Pessoas podem ser induzidas a se lembrar de crimes que nunca cometeram

26/01/2015 às 13:303 min de leitura

Parece coisa de filme, mas você sabia que é possível induzir um indivíduo a se lembrar de um crime que ele nunca cometeu? Mas como ele pode se recordar de algo que nunca fez se esse registro jamais foi feito na memória? Segundo um artigo de Cathleen O'Grady, do Ars Technica, a ideia de que as memórias não são tão confiáveis quanto nós pensamos é mesmo desconcertante, mas é muito bem estabelecida.

De acordo com a notícia, vários estudos têm demonstrado que os participantes podem ser persuadidos a criar memórias falsas de infância — como estar perdido em um shopping ou hospitalizado —, ou mesmo a criar lembranças de cenários muito pouco plausíveis, como de estar tomando chá com o príncipe Charles.

De acordo com o Ars Technica, a criação de falsas memórias tem implicações óbvias para o sistema legal, pois dá razões para as autoridades desconfiarem de relatos de testemunhas oculares e confissões. Por esse motivo, é importante saber exatamente que tipos de falsas memórias podem ser criados, o que influencia esse processo e se essas recordações podem ser distinguidas das reais.

Pesquisa

Um experimento recente demonstrou que realmente muitos indivíduos criaram falsas memórias de algo que não fizeram. Segundo um artigo divulgado na revista Psychological Science, um estudo descobriu que 71% dos participantes expostos a certas técnicas de entrevista desenvolveram falsas memórias de ter cometido um crime quando adolescentes.

Porém, na realidade, nenhuma destas pessoas teve qualquer atuação criminosa ou contato com a polícia durante a faixa etária em questão. Para a pesquisa, os especialistas a organizaram da seguinte forma: depois de estabelecer um conjunto de potenciais participantes, os pesquisadores enviaram questionários aos tutores (pais, avós ou quem cuidou deles durante a infância e adolescência) desses indivíduos.

Os pesquisadores eliminaram quaisquer participantes que estiveram envolvidos de alguma forma com um assalto ou roubo ou tivessem tido outro contato policial entre as idades de 11 e 14 anos. Eles também pediram aos tutores para descrever em detalhes um evento altamente emocional que o participante havia experimentado nestas idades.

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Para maior confiança e segurança nos resultados, os tutores foram instruídos a não discutir o conteúdo do questionário com os participantes. Então, os 60 participantes foram divididos em dois grupos: um a que seriam fornecidas falsas memórias de cometer um assalto, roubo ou assalto com arma e o outro a que seriam dadas falsas memórias de outro evento de uma lesão emocional, como um ataque de um cão ou a perda de uma grande soma de dinheiro.

Na primeira das três entrevistas com cada participante, o entrevistador apresentou a verdadeira memória que tinha sido fornecida pelo cuidador. Assim que a credibilidade e o conhecimento do participante haviam sido estabelecidos pelo entrevistador, a memória falsa foi apresentada. Para ambos os tipos de memória (tanto a falsa criminosa quanto a falsa emocional), o entrevistador deu aos participantes "pistas", como sua idade na época, as pessoas que estiveram envolvidas e até a época do ano.

Feito isso, os participantes então foram convidados a recordar os detalhes do que tinha acontecido. Nenhum dos participantes recordou o falso evento na primeira vez que ele havia sido mencionado, o que seria mesmo muito intrigante, mas isso assegurou de que as pessoas muitas vezes poderiam revelar estas memórias através do esforço ou sob pressão.

Como acontece

Para fazer com que os participantes realmente achassem que algum fato ocorreu na sua vida, foi utilizada uma série de táticas para induzir a falsa memória. Primeiro, a pressão social foi aplicada para incentivar recordação de detalhes. Para isso, o entrevistador tentou construir um relacionamento com os participantes, que foram informados de que seus tutores confirmaram os fatos.

Além disso, eles também foram incentivados a utilizar técnicas de visualização para "descobrir" a memória. Em cada uma das três entrevistas, os participantes foram convidados a fornecer o máximo de detalhes que podiam para ambos os eventos. Após a entrevista final, eles foram informados de que a segunda memória era falsa e foram questionados se eles tinham realmente acreditado que os acontecimentos tinham ocorrido.

Eles também foram convidados a avaliar o quão surpresos eles ficaram ao descobrir que ela era falsa. Somente os participantes que responderam que tinham genuinamente acreditado na falsa memória, e que poderia dar mais de dez detalhes do evento, foram classificados como tendo uma verdadeira falsa memória. Dos participantes do grupo com histórias falsas criminais, 71% deles desenvolveram uma “falsa memória verdadeira”.

Já o grupo com histórias falsas de natureza não criminosa não foi muito diferente, sendo que 77% dos participantes classificados tiveram uma falsa memória. De acordo com a Ars Techinca, este estudo é apenas um começo e ainda há uma grande quantidade de trabalho a ser feita.

Os pesquisadores dizem que existe certo número de fatores que não poderiam ser controlados, mas que podem ter influência nos resultados. Por exemplo, os especialistas sugerem que, como apenas um entrevistador estava envolvido, suas características individuais podem ter influenciado os resultados, levantando a questão de saber se apenas determinados tipos de entrevistadores podem conseguir estes efeitos.

Além disso, não está claro se os participantes foram totalmente honestos sobre ter acreditado na memória falsa, já que eles poderiam apenas estar tentando cooperar. E, ainda, os resultados também poderiam ter sido afetados pelo fato de que não houve consequências negativas por contar a história falsa.

Este estudo também não distinguiu qual das táticas de persuasão teve um efeito, pois o único objetivo era estabelecer que a criação de falsas memórias criminais era possível. Finalmente, mas não mencionado pelos pesquisadores, é a questão da idade em que a falsa memória havia ocorrido.

As pessoas podem estar inclinadas a desenvolver falsas memórias de eventos durante a infância ou adolescência por causa de uma crença da psicologia de que as nossas memórias durante o crescimento podem ser falhas. De qualquer forma, esses fatores podem determinar a extensão em que esses achados são importantes para o sistema legal.

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