse “problema” devido à abstinência sexual. A indicação era a mesma para todas: sexo. Muito sexo.
O problema é que ninguém falava em orgasmo – aliás, na Inglaterra vitoriana, o termo utilizado para falar em orgasmo era “paroxismo histérico” – a reação feminina aos estímulos genitais nem sempre era interpretada como sexual. Nessa época, o incentivo para que os homens estimulassem a região do clitóris era a ideia de que ter “paroxismos histéricos” aumentava a chance de engravidar.
Se por um lado havia o interesse em proporcionar “paroxismos histéricos” às mulheres, por outro existia a crença de que masturbação era uma prática pecaminosa e perigosa – alguns médicos diziam que as mulheres podiam se masturbar somente quando estivessem menstruadas.
Manual de massagem para curar histeria.
De qualquer forma, os próprios médicos, todos homens, ofereciam o tratamento necessário para que as mulheres tivessem “paroxismos histéricos”. Em outras palavras: as moças iam ao médico para terem orgasmos.
O “tratamento” era tão eficiente e proporcionava um bem-estar tamanho que as moças voltavam para mais e mais sessões. Com o passar do tempo, a notícia a respeito da técnica foi se espalhando, e os médicos, acumulando pacientes. Como resultado da movimentação repetida que faziam com as mãos, muitos médicos começaram a ter problemas provocados por esforço repetitivo.
Foi então que a necessidade de um massageador eletrônico ficou mais evidente e deu início à produção de vibradores. O primeiro desses aparelhos era gigantesco e ocupava quase um cômodo inteiro. Chamado de “o manipulador”, o vibrator foi inventado por Dr. Joseph Mortimer Granville (agradeçam a ele, moças) em 1880.
Anúncio de vibrador
Inicialmente, a parafernalha foi criada para massagear homens mesmo e ajudar a aliviar as mais diversas dores musculares. Acontece que o aparelho também ficou conhecido por acelerar o trabalho manual realizado pelos médicos – hehe. Não demorou para que o dispositivo fosse modernizado e ficasse cada vez menor e mais funcional.
Na verdade, a coisa evoluiu rapidamente – de acordo com esta entrevista, concedida em 2012, em 1899 já se viam anúncios de vibradores portáteis, à bateria. Incialmente, os aparelhos eram vendidos somente para médicos, mas logo as moças começaram a ver que, em vez de gastar dinheiro com a terapia, poderiam comprar seus próprios vibradores. Espertinhas!
No início da década de 1920, vibradores começaram a ser utilizados em bordeis e também em filmes pornográficos, e em 1952 o termo “histeria” foi deixado de ser usado como nome de alguma patologia, mas a fiscalização direcionada ao corpo feminino continuou e, assim que as pessoas perceberam que a tal “cura para a histeria” tinha cunho sexual, o que aconteceu? Isso mesmo: os aparelhos deixaram de ser comercializados.
Mas os anos foram passando, a revolução sexual chegou com tudo na década de 1970 e finalmente a ideia de objetos criados especificamente para proporcionar prazer feminino passou a ser mais bem recebida. Não estamos dizendo, logicamente, que brinquedinhos sexuais são uma ideia recente – eles existem há séculos, mas eram usados secretamente.
Hoje, os aparelhos existem em quantidades absurdas: são cores, modelos, tamanhos, velocidades e texturas diferentes. Estima-se que pelo menos metade das mulheres já tenham utilizado um vibrador alguma vez na vida. Vale lembrar que a masturbação é um exercício mais do que saudável, e que, quando a mulher conhece o próprio corpo, as relações sexuais se tornam satisfatórias para todos os envolvidos.
*Publicado em 29/01/2016