Artes/cultura
20/07/2019 às 11:00•5 min de leitura
Já pensou em como seriam as nossas vidas sem o sal e a especiarias para temperar um pouco as coisas? Pois esses dois ingredientes não se limitam apenas ao uso na culinária! Como você deve se lembrar das aulas de História, sua popularização não só está intimamente ligada à nossa sobrevivência, como também ao desenvolvimento de civilizações ao logo da existência humana.
Tanto o sal como as especiarias foram usados no passado como moeda de troca, e foram indiretamente responsáveis pela criação e queda de Impérios. Além disso, ambos chegaram a ser considerados tão — ou até mais — valiosos do que o ouro, e ajudaram a moldar o mundo como conhecemos atualmente.
Depósitos de sal no Salar Uyuni, na Bolívia
Um dos registros mais antigos de que se tem notícia e que faz menção ao sal é um manuscrito chinês de farmacologia de 4,7 mil anos, que traz uma longa discussão sobre o emprego, métodos de extração do elemento e a descrição de mais 40 tipos diferentes de sal. Entretanto, o elemento começou a ser usado pelos seres humanos muito antes do surgimento da história escrita, e foi graças a ele que cidades inteiras se desenvolveram e se tornaram prósperas.
O sal teve um enorme impacto no desenvolvimento das civilizações, já que seu papel fundamental na preservação de alimentos não só facilitou a sobrevivência, como permitiu a mobilidade das populações. Os nossos ancestrais seguiam animais em busca de alimento e sal, e suas trilhas foram se transformando em estradas — ao longo das quais pequenos grupos começaram a se fixar, dando origem a comunidades, cidades e, eventualmente, países inteiros.
Solnitsata
O sal também teve um papel econômico crucial ao longo da História. A cidade europeia mais antiga de que se tem notícia, Solnitsata, situada no território que hoje corresponde à Bulgária, floresceu por volta dos anos 4.700 e 4.200 a.C. nos arredores de valiosas nascentes de água salobra. Mais tarde, os fenícios se transformaram em verdadeiros mestres na extração e comércio de sal, e foi com os antigos romanos que o comércio se expandiu de verdade.
Via Salaria
Roma e Cartago entraram em guerra por volta do ano 250 a.C. pelo domínio da produção e distribuição de sal pelo Mediterrâneo e Adriático. Os romanos venceram — aproveitaram para salgar as terras dos inimigos para torná-las estéreis — e construíram uma verdadeira rede de rotas e estradas para viabilizar o transporte e a comercialização do produto.
Os soldados inclusive costumavam receber rações especiais de sal chamadas salarium argentum como pagamento — e daí teria surgido a palavra “salário”. Vale lembrar que alguns historiadores negam que os romanos recebiam parte de seu pagamento na forma de sal. Segundo dizem, os militares ganhavam tudo em dinheiro, e a origem da palavra “salário” estaria relacionada com a Via Salaria, a estrada usada para o transporte de sal até Roma.
E já que estamos no assunto da origem de palavras, o vocábulo “salada” também tem seu surgimento relacionado com os romanos e o sal, já que eles costumavam salgar verduras e legumes para dar mais sabor a esses alimentos. Mas, voltando à importância econômica do sal...
Na Grécia Antiga, o sal era utilizado no comércio de escravos, e na China, por volta do ano 110 a.C., o Imperador Han Wu Di proibiu o comércio do sal no mercado negro, punindo quem fosse pego negociando com a pena de morte — estabelecendo, assim, o monopólio do comércio de sal no país.
Já no século 16, a Polônia estabeleceu um vasto domínio graças às suas minas de sal, mas acabou perdendo tudo quando os alemães introduziram o sal marinho na Europa, que até hoje é considerado mais valioso do que o sal obtido a partir de depósitos minerais.
Antiga mina de sal Wieliczka, localizada na Polônia
Mais tarde, no século 18, o aumento de um imposto sobre o sal — criado lá no século 14 — inclusive foi um dos fatores que levou à Revolução Francesa, já que a população era forçada a comprar todo o sal de que precisava dos reis, e ainda era obrigada a pagar taxas abusivas pelo produto. E a cobrança de impostos pelos ingleses também serviu de motivo para o início do movimento de desobediência civil liderado por Gandhi na Índia durante os anos 30.
Assim como aconteceu com o sal, o comércio de especiarias também foi extremamente importante para a civilização humana. Sua história remonta há mais de 4 mil anos, e teve origem graças aos mercadores árabes que traziam produtos de locais como a China, Indonésia, Ceilão — ou o atual Sri Lanka — e a Índia até o Mediterrâneo através da Rota da Seda.
No início, as especiarias eram transportadas em caravanas puxadas por camelos que saiam de Chang'na, a então capital chinesa, passando pela Índia e pelos territórios que hoje correspondem ao Afeganistão e Paquistão, com destino ao leste do Mediterrâneo. E os mercadores não vendiam barato não! Eles criavam todo um ar de mistério contando histórias fabulosas sobre como os itens haviam sido obtidos, garantindo bons preços para os produtos.
Os romanos, que dominavam o pedaço, assumiram o controle do comércio de especiarias entre os anos de 200 a.C. e 1.200 d.C., e foi com eles que as antigas caravanas começaram a ser substituídas por embarcações.
A expansão aconteceu depois que os europeus decidiram explorar novos caminhos e, além de o comércio de especiarias se transformar na maior indústria do planeta, ele motivou nações inteiras a desbravar o mundo em busca de novas rotas.
O comércio de especiarias era incrivelmente rentável, e produtos como a canela, a noz-moscada, o gengibre, o cravo e a pimenta, eram vendidos a preço de ouro pela Europa. Portanto, não é de se estranhar que tantas nações brigassem pelo controle desse mercado.
No final do século 13, Veneza se tornou o principal porto de comércio, controlando a entrada e distribuição de especiarias para o norte e oeste do continente europeu até o final do século 15. E os mercadores venezianos cobravam tão alto por seus produtos, que logo os espanhóis e os portugueses decidiram sair em busca de novas rotas para encontrar as especiarias.
Assim, foi procurando por uma nova forma de chegar à Ásia que Vasco da Gama navegou pelo Cabo da Boa Esperança até chegar a Calcutá. Na mesma época, Cristóvão Colombo também saiu em busca de uma rota alternativa e veio parar na América — de onde levou baunilha e algumas variedades de pimenta.
Os holandeses entraram em cena fornecendo navios e tripulações aos portugueses, e o sucesso dos exploradores acabou causando uma bela confusão entre portugueses, espanhóis e holandeses — que brigaram feio entre os séculos 15 e 17 pelo controle do comércio de especiarias.
Nesse meio tempo, mais precisamente, entre os séculos 16 e 18, os ingleses aproveitaram para estabelecer a Companhia Britânica das Índias Orientais. E, por volta do século 18, os norte-americanos entraram no mercado, negociando diretamente com os fornecedores asiáticos e expandindo o comércio até as Américas.
Com as rotas de comércio abertas, não foram apenas as especiarias que começaram a circular livremente pelo mundo. As plantas também passaram a ser levadas de um país a outro, e o cultivo de determinadas variedades acabou se popularizando. Isso acabou levando a uma maior disponibilidade de produtos, fazendo com que os preços caíssem — juntamente com os monopólios que um dia ajudaram a estabelecer o comércio de especiarias.
*Publicado em 22/07/2015