Artes/cultura
30/04/2023 às 12:00•3 min de leitura
A maioria das cidades brasileiras tem pelo menos uma rua, avenida ou praça com os nomes XV de Novembro e 7 de Setembro, datas importantes para a história do país. Também há muitas ruas com nomes de presidentes e outras pessoas que estiveram presentes em momentos históricos.
Na sua cidade, provavelmente existem logradouros com o nome dos fundadores, de ex-prefeitos e outras personalidades. E é claro que existem ruas que são batizadas ao acaso ou por conta de alguma característica — como as avenidas Atlântica ou Beira-Mar, em cidades litorâneas. Mas, quando falamos ruas e avenidas com nomes de personalidades, a história é diferente.
A historiadora Ana Carolina Bellani afirma que "se você prestar atenção nas placas de rua da sua cidade, pode aprender muito sobre história". Isso porque o batismo das ruas faz parte do processo de construção da memória.
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Avenida 9 de julho, em São Paulo
São Paulo é uma das poucas cidades brasileiras que não tem uma avenida importante com o nome de Getúlio Vargas, presidente do Brasil que ficou por mais tempo no cargo. Porém, uma das principais vias públicas da cidade se chama 9 de julho. E isso diz muito sobre a história.
Isso porque, como explica o professor Vítor Soares em episódio do podcast História em Meia Hora, as elites paulistanas se voltaram contra Getúlio Vargas em 1932 na chamada Revolução Constitucionalista, que começou, justamente, em um 9 de julho. A data é um feriado no estado de São Paulo até hoje.
Ainda na maior cidade do país, temos o famoso "Minhocão", no centro da cidade. Mas o nome oficial da via é Elevado Presidente João Goulart. Até 2016, era Elevado Costa e Silva — um dos presidentes da ditadura militar, que assinou o AI-5.
Muitas cidades têm Avenidas Getúlio Vargas (Fonte: GettyImages)
Durante seu mandato, o então prefeito Fernando Haddad mudou o nome de diversas ruas da capital paulista que homenageavam pessoas envolvidas na ditadura. Há centenas de casos como esses em todo o Brasil.
Eu mesmo estou escrevendo este artigo da casa dos meus pais, em um bairro chamado Costa e Silva, na cidade de Joinville, Santa Catarina. Por aqui, alguns moradores criaram um projeto para rebatizar o bairro, mas a ideia não ganhou tração e o nome permanece.
Analisando todos esses casos, você pode se perguntar: por que isso importa? A verdade é que os nomes das ruas têm um significado simbólico muito importante.
(Fonte: Getty Images)
Geralmente, a responsabilidade por nomear as ruas, avenidas e demais espaços públicos fica na mão dos vereadores. Se você analisar as atas das sessões das Câmaras Municipais da sua cidade, poderá perceber que nome de rua é um assunto frequente.
Mas, além das ruas que recebem o nome de um morador ilustre ou de um parente do prefeito, existem escolhas políticas e históricas que levam a um batismo. É um processo chamado pelos historiadores de "construção de memória". Isto é, qual é a história que deve ser contada?
O historiador Jacques LeGoff, um dos principais teóricos dessa área, escreve que "a memória é seletiva, pois ela é parcial daqueles que estão escrevendo a história”. A partir disso, quem está no poder decide se Costa e Silva era um ditador ou merece homenagens, se devemos celebrar o 9 de julho ou Getúlio Vargas.
Isso ajuda a explicar porque, logo após a Proclamação da República, inúmeras cidades tiveram suas ruas centrais rebatizadas para XV de Novembro. Indiretamente, o governo queria reforçar que essa era uma lembrança positiva.
Rua XV de Novembro, em Curitiba (Fonte: GettyImages)
Mas os historiadores também ponderam que a memória vem com a visão de mundo da época em que está inserida. Ou seja, devemos observar o contexto sociopolítico em que a escolha foi feita. Por exemplo: o Elevado Costa e Silva foi inaugurado no início dos anos 1970, época em que o bairro onde eu estou escrevendo este texto foi loteado. O presidente homenageado nos dois locais deixou o cargo em 1969, mesmo ano em que elegeu seu sucessor e faleceu.
Independente do juízo de valor que você faça sobre esta ou aquela figura histórica, a questão é que os nomes das ruas têm sim um peso simbólico na construção da memória coletiva — é a versão da história que está sendo contada. Afinal, quantas vezes por dia as pessoas, notícias e até o GPS repetem os nomes das vias públicas?
Pensando nisso, a Câmara Municipal de Curitiba, por exemplo, mantém um site onde os moradores podem encontrar os significados para os nomes de centenas de ruas. Em outras, como o Rio de Janeiro, as próprias placas têm uma pequena explicação embaixo do nome. É uma aula de história gratuita.