Artes/cultura
20/11/2017 às 05:01•3 min de leitura
Apesar de já não ser mais tão comum, ainda hoje perdura um velho costume de atirar uma moeda em uma fonte ou um poço quando se faz um desejo. Provavelmente você ou pelo menos seus pais já fizeram isso pelo menos uma vez. Mas afinal, de onde surgiu essa curiosa tradição?
Os indícios mais antigos já encontrados dessa prática remontam ao período em que a Europa era dominada por diversas tribos nômades. Nessa época, muito anterior ao cristianismo, esses povos viviam vagando pelas extensões do continente, e nem sempre encontrar água potável era algo fácil.
Quando encontravam alguma, acreditavam que era um favor de seus deuses e que precisavam retribuir de alguma forma. Eles então atiravam uma moeda como pagamento pela dádiva. Mesmo depois que esses nômades se estabeleceram em pequenos assentamentos, que logo virariam cidades, e criaram os primeiros poços e fontes, o costume permaneceu.
Para indicar qual deus protegia cada fonte, as pessoas passaram a deixar uma estátua que representasse a divindade em questão em algum lugar próximo, e logo esses locais passaram a ser cultuados como santuários. As moedas então não eram mais atiradas para se agradecer pela água, que agora podia ser facilmente encontrada, mas como tributos para acalmar a fúria dos deuses ou para que eles respondessem às preces das pessoas.
Na região da Inglaterra conhecida como Nortúmbria, um poço particularmente popular era aquele dedicado à Coventina, deusa celta dos poços e nascentes d’água. Nele foram encontradas mais de 16 mil moedas de diferentes períodos do Império Romano. É curioso notar que a maior parte do dinheiro achado se tratava de dinheiro de baixo valor, equivalente às nossas moedas de 5 ou 10 centavos, por exemplo.
No entanto, nem só de moedas viviam os deuses, por assim dizer. Ainda na Inglaterra, existe também o Poço de Pen Rhys, na região de Oxford. Em vez de dinheiro, o que as pessoas atiravam lá eram pedaços de roupas. Como elas acreditavam que a água possuía efeitos curativos, costumavam atirar botões, fechos e fragmentos de tecidos tirados de pessoas doentes, esperando que o ato fizesse com que elas sarassem. A crença nos poderes curativos desse poço em particular continuou forte até o século 18.
Fontana di Trevi, em Roma - Imagem: Tan Yuan Hong
Atualmente, a crença no favor dos deuses caiu no desuso, mas as pessoas continuam atirando suas moedas em fontes ou poços e fazendo um pedido em seguida. Talvez o lugar no mundo onde isso ainda aconteça com maior frequência é a Fontana di Trevi – Fonte de Trevos, em português –, localizada em Roma, Itália. Por ser um destino turístico famosíssimo, cerca de 3 mil euros são atirados lá todos os dias.
O local, construído no encontro de três vias durante o século 19 a.C., era o ponto final de um aqueduto de 21 km de extensão. Era chamado de Acqua Vergine, em honra a uma lenda da época, que dizia que uma moça havia indicado aos construtores romanos onde encontrariam uma das nascentes de água que abasteceriam a cidade.
Na Fontana di Trevi, o costume das moedas é um pouco diferente. Lá, deve-se atirar a moeda por cima do ombro, para um dia retornar a Roma. No filme “A Fonte dos Desejos”, de 1954, há uma evolução da lenda: se atirasse uma segunda moeda por cima do ombro, a pessoa se apaixonaria por um romano ou romana; e quando atirasse a terceira, se casaria com aquela pessoa. Desde então, a quantidade de turistas que jogam dinheiro lá só aumenta.
Noivos atiram moedas na Fontana di Trevi, inspirados no filme "A Fonte dos Desejos" - Imagem: Ben Eden
É claro que, com 3 mil euros em moedas sendo atirados na fonte diariamente, o lugar já deveria ter sido soterrado por tanto dinheiro. Por isso, todos os dias ele é fechado por cerca de 1 hora, e o que foi jogado ali é recolhido por uma organização de caridade da igreja católica chamada Caritas.
As moedas então são limpas, separadas por valor e enviadas a um banco, onde são depositadas em uma conta usada para comprar comida para os necessitados e manter abrigos para portadores de AIDS. Mas nem tudo são flores: a polícia romana prendeu no ano passado diversas pessoas que costumavam se aproveitar do dinheiro na fonte para ganhar um dinheirinho sem esforço. Desde então, as coletas para a caridade aumentaram sua arrecadação em cerca de 30%.
Vale lembrar também que, apesar de se acreditar antigamente que as águas dessas fontes davam saúde e/ou sorte a quem bebesse delas, isso não é aconselhável, ainda mais com a quantidade de pessoas que circulam por esses locais hoje em dia. Por isso, é melhor evitar a prática — ou pedir aos deuses para não ficar doente.
*Publicado em 17/06/2015