Artes/cultura
14/02/2017 às 08:08•3 min de leitura
Não é nenhum segredo — para os cientistas, evidentemente! — que as comidas e bebidas que ingerimos contêm arsênico, um elemento químico que, quando consumido em grandes quantidades, pode ser extremamente tóxico e até provocar a morte. Por essa razão, existe uma regulamentação específica que define o limite máximo dessa substância na água, por exemplo.
Contudo, conforme apontou o pesquisador Julian Tyson em um artigo publicado pelo portal The Conversation, assim como ocorre nos EUA, aqui no Brasil o controle da concentração de arsênico nos alimentos e em outras bebidas que não sejam a água é muito menos rigoroso e específico — isso quando esse controle existe e é aplicado corretamente por algum órgão governamental. A questão é: será que a falta de vigilância pode afetar a nossa saúde?
Segundo Julian, os compostos derivados do arsênico que normalmente estão presentes nos alimentos são, em sua maioria, inofensivos para os seres humanos. Um exemplo são os frutos do mar, os produtos que consumimos com a maior concentração de arsênico. Entretanto, o composto está presente nos organismos marinhos na forma de arsenobetaína — que, para quem adora esse tipo de comida, é inócua para o consumo.
O problema é que conhecemos muito pouco a respeito da concentração de arsênico em outros alimentos — assimilado através do uso de herbicidas, pesticidas, aditivos etc. ou por meio do solo mesmo, já que, afinal, o elemento ocorre na natureza —, e é aí que mora o perigo. Até onde se sabe, o único produto largamente consumido e que oferece risco de intoxicação em longo prazo é o arroz e seus derivados, como farinha, cereais matinais, biscoitos, bolos e fórmulas infantis.
Análises revelaram que 95% do arsênico liberado durante o preparo do arroz são provenientes de quatro compostos — inorgânicos e metilados — derivados desse elemento químico, e todos são potencialmente carcinogênicos para os humanos. No entanto, para determinar o risco de consumo, primeiro é preciso definir a concentração dos compostos em cada produto, a quantidade ingerida de alimento e a frequência de ingestão.
No caso do arroz, ingrediente básico da dieta aqui no Brasil, Julian disse que alguns pesquisadores sugerem que o consumo máximo diário — para evitar o risco de desenvolver algum tipo de câncer por intoxicação de arsênico — deve ser de até um quarto de xícara de arroz cru contendo não mais do que 50 partes por bilhão do composto para adultos. Já para as crianças, a quantidade deve ser ainda menor, em proporção à massa corporal.
Acontece que alguns testes revelaram que uma grande variedade de tipos de arroz e produtos derivados contêm concentrações de arsênico bem superiores ao limite máximo recomendado. Além disso, o arroz integral, surpreendentemente, apresenta uma quantidade mais elevada do elemento químico do que o arroz branco.
Julian explicou que as pessoas que não comem arroz em quantidade superior à recomendada provavelmente não precisam se preocupar muito. Mas ele mencionou que alguns grupos nos EUA, cuja dieta está baseada no consumo desse alimento — como é o caso dos asiáticos, assim como celíacos e crianças — deveriam ter cuidado. Coincidentemente, o grupo étnico com a maior incidência de casos de câncer no país é o dos asiáticos.
Segundo Julian, a tecnologia necessária para detectar a presença de arsênico em alimentos surgiu há relativamente pouco tempo, e os primeiros testes com o arroz só foram realizados no final da década de 90. Além disso, a proporção da contaminação em escala mundial só foi revelada em 2005, e atualmente — apesar de ainda serem pouco precisas — as análises mostram que independente da origem e do tipo, todas as classes de arroz contêm arsênico.
No caso dos EUA, a contaminação se deve ao fato de o arroz muitas vezes ser cultivado em campos que, no passado, foram utilizados para o plantio de algodão. E a produção desses vegetais envolve o uso do ácido cacodílico (derivado do... arsênico!) como herbicida e do ácido arsênico para matar as plantas antes da colheita mecânica. Pois, para piorar as coisas, o arroz assimila o elemento tóxico com mais facilidade do que outros vegetais.
Além do arroz, muitos dos compostos derivados que ingerimos através de comidas e bebidas são resultantes de processos relacionados com o arsênico que existe naturalmente distribuído em abundância pela Terra. E, segundo Julian, não há um consenso entre os cientistas a respeito de como estimar quais são os riscos associados ao consumo desses elementos — nem existem métodos suficientemente satisfatórios para determinar sua concentração exata.
Mas, apesar da falta de precisão dos testes, os resultados claramente revelam dados preocupantes. As análises deixam evidente que é necessário encontrar formas de limitar e reduzir a concentração de arsênico dos alimentos que consumimos — em especial do arroz —, assim como de fiscalizar essa redução. Além disso, é preciso desenvolver tecnologias mais eficientes para que seja possível detectar a presença desse elemento com mais precisão.
Contudo, até que tudo isso aconteça, Julian sugere que o estabelecimento do limite máximo em menos de 100 partes por bilhão como padrão seria um bom começo. E para a população que não vive sem o seu arrozinho, ele recomenda a ingestão parcimoniosa do branco em vez do integral, de preferência preparado depois de ser muito bem lavado e cozido com muita, muita água — livre de arsênico.