Ciência
08/03/2016 às 04:36•7 min de leitura
Atenção: o Mega Curioso abomina qualquer tipo de abuso sexual, ainda mais em se tratando de crianças. O objetivo desta matéria é mostrar um lado pouco debatido sobre a pedofilia. Algumas imagens podem ser um pouco perturbadoras.
Ethan Edwards tem 60 anos. Ele mora na Filadélfia, é um pedófilo e nunca molestou uma criança. “Eu só fui perceber isso nos meus 50 anos”, assume o norte-americano, entrevistado por email pelo Mega Curioso. “Eu sempre achei que aquilo que eu sentia fosse um forte exemplo da afeição que todos nós temos por bebês. O aspecto sexual dessa afeição, em oposição ao romântico, foi algo que eu sempre suprimi durante minha vida”.
Embora use um pseudônimo para se comunicar, Ethan não tem medo de assumir sua doença no mundo virtual. Ele é um dos fundadores do Virtuous Pedophiles, grupo de apoio criado em 2012 para ajudar quem sofre desse mesmo problema e procura ajuda. Ele é um perfeito exemplo de pedófilo que tem plena conviccção de que fazer sexo com menores de idade é errado, mas que faz tudo o que estiver ao seu alcance para não transformar suas fantasias em realidade.
“Nós aceitamos pedófilos de todas as partes do mundo, mas exigimos que as discussões sejam em inglês. Isso permite que nós monitoremos o que as pessoas estão dizendo e tenhamos certeza de que elas estão alinhadas com nossos valores e princípios”, explica, afirmando que o grupo já teve alguns membros brasileiros. Uma vez aceitos, os novatos têm acesso a um fórum no qual podem ler tópicos com algumas instruções básicas de etiqueta.
“As orientações para manter as crianças seguras vêm quando os próprios internautas publicam seus dilemas. Devo continuar estudando para ser um professor? Como posso dizer ao meu irmão que não quero ser babá de suas crianças sem que ele pense que sou um egoísta? Se aquela garota senta no meu colo e se aconchega em mim, está tudo bem? Temos algumas regras básicas. Alguma delas é o teste parental — não faça nada com uma criança que você não faria se seus pais estivessem ali. Outra regra é nunca ficar sozinho com uma criança que você ache atraente”, explica.
No geral, campanhas antipedofilia — tanto governamentais quanto de órgãos privados — costumam promover a mesma frase em suas peças publicitárias: “Pedofilia é crime”. Tal slogan entrou na cabeça do povo e é comumente reproduzido nas redes sociais e na mesa do bar. O problema é que, do ponto de vista técnico e médico, essa oração está um tanto equivocada e só ajuda a espalhar um falso conceito capaz de piorar ainda mais a situação como um todo. Pedofilia, sem a ação, não é crime. O crime é o abuso sexual.
A visão puramente criminosa da pedofilia pode inibir a procura de ajuda profissional
Pedofilia é uma doença, um transtorno mental do grupo das parafilias, devidamente reconhecido no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), publicação de cunho global usada por todo e qualquer profissional de psicologia. Estima-se que apenas 20% dos abusos sexuais que ocorrem no Brasil sejam realmente protagonizados por pedófilos — de resto, os criminosos costumam ser oportunistas que realizam o ato simplesmente porque as crianças estavam disponíveis sozinhas naquela hora e naquele lugar.
“Se, por um lado, é importante haver campanhas na sociedade que procurem proteger os indivíduos mais frágeis da população, por outro, a visão puramente criminosa da pedofilia pode inibir a procura de ajuda profissional por parte dos pedófilos”, explica Milena Carbonari Krachevski, psicóloga especialista em educação e terapia sexual. Procurada pelo Mega Curioso, Milena lembrou também que existem alguns dispositivos psicológicos que deixam o mal ainda mais presente quando este é citado.
“Existem poucos profissionais interessados em combater esse mal com profissionalismo e sobriedade. Digo isso porque a situação de abuso sexual costuma provocar alta repulsa na sociedade, acompanhada do desejo de castigo do abusador”, comenta. “É necessário ter bastante claro que a pessoa que cometeu o delito precisa ser responsabilizada por seus atos de acordo com a lei vigente. Entretanto, é um ser humano com dores e questões a serem trabalhadas em sua história”.
Embora a medicina reconheça a pedofilia como uma doença, as explicações científicas sobre sua origem ainda são obscuras. De acordo com a psicanalista Cristiane M. Maluf Martin, a pedofilia é comumente vista pela comunidade profissional como interação entre os fatores do desenvolvimento neurológico e o ambiente. “A pedofilia é definida como uma perversão sexual, caracterizada pela atração sexual por crianças; a vasta maioria desse assédio envolve carícias genitais e sexo oral, onde podemos incluir as fantasias através do consumo de pornografia infantil”, explica.
Vários pedófilos odeiam a si mesmos da mesma forma que você os odeia
Ambas as especialistas concordam em um ponto: um dos maiores problemas é que os próprios pedófilos não se sentem à vontade para ir atrás de tratamento. “Muitas vezes pelo estigma, pela culpa, pela falta de acesso ao tratamento ou por não se considerarem doentes, os pedófilos resistem a procurar ajuda. Ressalto que, quanto mais adiarem e resistirem ao tratamento, menores são as chances de recuperação”, comenta Cristiane.
Ao ser questionado se devemos repensar a forma como enxergamos a pedofilia, Ethan é categório: “Com certeza. A principal questão é entender que ‘pedofilia’ e ‘molestador de crianças’ não são a mesma coisa. É justo odiar os molestadores. E sim, há exceções, mas a maioria dos pedófilos nunca vai abusar de uma criança, e eles merecem ser considerados inocentes — assim como nós assumimos que adolescentes pobres são inocentes também, mesmo se eles estiverem numa faixa etária com altas taxas de criminalidade (pelo menos aqui nos EUA)”, explica.
“Isso nos ajudaria a entender que pedofilia é uma atração que não é escolhida e que não pode ser mudada — não é como se alguém decidisse ter essa doença. Vários pedófilos odeiam a si mesmos da mesma forma que você os odeia. Um dia antes de um pedófilo abusar de uma criança pela primeira vez, ele era alguém que estava tentando não fazer isso. Mas se ele entende a mensagem de que ele vai molestar mais cedo ou mais tarde, que todo mundo o despreza, que ele é rejeitado pela sociedade e que não há ninguém oferecendo ajuda, as portas se abrem para seu primeiro crime”, conclui.
Na luta para encontrar meios éticos para inibir a ação criminosa de pedófilos, há quem apele para técnicas que são, no mínimo, criativas. Há cerca de dez anos, Shin Takagi criou a Trottla, uma empresa que fabrica e comercializa bonecas sexuais que simulam crianças na faixa dos 5 anos. Recentemente, após conceder uma entrevista para o jornal norte-americano The Atlantic, o empreendedor japonês causou uma polêmica absurda ao defender que seus produtos são capazes de impedir muitos crimes.
Ser um pedófilo é como viver com uma máscara
“Ser um pedófilo é como viver com uma máscara. Nós deveríamos aceitar que não há como mudar os fetiches de alguém”, afirmou ao site estrangeiro. “Eu estou ajudando as pessoas a expressarem seus desejos, de forma legal e ética. A vida não vale a pena quando você precisa viver reprimindo seus desejos”, completa. A fábrica da Trottla se localiza na cidade de Hachioji, dentro da província de Tóquio.
Takagi, que também é dono de um site que comercializa pacotes de fotos sensuais protagonizando “bonecas juvenis”, afirma que seus clientes enviam correspondências agradecendo seu trabalho. “As cartas dizem, ‘Obrigado pelas bonecas, eu posso evitar cometer um crime’”, conta. O Mega Curioso conseguiu entrar em contato com o empreendedor, e ele se mostrou interessado em nos conceder uma entrevista.
De acordo com o asiático, a Trottla é formada por apenas cinco funcionários, sendo que dois atuam diretamente com a produção das bonecas, e os outros três fazem “trabalhos de escritório”. Embora não revele quantas encomendas ele receba de clientes brasileiros, Takagi afirma que nosso país é um mercado importante para a sua empresa, mas explica que faltam recursos logísticos para distribuir seus produtos em algumas regiões.
As pessoas ainda têm dificuldades para entender a dor dos outros
Tal como Ethan, Takagi reafirma que a humanidade precisa aprender que não há como controlar instintos biológicos à força. “É natural que a sociedade proteja as crianças. Porém, os adultos que estão sofrendo não precisam ser ajudados também? Ambos — adultos e crianças — são igualmente seres humanos, e é preciso salvar os dois da mesma forma”, afirma.
E, no fim das contas, será que a Trottla é um negócio rentável? “Eu não sou um mercador, eu sou um artista”, explica Takagi. “Eu faço as bonecas por causa da minha criatividade artística. Se elas podem salvar alguém da pedofilia, ótimo, mas esse é apenas meu objetivo secundário”. O empresário também reclama da falta de capital para aumentar a capacidade de sua fábrica, já que ninguém quer investir em seu negócio para ajudar pedófilos. “Eles não querem parecer malvados para a sociedade. As pessoas ainda têm dificuldades para entender a dor dos outros”, finaliza.
Galeria 1
Vale lembrar que, no Japão, também é comum encontrar materiais artísticos de cunho pornográfico — ou hentais, no idioma original — que estrelam pré-adolescentes e até recém-nascidos. É o famoso shotacon, que se subdivide em duas categorias distintas (toddlercon, com crianças de 0 a 6 anos, e lolicon, com personagens de 7 a 16 anos de idade). São histórias em quadrinhos e até animações feitas para quem possui essa preferência sexual.
Mas será que essas válvulas de escape realmente funcionam? As opiniões divergem. Para Ethan, as bonecas não aumentarão o desejo do doente de abusar de uma criança. “Uma série de estudos conduzidas por Milton Diamond e seus colegas mostraram que em países onde pornografia infantil real era díficil de encontrar e seu acesso foi facilitado, o número de abusos não aumentou — pelo contrário: diminiu. Ninguém está sugerindo tornar pornografia infantil real disponível para todos para esse propósito, mas a técnica provavelmente vale para bonecas e pornografia fictícia”, explica.
A medicina, porém, parece pensar de modo diferente. Para Milena, as bonecas sexuais são uma tentativa superficial de solucionar questões mais profundas. “A exposição frequente ao estímulo sexual sugerido — bonecas de crianças — tende a reforçar o comportamento pedófilo, que pode ter origens patológicas. Ou seja, em vez de tratar o desvio de conduta, são oferecidos paliativos que não apresentam possibilidades de resolução em médio e longo prazo”, afirmou a profissional.
Esse mesmo pensamento é compartilhado com a Dr. Cristiane. “Este tipo de comportamento não pode ser explorado; o uso dessas bonecas não muda a orientação sexual básica do pedófilo em relação às crianças. É o tipo de comportamento que não pode e não deve ser incentivado. Pedofilia não pode ser encarada como uma vertente natural da sexualidade. Adultos que são sexualmente atraídos por crianças são doentes”, finaliza.
Ao observar o lado do pedófilo e tentar enxergá-lo como um ser humano vítima de seus próprios desejos sexuais, fica difícil não se lembrar de “Ninfomaníaca”, longa-metragem do renomado diretor Lars von Trier. Em determinada cena, a protagonista Joe assume ter conhecido um pedófilo que sempre reprimiu suas vontades sexuais, e, por ter ficado com pena do homem, decide presentá-lo com um pouco de prazer.
Uma das falas da personagem resume a situação. “Apenas 5% dos pedófilos machucam crianças. Os outros 95% jamais realizaram suas fantasias. Pense sobre o sofrimento deles. Sexualidade é a força mais forte dos seres humanos. Nascer com uma sexualidade proibida pode ser agonizante. O pedófilo que consegue viver sua vida com a vergonha de seus desejos, sem nunca agir sobre eles, merece uma medalha”.
No Brasil, um dos raros locais a atender pedófilos gratuitamente é o Ambulatório de Transtornos da Sexualidade (ABSex), que faz parte da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). O atendimento é feito no próprio campus da universidade (localizado em Santo Andre, São Paulo), e o instituto aceita indivíduos que apresentem comportamentos sexuais distorcidos ou violentos, além de tratar disfunções como impotência e ejaculação precoce.
Nascer com uma sexualidade proibida pode ser agonizante
Em 2007, porém, o psiquiatra Danilo Baltieri — responsável pelo serviço — criou polêmica ao confessar que havia aplicado a técnica de “castração química” em um dos seus pacientes a pedido do próprio doente. As aspas são necessárias, já que o próprio Baltieri a considera incorreta. Em entrevista ao jornal Estadão, o profissional explicou que o tratamento se resume a inserir hormônios femininos no corpo do paciente para diminuir suas ereções e seu apetite sexual, efeitos que cessam assim que as injeções forem interrompidas.
Mesmo assim, Baltieri se viu sendo criticado pela comunidade médica brasileira por usar um método que ainda não é regularizado no país. De acordo com o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), o médico precisava de autorização especial para realizar a castração. À Gazeta do Povo, o paulista afirmou: “É um tratamento mesmo, não é uma pesquisa. Essa polêmica toda só traz prejuízo. Fiz o tratamento em apenas um paciente até hoje, e ele que me pediu. Tinha feito uma consulta ao CRM há uns oito meses. Se eu esperasse a resposta, ele molestaria alguma criança”, finaliza.
Pedofilia é algo abominável, e ninguém tem a mínima dúvida disso. Trata-se de uma prática reprovada tanto científica quanto culturalmente. Contudo, ao olhar para todas essas questões e ouvir depoimentos de quem convive com a condição diariamente — seja no âmbito pessoal ou profissional —, fica claro que se trata de um problema de duas faces.
Qual é a sua opinião sobre pedofilia? Como podemos inibir essa prática? Comente no Fórum do Mega Curioso