Artes/cultura
02/02/2018 às 03:00•6 min de leitura
Se você é fã de Dragon Age, Caverna do Dragão e das “Crônicas do Rei Arthur”, então deve conhecer bastante sobre a Era Medieval, certo? Errado. Em geral, as narrativas dos livros, jogos e filmes de fantasia costumam criar um conceito falho sobre a época, reforçando apenas mitos e balelas.
Primeiramente, é preciso lembrar que a Idade Média durou um bom tempo – do século 5 até o 15 d.C – e envolveu muitos países europeus. Ao consultar a literatura “especializada” no assunto, você percebe que a maioria dos contos se passa na Inglaterra do século 14. Entretanto, o período foi muito mais amplo e rico.
Não estamos falando que a literatura está errada em inventar mitos e fantasiar sobre a época, mas ler “As Brumas de Avalon”, “Guerra dos Tronos” ou jogar Dungeons & Dragons não vai transformar você em um perito no assunto.
Não é difícil acreditar que o povo da Idade Média era dividido em categorias maiores, tais como reais, nobres, cavaleiros, clérigos e camponeses na parte inferior da pirâmide. Entretanto, só porque você não tinha o prefixo “rei”, “lorde”, “sir” junto com o nome não significava que não fazia parte de uma classe social.
Havia uma grande variedade de pessoas que, atualmente, poderíamos considerar “aldeões”. Todavia, existiam diversas categorias dentro desse conjunto. Segundo Mortimer, escritor do livro “The Time Traveler's Guide to Medieval England”, na Inglaterra do século 14, por exemplo, existiam os vassalos, pessoas que tinham terras atreladas a um senhor feudal.
Esses indivíduos não eram considerados livres e podiam ser vendidos junto com as propriedades por seus senhores. Já o povo liberto era ainda mais variado economicamente e socialmente. Um dono de terras poderia se tornar bem-sucedido o bastante para alugar uma propriedade senhorial, passando assim a agir como se fosse um lorde.
Além disso, em uma vila, algumas famílias podiam deter grande parte do poderio político, fornecendo bens para grande parte dos servidores locais. Mesmo que atualmente os consideramos simples “camponeses”, na época eles tinham jeitos muito mais complicados de se categorizarem – além de toda a pressão social imposta pelas classes.
Há poucas imagens mais enraizadas na fantasia pseudomedieval do que as tavernas. Nela, os viajantes discutem os planos para a próxima jornada, escutam as fofocas do povo e depois sobem para tirar uma boa soneca. Embora essa visão não seja inteiramente irreal, a verdade é um pouco mais complicada.
Se você combinar um hotel da cidade com um pub, provavelmente vai conseguir chegar a algo bem próximo da fantasia. Na Era Medieval, existiam pousadas em que era possível alugar camas (ou um espaço em uma delas), e esses locais realmente possuíam halls para comer e beber. Entretanto, eles não eram estabelecimentos públicos, pois os proprietários só podiam servir refeições para os clientes.
Além disso, Mortimer informa que era mais fácil encontrar uma sala com várias camas, em que cabiam até três pessoas do que quartos reservados. Só nas pousadas mais “chiques” era possível encontrar dormitórios com uma ou duas camas.
Existiam estabelecimentos para beber na cidade: tavernas que vendiam vinho e pubs que serviam cerveja. Dos dois, o segundo era o mais agitado e parecido com o da fantasia medieval. Entretanto, as bebidas eram feitas em casa, sendo que as próprias tavernas serviam de casa para o proprietário.
Também havia outras opções de acomodação na época. Um viajante podia desfrutar da hospitalidade de pessoas de classes sociais iguais ou inferiores do que a dele, comendo e dormindo em seus lares em troca de contos e gorjetas. Além disso, também era possível ficar em hospitais, que não serviam apenas para curar.
Algumas histórias de fantasia colocam a mulher em papéis iguais ou relativamente semelhante ao dos homens, ou seja, elas desempenham as mesmas funções que eles. Entretanto, existem filmes em que uma moça que venda mercadorias ou faça armaduras é vista com preconceito pela sociedade, como em “Coração de Cavaleiro”.
Entretanto, na Idade Medieval, era bastante comum que a viúva assumisse o papel do falecido marido, principalmente se ele fosse mercador ou fabricante de armaduras. Na verdade, alguma delas se tornavam tão bem-sucedidas que passavam a fazer viagens internacionais para oferecer suas mercadorias.
Além disso, não existiam apenas “donzelas em apuros”. As garotas também se envolviam com atividades criminosas e roubo. Muitas gangues da Era Medieval eram formadas por marido e mulher ou irmãos e irmãs.
De jeito nenhum. Até mesmo na Idade Média, os membros da sociedade civilizada – dos reis até os plebeus – seguiam certas regras de etiqueta e boas maneiras à mesa. Além disso, dependendo do lugar, de quando e de com quem você comesse, era preciso seguir alguns procedimentos específicos para se alimentar. Afinal, minha casa, minhas regras!
Uma dica: se um lorde passar o copo para você na sala de jantar, isso é um sinal de aprovação. Aceite – mesmo se estiver todo sujo e babado –, tome um gole e devolva educadamente.
A magia sempre esteve em xeque quando o assunto é medieval. Algumas histórias fazem dela o centro das atenções, outras preferem condenar a prática, considerá-la blasfêmia e queimar inocentes a troco de nada.
Todavia, nem todo tipo de mágica era considerada heresia. Segundo a especialista Anita Obermeier, durante o século 10, a igreja católica estava mais interessada em erradicar superstições sobre criaturas voadoras noturnas do que em queimar bruxas.
Já no século 14, na Inglaterra, era possível consultar um mago ou uma bruxa para encomendar alguns truques simples, como encontrar objetos perdidos. Nessa época, a magia sem nenhum tipo de heresia era tolerável. Só no século 15 que a Inquisição Espanhola passou a caçar as feiticeiras.
Todavia, ainda que rara, na Idade Média a incineração de pessoas também existiu. Obermeier explica que, no século 11, a feitiçaria foi tratada como um crime secular, mas a igreja não tomava ações drásticas sobre o assunto. A primeira queima na fogueira por heresia ocorreu em Orleans, em 1022, e a segunda em Monforte, em 1028.
No século 11 e 12, era muito difícil que alguém fosse condenado, porém a prática se tornou muito comum no século 13. Entretanto, isso também dependia do local em que você fosse pego. Na Inglaterra não tinha tanto problema, mas na Irlanda era fogueira na certa.
Na Era Medieval, as pessoas eram muito interessadas em moda, mas as criações nem sempre eram boas. No século 14, era comum que os homens usassem corpetes e cintas-liga para mostrar o formato das pernas e dos quadris. Alguns aristocratas usavam batas com mangas tão longas que corriam o risco de tropeçar nos próprios punhos. Também era bastante comum utilizar sapatos com pontas finas e compridas.
É importante frisar que a moda estreava na realeza, passava para os aristocratas e terminava no povo. Sempre que uma peça aparecia entre os nobres, uma versão mais barata surgia nas classes sociais mais baixas – o que não é tão diferente das bijuterias e penteados que são lançados pelas novelas no Brasil e não demoram para cair nas graças do público.
Em Londres, existia uma lei que evitava que as pessoas não se vestissem de acordo com suas castas. Por exemplo, uma camponesa no ano de 1330 era proibida de usar capuzes feitos de qualquer coisa que não fosse pele de coelho ou cordeiro, caso contrário ela perdia o acessório.
Se você fosse um indivíduo de posto mais alto, era bem provável que seus servos também fossem. Um lorde costumava enviar o herdeiro para servir na casa de outro senhor – geralmente do cunhado. O garoto não recebia um salário, mas era tratado como se fosse um filho. Até mesmo os mordomos podiam ser nobres.
O status na sociedade não era baseado apenas em ser um servo ou não, mas sim na posição familiar, em quem era seu senhor, e em quais eram suas atividades. Um fato curioso é que a maioria dos criados eram homens, mesmo nas casas em que as mulheres comandavam.
Exceto em “Game of Thrones”, a maioria das passagens de cura encontradas em fantasias medievais não passa de magia. Em geral, há o clérigo que invoca os poderes dos deuses ou alguém que produz poções mágicas ou sabe manusear uma varinha. E sim, muito da medicina daquele tempo envolvia coisas que, hoje em dia, nós consideramos baboseiras místicas.
Os diagnósticos da época geralmente eram feitos com base em astrologia e teorias sobre o humor. Utilizar sangrias era um método praticado e respeitado entre os especialistas, e muitos métodos além de inúteis eram muito perigosos. Ainda que houvessem faculdades de medicina, existiam poucos profissionais para atender o povo.
Contudo, alguns aspectos da medicina medieval continuam sendo lógicos até mesmo nos padrões atuais. Tratar gota com a planta colchicum e usar óleo de camomila para dores de ouvido são algumas das receitas válidas. Além disso, ainda que a ideia de um barbeiro-cirurgião seja estranha, alguns deles eram realmente muito bons.
No artigo, The Myth of the Mounted Knight, James G. Patterson explica que, embora a imagem do cavaleiro montado habite o imaginário medieval, ela não condiz com a realidade de guerra. A cavalaria armada pode ser muito útil – e devastadora – contra inimigos destreinados, mas é bem precária contra uma infantaria estrangeira avançada.
A própria ideia dos cavaleiros andantes é um tanto inútil nas batalhas. Até mesmo durante as Cruzadas, em que o ideal cavalheiresco era sinônimo de glória, a maioria das guerras envolveram cercos.
No século 14, a tática de guerra da Inglaterra consistia principalmente no arco e flecha. Um fato engraçado, é que Eduardo III proibiu o futebol em 1331 e novamente em 1363 em parte porque as pessoas estavam passando mais tempo jogando do que praticando a pontaria. Com muito treino, os arqueiros ingleses conseguiram repelir grande parte da cavalaria francesa.
Uma crença comum na Idade Medieval era que as mulheres eram mais libidinosas do que os homens. O estupro era crime no século 14, mas não entre cônjuges. A esposa não podia se negar legalmente a satisfazer o marido, mas ele também não podia se recusar à ceder. Todavia, era comum acreditar que as mulheres estivessem sempre sedentas por sexo, e que era ruim para a saúde delas não manter relações por um longo período.
O orgasmo feminino também era muito importante, sendo que os medievais acreditavam que as mulheres não podiam engravidar sem ele. Infelizmente, isso também tornava impossível comprovar o estupro em casos em que a vítima engravidasse.
*Publicado em 9/4/2015