Ciência
28/02/2021 às 15:00•4 min de leitura
Há algumas semanas, o MegaCurioso publicou um post sobre cidades-fantasma que haviam sido abandonadas sem muito motivo. Ao longo da pesquisa, esse redator que vos fala se deparou com a história descrita aqui — que, pensamos, merecia uma matéria apenas sobre ela, porque é bizarra.
Hoje, Gbadolite é tomada por ruínas. Mas entre os anos 1970 e 1990, a cidade era um oásis de luxo e modernidade no meio da selva do Congo: chegou a ser conhecida como a “Versailles da Selva”, em referência à corte do rei francês Luís XIV. Tudo por conta da vontade — e poder — de um ditador, Mobutu Sese Seko. Para entender como isso tudo aconteceu, continue a leitura.
Mobutu Sese Seko era formado em jornalismo na Bélgica e fazia parte do serviço militar do Congo Belga — ainda colônia do país europeu —, mas não era figura de destaque na política do país. Ele ascendeu ao poder após uma crise interna entre o presidente e o primeiro-ministro — ordenando a execução deste segundo, em 1961, e dando um golpe de estado no primeiro, em 1965.
A partir disso, Mobutu se tornou um dos maiores exemplos daqueles ditadores africanos que ficam por décadas no poder, perseguindo qualquer oposição e usando a riqueza do país para enriquecer sua família. Além disso, ele mudou o nome do país para Zaire, com a desculpa de apagar o passado colonial europeu.
Na mesma época, ele mudou também o seu próprio nome: de Joseph-Désiré Mobutu para Mobutu Sese Seko Kuku Ngbendu Wa Za Banga. A frase, na língua local, significa “O Galo que Canta Vitória, o Guerreiro que Conquista Sem Nunca Ser Detido”. Um nome bastante modesto, não?
Falar sobre o narcisismo de Mobutu Sese Seko é essencial para entender o que ocorreu em Gbadolite. Isso porque o ditador do Congo investiu uma quantia astronômica de dinheiro (só em um palácio foram 400 milhões de dólares) para fazer da aldeia onde nasceu a cidade mais moderna do país. Ressaltar sua própria história é algo que combina com qualquer ditador narcisista…
Até a década de 70, o local tinha pouco mais de 1500 habitantes. Mas, pelas mãos de Mobutu, a cidade recebeu diversas escolas e hospitais entre os mais modernos de todo o continente, prédios públicos para os ministérios e um grande hotel cinco estrelas, que hospedava príncipes europeus.
A pequena vila ganhou até um aeroporto internacional, com uma pista de 3.200 metros para permitir o pouso de um avião supersônico Concorde. Durante os anos de ouro de Mobutu, voos eram fretados para o aeroporto para trazer políticos e personalidades do mundo todo para aproveitar o luxo de Gbadolite — especialmente de seus palácios.
Sim, palácios no plural, pois eram três. Um era mais próximo da cidade, para funções públicas, outro ficava nos arredores de Gbadolite e tinha sua arquitetura inspirada nas pagodas chinesas.
O principal, onde o ditador morava, também ficava mais distante do centro e era o mais luxuoso de todos: todo revestido em mármore de Carrara, um dos mais caros do mundo, tinha duas piscinas com grandes estátuas de leões de bronze, era repleto de obras de arte, incluindo Picassos, e todo mobiliado com itens franceses. Para manter tudo isso, mais de 700 empregados trabalhavam no palácio. Um luxo sem igual, em um país onde a maioria da população passava fome.
Outro detalhe interessante sobre essa história é que Gbadolite fica no meio da selva, a milhares de quilômetros da capital do país, Kinshasa — esta, uma das maiores cidades da África e de todo o mundo, com mais de 14 milhões de habitantes.
Sendo assim, é compreensível que a cidade tenha caído em decadência, junto com Mobutu Sese Seko. Ao longo dos anos 90, as riquezas naturais passaram a render menos dinheiro e a corrupção começou a cobrar seu preço. O país começou a ficar ainda mais pobre do que já era, levando o regime ditatorial ao colapso. Em 1997, após 32 anos no poder, Mobutu morreu no exílio.
O luxuoso palácio foi saqueado e, hoje, restam apenas suas ruínas. O aeroporto feito para receber Concordes conta apenas com voos regionais e aviões de ajuda da ONU. Os modernos prédios ministeriais se tornaram escolas improvisadas. O grande hotel cinco estrelas está às moscas, sem os hóspedes de outros tempos. Sem manutenção, a natureza da selva africana tomou conta do que ainda resta das construções.
Entre 100 e 200 mil pessoas ainda vivem em Gbadolite, que é capital da província de Nord-Ubangi. Pouco para uma cidade com tantas construções e menos ainda para um país com mais de 84 milhões de habitantes, como o Congo. Veja mais fotos das ruínas de Gbadolite: