Artes/cultura
01/08/2019 às 12:00•4 min de leitura
Você está sentado em sua cama com seus pés dobrados embaixo do corpo em um anoitecer de outono, enquanto uma chuva pesada cai do lado de fora. Em um fone cancelador de ruídos, você escuta o som de uma mulher gentilmente assoprando dentro de seus ouvidos. Ela sussurra, intimamente exalando sua respiração enquanto alterna entre um lado e o outro, causando um arrepio que corre do topo da sua cabeça até as dobras da sua coluna.
Se a descrição acima causou uma sensação de familiaridade a você, então meus parabéns, você é um dos felizardos portadores da Resposta Sensória Meridiana Autônoma (ASMR, na sigla em inglês). O nome complicado se refere a uma sensação curiosa e formigante, conhecida em alguns cantos da internet como um orgasmo cerebral.
Pessoas afetadas pelo ASMR costumam ter sensações distintas, o que torna sua descrição algo complicado. Em alguns casos, estímulos diversos podem causar reações de prazer físico intenso, enquanto para outros a resposta de seu organismo se resume a um quase hipnótico estado de relaxamento e felicidade – e há também quem simplesmente não sinta nada.
Ainda assim, uma das reações mais comuns parece envolver uma sensação de formigamento no interior e no topo da cabeça, que pode se estender para baixo pelo pescoço e até mesmo chegar aos braços e pernas. Os fanáticos pelo assunto afirmam que há uma distinção óbvia entre o ASMR e o frisson – como são chamados os arrepios e estalos que podem ser produzidos por uma excelente obra musical.
Embora sussurros sejam um dos principais gatilhos, qualquer coisa entre o som que uma caneta faz quando alguém desenha em um pedaço de papel e um discurso monótono e ritmado pode causar um episódio, variando de pessoa para pessoa. E não são apenas estímulos sonoros que podem fazer o arrepio surgir.
Para algumas pessoas, a sensação de que alguém está se concentrando exclusivamente em você – como quando um oftalmologista examina seus olhos ou uma cabeleireira corta suas madeixas – também funciona. Ter alguém gentilmente traçando linhas nas suas costas ou acariciando seu cabelo é outra possível causa para a sensação familiar.
Mesmo com tantas possibilidades, existem também aqueles que simplesmente não sentem nada. Para saber se esse é o seu caso ou não, a única forma é testar por conta própria. Ainda que não exista um padrão que funcione para absolutamente todas as pessoas, há alguns temas que aparecem com certa recorrência nos relatos de quem já teve um episódio de ASMR:
Enquanto determinado estímulo pode ser extremamente prazeroso para uma pessoa, o mesmo pode acabar cortando completamente a sensação para outra. Além disso, parece ser possível desenvolver imunidade ao ASMR, especialmente quando há excesso de exposição aos gatilhos. Para recuperar o efeito, é preciso se manter longe da prática por algum tempo.
Embora o fenômeno tenha um nome complicado, existem poucos estudos científicos sobre o assunto. O termo ASMR foi criado por Jenn Allen, uma moradora de Nova York, no EUA, que trabalha no setor de cuidado com a saúde. Ela fundou o Instituto de Pesquisa ASMR, uma organização não oficial que depende de voluntários para auxiliar na análise da neurociência e psicologia que tenta explicar a sensação.
Karissa Ann Burgess, estudante em um programa de PhD em psicologia clínica, faz parte do instituto e é responsável pela pesquisa experimental e a organização dos dados obtidos. Segundo ela, o grupo ainda deve começar trabalhos mais significativos em busca de respostas, mas há teorias de que hormônios como dopamina e serotonina estejam envolvidos – além da oxitocina, associada aos elos formados entre os seres humanos.
Fonte da imagem: Reprodução/Know Your Meme
Algumas pessoas acreditam que o ASMR é uma resposta residual oriunda da nossa primeira infância, um eco da atenção cuidadosa dos nossos pais e do efeito relaxado da voz de uma mãe sobre seu bebê. Já outros pensam que isso está mais relacionado a uma questão evolutiva que data de nossas raízes como primatas, algo como uma recompensa sensorial por nos submetermos aos cuidados de outros membros dos nossos grupos.
Ainda que existam muitas teorias, o fato é que o ASMR não foi alvo de muitas pesquisas científicas aprofundadas. Segundo o professor Tom Stafford, especialista em psicologia e ciências cognitivas da Universidade de Sheffield, o fenômeno pode até ser algo real, mas é inerentemente difícil de estudar.
“A experiência interior [do ASMR] é alvo de muitas investigações psicológicas, mas, quando você tem algo desse tipo que não se pode ver ou tocar, e que nem acontece com todo mundo, isso cai em um ponto cego. É como a sinestesia, que permaneceu como um mito por anos até que, na década de 1990, foi inventada uma forma de mensurá-la com confiança”, disse.
Steven Novella, um proeminente neurocientista da Escola de Medicina da Universidade de Yale, acredita que o fenômeno é real e pode ter causas neurológicas diversas, indo de motivos biológicos até evolutivos. “Talvez o ASMR seja um tipo de ataque, que pode causar sensações gostosas e muitas vezes possui gatilhos similares. Ou então pode ser apenas uma forma de ativar a resposta de prazer, algo que está fundamentalmente inserido nos cérebros dos vertebrados – tanto com respostas comportamentais positivas quanto negativas”
Cientificamente comprovado ou não, o fato é que tem muita gente que sente e acredita nos “orgasmos cerebrais”. Já existe uma sólida e crescente comunidade de “ASMRístas” no YouTube e em outras páginas (como a neste link), produzindo uma enorme quantidade de material voltado especificamente para os gatilhos distintos de seus espectadores.
Alguns dos nomes mais famosos na área, como GentleWhispering, TheOneLillium e ASMRrequests, chegam a fazer esforços quase cômicos para criar a atmosfera mais apropriada para cada vídeo. Como a especialização e a demonstração de conhecimento podem ser gatilhos para o fenômeno, não é incomum encontrar gravações em que é fácil perceber que o publicador teve que realizar longas pesquisas e preparações.
Como os vídeos costumam facilmente passar da marca dos 40 minutos de duração, o tempo envolvido na sua produção fica evidente. Ainda assim, há casos recorrentes de criadores de gravações que simplesmente desaparecem do YouTube por conta de perseguição e de mensagens assustadoras de usuários.
Os motivos por trás do abuso são fáceis de entender, primeiramente porque, para quem não sente o ASMR, os vídeos podem prontamente parecer absolutamente ridículos. Imagine ser pego por aquele seu amigo troll enquanto assiste a uma gravação em que uma pessoa finge acariciar seu cabelo enquanto sussurra suavemente e você terá ideia de como o processo todo pode ser embaraçoso.
Além disso, como a noção de intimidade pode ser um gatilho bastante poderoso, alguns dos melhores produtores são garotas atraentes – e todos sabemos que expor seu rosto e desenvolver relacionamentos estranhos online baseados em uma falsa sensação de proximidade pode ser algo extremamente perigoso.
Fonte da imagem: Reprodução/thoughtpick
Veja alguns dos vídeos ao longo da matéria e tente perceber se seu corpo reage de alguma forma. Ficou mais relaxado? Notou alguma sensação formigante? Sentiu-se um idiota completo? Deixe sua opinião nos comentários.
*Publicado originalmente em 22/11/2013.
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