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20/06/2019 às 18:42•3 min de leitura
Meus pais se divorciaram quando eu tinha 4 anos e, a partir de então, deixei de dividir uma casa com meu pai e fui morar com minha mãe e meus irmãos. Desses poucos anos, no entanto, guardo algumas lembranças, como a de quando meu pai chegava em casa depois de um dia de trabalho e me levava para dar uma volta de moto até a pracinha da esquina.
Lembro-me também de dançar “Papa Uma”, dos maravilhosos João Penca e Seus Miquinhos Adestrados, com a minha irmã mais velha. Tenho lembranças de minha mãe me dando mingau de aveia em uma caneca azul de plástico, que tinha o desenho de uma menininha em um balanço. Recordo do dia em que um vestido que eu amava, branco com listras azuis, deixou de servir.
É curioso pensarmos na formação do cérebro humano: ainda que nosso primeiro ano de vida tenha sido incrível e cheio de descobertas, não nos recordamos dele. Com o passar do tempo, uma ou outra coisa vai ficando guardada de maneira especial e dizemos, felizes da vida, que nos lembramos de algo em particular. Além disso, é bem possível também que muitas dessas memórias que julgamos possuir tenham sido editadas por nós, já que, a cada vez que recordamos um fato, tendemos a fazer uma alteração sutil nele.
A Scientific American publicou um artigo recentemente que fala exatamente disso: da formação da memória humana e de como nosso cérebro guarda eventos específicos lá da nossa infância.
O texto, escrito por Dima Amso, do departamento de Cognição, Linguística e Ciências Psicológicas da Brown University, disseca a memória humana em algumas partes. A primeira delas é a chamada “memória de procedimento”, que é a memória motora que me faz digitar esse texto sem precisar olhar as letrinhas no teclado, por exemplo.
Em contrapartida, temos também a “memória declarativa”, que é dividida em dois tipos de memórias de longo termo: semântica e episódica. A semântica é a memória que nos faz lembrar fatos gerais, tais como a forma com que a Xuxa atuou em “Lua de Cristal”. A episódica é a que me faz lembrar que “Lua de Cristal” foi o primeiro filme que vi no cinema, com o meu irmão, e que, durante a minha infância, era meu filme favorito.
“Memórias episódicas são as mais relevantes para entendermos nossas lembranças da infância”, explicou Amso. De fato, o que me faz lembrar mais das sensações de quando eu era criança é o fato de estar em uma sala de cinema pela primeira vez, de sentir o cheiro do lugar e de amar a trama de “Lua de Cristal”.
Amso explica, ainda, que esse tipo de memória é construído justamente pela soma desses fatores que, depois de um tempo, adquirem valor afetivo: o que foi, quando foi, como foi, como nos sentimos quando aquele episódio aconteceu, quem estava conosco e por aí vai.
Todo esse processo acontece na região cerebral do hipocampo e em partes dos córtices parietal e pré-frontal, que também têm grande relação com a formação de lembranças. A especialista explicou que essas regiões cerebrais responsáveis pela formação de memória são as que se “acendem”, em exames de imagem, quando nos lembramos de alguns fatos.
Agora vem a parte mais legal dessa coisa toda: a verdade é que crianças têm memórias episódicas da época em que eram muito, muito pequenas – o que acontece é que, ao longo dos anos, essas memórias vão sumindo. De qualquer forma, é incrível saber que uma criança de seis anos se lembra de eventos que viveu antes do seu primeiro aniversário de vida.
Essas memórias já não estarão presentes na adolescência, é verdade, e isso tem a ver com as etapas de desenvolvimento do cérebro mesmo. Já as lembranças criadas a partir da adolescência tendem a ficar gravadas mais facilmente porque a região do hipocampo de um cérebro adolescente está a todo o vapor no que diz respeito à nossa habilidade de armazenar e recordar eventos.
Ainda que não tenhamos lembranças exatas dos nossos primeiros anos de vida, é importante entender que nossa personalidade e nosso corpo “se lembram” de tais eventos, afinal são as experiências pelas quais passamos e o que aprendemos com elas que moldam a pessoa que nos tornamos na fase adulta.
“Memórias específicas podem ser esquecidas, mas porque essas memórias formam os tecidos das nossas identidades, conhecimentos e experiências, elas nunca vão embora completamente”, explica Amso. E aí, qual é a memória mais antiga que você tem da sua vida?