Artes/cultura
09/05/2015 às 06:22•3 min de leitura
Nessa véspera de Dia das Mães, resolvemos falar sobre uma criatura que faz das tripas coração – ou sopa, pra ser mais exato – por suas crias, a aranha Stegodyphus lineatus.
Quando começa a primavera nas regiões semiáridas do Mediterrâneo e no deserto de Neguev, em Israel, é a época do pico de reprodução de vários tipos de insetos e essas aranhas os caçam vorazmente, a fim de estocar nutrientes.
Elas então tecem uma toca circular, semelhante a um ninho de passarinho posto de lado, e acasalam. Os cerca de 80 ovos são depositados no fundo da cavidade na teia e a mamãe-aranha começa o processo de aumentar suas enzimas digestivas para que seus próprios órgãos internos comecem a se dissolver.
Uma fêmea da espécie Stegodyphus lineatus dá os retoques finais em seu túmul... quer dizer, sua teia - Imagem: Dra. Mor Salomon
Quando os ovos eclodem, ela começa a vomitar uma substância clara e fina, que basicamente são suas entranhas liquefeitas. Ela vai passar as próximas duas semanas fazendo isso, alimentando seus descendentes com uma sopinha de vísceras extremamente nutritiva, até perder aproximadamente 41% de seu peso total e morrer, mas o banquete não acaba aí.
As pequenas aranhas perfuram o que restou do corpo da mãe e sugam todos os fluidos restantes, até sobrar apenas uma casca oca. Cerca de 95% do aracnídeo original terá virado janta e seu abdômen parecerá um balão murcho.
As mamães aranha ficam super estufadas antes da eclosão dos ovos, para garantir uma boa nutrição para os filhotes - Imagem: Dra. Mor Salomon
O processo todo deve acontecer conforme descrito acima, a menos que algum espécime macho entre na toca antes que as crias nasçam ou durante os primeiros dias de vida dessas. Como os leões, as aranhas S. lineatus do sexo masculino matam os filhotes para gerarem suas próprias ninhadas. A mãe vai defender sua prole ferozmente, mas caso não consiga, ela será obrigada a cruzar novamente.
É necessário que o macho faça isso no máximo até os cinco primeiros dias depois do nascimento da ninhada. Nesse ponto, a fêmea ainda não dissolveu seus ovários e outros órgãos importantes, e consegue interromper o processo de liquefação das suas entranhas.
As aranhas recém-nascidas se reúnem em volta da boca da mãe para se alimentar da papinha de órgãos que ela vomita - Imagem: Dra. Mor Salomon
No entanto, essa segunda prole terá um número menor de ovos e menos nutrição também. Isso vai diminuir as chances de sobrevivência dessas aranhas, mas alguém se esqueceu de contar isso aos papais infanticidas. Caso a primeira prole sobreviva ao processo todo, o resultado serão dezenas de aranhas com cabecinhas minúsculas, se comparadas ao tamanho dos seus abdomens, dilatados de tanta comida.
Então pelo próximo mês elas disputam os insetos que ficaram presos na parte externa da toca enquanto cresciam, e os filhotes menores terão que “sair de casa” o quanto antes. Elas precisam começar sua própria teia, ou ficarão sem alimentos depois que digerirem toda a sopa de mamãe.
É claro que para nós, tudo isso parece um comportamento completamente grotesco e irracional. No entanto, segundo a Dra. Mor Salomon, bióloga do Instituto Israel Cohen de Controle Biológico, isso é uma brilhante forma de adaptação encontrada por esses animais ao severo clima em quevivem.
Em vez de mandar suas crias, que nascem sem estar plenamente desenvolvidas, para um ambiente inclemente como o deserto, e onde a abundância de comida não é uma certeza, a mamãe aranha dá todo o suporte possível para que sua prole perdure. Mesmo que isso literalmente custe a sua vida.
O ninho e a carcaça de uma Stegodyphus lineatus, com o abdômen parecendo um balão murcho - Imagem: Dra. Mor Salomon
E o ciclo se repetirá na próxima primavera, quando a temporada de acasalamento começar novamente. O instinto básico de qualquer ser vivo é sempre a perpetuação da espécie, às vezes por qualquer meio que seja necessário, e é exatamente o que essas criaturas fazem.
Então um feliz Dia das Mães para todas as Stegodyphus lineatus, porque elas merecem.