Ciência
06/08/2018 às 04:00•4 min de leitura
Em 2004, um homem identificado como Graham Harrison estava sofrendo de um quadro de depressão grave. Achando que era a sua única alternativa, ele decidiu tirar sua própria vida, levando um aparelho elétrico para o banho e causando um forte choque que ele pensou que seria mortal.
Eis que Graham acordou e acreditou que estava morto, declarando aos médicos que a sua tentativa de suicídio havia sido bem-sucedida. Se isso parece impossível para você ou para qualquer pessoa, para ele era a mais pura realidade.
Ele estava convencido de que seu cérebro havia parado de funcionar no dia em que entrou na banheira com um aparelho elétrico. Dessa forma, ele teria se tornado praticamente um cadáver ambulante, um zumbi, sem objetivos nem vontades.
Após quase 10 anos vivendo dessa forma bizarra, ele passou a ser tratado e contou toda a curiosa história sobre a sua suposta “morte” ao New Scientist, quando já estava em processo de recuperação de uma condição rara.
"Quando eu estava no hospital, eu continuei dizendo aos médicos que os comprimidos não iam me fazer nenhum bem, porque meu cérebro estava morto. Perdi meu senso de olfato e paladar. Achava que eu não tinha necessidade de comer ou falar, ou fazer qualquer coisa. Acabei por passar o tempo no cemitério, porque era o mais próximo que eu poderia chegar da morte", disse ele.
Graham Harrison Fonte da imagem: Reprodução/Daily Mail
Graham acreditava que o seu cérebro havia morrido ou não existia mais. Os médicos tentaram de todas as formas argumentar com Graham de que isso era impossível. Afinal, o homem estava lá de pé, respirando, conversando com eles e expondo os seus pensamentos.
Mesmo assim, ele não aceitava que o seu cérebro estava vivo. "Eu ficava irritado. Eu não sabia como eu podia falar ou fazer qualquer coisa sem cérebro", disse ele.
Perplexos e sem saber como tratá-lo, os médicos entraram em contato com os neurologistas Adam Zeman, da Universidade de Exeter, no Reino Unido, e Steven Laureys, da Universidade de Liège, na Bélgica.
Os especialistas avaliaram o quadro de Graham e, depois de alguns exames, descobriram que ele estava com uma condição muito rara chamada síndrome de Cotard. As pessoas que têm essa síndrome acreditam que elas, ou partes de seu corpo, não existem mais.
Fonte da imagem: Shutterstock
De acordo com o que o médico Adam Zeman falou ao New Scientist, o perfil de Graham era muito incomum. "A crença de Graham era uma metáfora para o que ele sentia sobre o mundo e como as suas experiências não o afetavam mais. Ele sentiu que estava em um estado de limbo, preso entre a vida e a morte", afirmou o neurologista.
Poucos casos de Cotard já foram registrados no mundo inteiro. Um estudo publicado em 1995, de 349 pacientes psiquiátricos idosos em Hong Kong, encontrou dois com sintomas semelhantes a essa condição.
Mas, com tratamentos bem-sucedidos e rápidos para alterações mentais, como a depressão (a condição da qual Cotard parece surgir com mais frequência), mais disponíveis atualmente, os pesquisadores suspeitam que a síndrome seja extremamente rara hoje em dia.
A maioria dos trabalhos acadêmicos sobre a síndrome é limitada a estudos de casos individuais, como o de Graham. Segundo os poucos casos vistos na literatura médica, algumas pessoas com Cotard supostamente morreram de fome, acreditando que não era mais necessário comer. Outras tentaram se livrar de seu corpo com ácido, pois viam nessa atitude a única forma de se libertar de sua condição de “zumbi”.
O irmão de Graham e algumas enfermeiras fizeram com que ele comesse e cuidaram dele. Porém, para ele era uma existência sem alegria. "Eu não queria encarar as pessoas. Não havia sentido em comer, porque eu estava morto. Eu não sentia prazer em nada", disse ele. Até mesmo os cigarros que ele fumava não lhe despertaram o desejo do vício que tinha antes de “morrer”.
Com o tempo, Graham foi deixando de fazer coisas comuns, como escovar os dentes, pois achava desnecessário, já que ele estava morto. Ele só desejava que a sua consciência fosse embora de vez. “Eu não tinha outra opção a não ser aceitar o fato de que eu não tinha outra forma de realmente morrer. Foi um pesadelo", disse ele.
Este sentimento o levava constantemente a visitar o cemitério. "Eu apenas senti que eu poderia muito bem ficar lá. Foi o mais próximo que eu poderia chegar da morte. No entanto, a polícia sempre vinha me pegar e me levar de volta para casa".
Fonte da imagem: Reprodução/Daily Mail
Mesmo já sabendo da condição de Graham, os médicos ainda buscavam mais respostas. Eles fizeram uma tomografia computadorizada para monitorar o metabolismo em seu cérebro e o que eles descobriram foi chocante: a atividade metabólica em grandes áreas das regiões do cérebro frontal e parietal era tão baixa que se assemelhava a de alguém em estado vegetativo.
Algumas dessas áreas fazem parte do que é conhecido como a "rede de modo padrão", um complexo sistema de atividade pensado para ser vital para a consciência central. Essa rede é responsável por nossa capacidade de nos recordarmos do passado, pensarmos sobre nós mesmos, criarmos um senso de existência, além de nos permitir perceber que nós somos o agente responsável por uma ação.
"Eu analisei tomografias por 15 anos e nunca vi ninguém que estava lúcido, interagindo com as pessoas, com um resultado de exame tomográfico tão anormal", disse Laureys. "A função do cérebro de Graham se assemelha à do de alguém durante uma intensa anestesia ou sono. Ver esse padrão em alguém que está acordado é bastante novo para o meu conhecimento", afirmou o neurologista.
As tomografias de Graham poderiam ter sido afetadas pelos antidepressivos que ele estava tomando e, como Zeman aponta, não é prudente tirar muitas conclusões a partir de exames de uma única pessoa. Porém, o médico disse que parece plausível que o metabolismo reduzido foi dando a ele esta experiência alterada do mundo, afetando sua capacidade de raciocinar sobre isso.
Graham "vive" novamente Fonte da imagem: Reprodução/Daily Mail
Com o tempo, e com muita psicoterapia e tratamento medicamentoso, Graham tem melhorado gradualmente e não está mais sob o domínio da doença. Ele agora é capaz de viver de forma independente.
"Eu não posso dizer que estou de volta ao normal, mas eu me sinto muito melhor agora e até saio para fazer as coisas perto de casa. Eu não tenho medo da morte. Mas isso não tem a ver com o que aconteceu, pois nós todos vamos morrer um dia e eu tenho sorte de estar vivo agora”, afirmou o ex-morto-vivo.
*Publicado originalmente em 30/01/2014.
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