Ciência
09/06/2014 às 13:07•3 min de leitura
Na União Soviética, os antibióticos ocidentais não podiam passar pela chamada Cortina de Ferro — nome que designava a separação da Europa em Oriental e Ocidental durante a Guerra Fria. Com isso, os médicos da parte Oriental descobriram como usar vírus para matar as bactérias infecciosas e essa antiga técnica pode retornar aos tratamentos em breve.
A técnica, na verdade, remonta a milhares de anos, e foi descoberta de uma forma muito rudimentar: as pessoas observaram que a água de certos rios poderia curar doenças infecciosas, como a lepra e a cólera. No início do século 20, os cientistas descobriram que, na verdade, estas águas continham tipos muito específicos de vírus, que matavam as bactérias que causavam certa infecção.
Você provavelmente já sabe disso, mas o efeito maléfico de um vírus funciona quando ele injeta seu DNA em uma célula viva, roubando a capacidade de replicação dela para produzir mais vírus. Quando a célula não pode conter todos os vírus replicados, ela explode (e morre), liberando os vírus “bebês” para continuar o ciclo novamente.
No entanto, existe um tipo de vírus que visam destruir células bacterianas e não as saudáveis. Eles são chamados bacteriófagos e começaram a ser estudados mais profundamente no início do século vinte. Por volta de 1920, cientistas dos Estados Unidos e da Geórgia (o país) começaram a purificar bacteriófagos e usá-los para tratar infecções bacterianas.
Porém, perto da Segunda Guerra Mundial, a medicina ocidental se agarrou ao poder milagroso dos antibióticos, deixando para a União Soviética o trabalho de aperfeiçoar o que é agora chamado de "fago-terapia".
Atualmente, a dependência da medicina ocidental no uso de antibióticos tem levado à evolução de novas superbactérias que pode resistir até mesmo aos mais poderosos “matadores de bactérias”. Por essa razão, muitos pesquisadores têm considerado fortemente o retorno da utilização da fagoterapia, segundo relatou a revista científica Nature.
Em março, o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA listou a fagoterapia como um dos sete pilares no seu plano para combater a resistência aos antibióticos. E na reunião da Sociedade Americana de Microbiologia (ASM), em Boston, no mês passado, Grégory Resch, da Universidade de Lausanne, na Suíça, apresentou planos para o Phagoburn: o primeiro centro multi-núcleo geral de clínica da fagoterapia para infecções humanas, financiado pela Comissão Europeia Comissão.
Apesar das expectativas serem boas, existem prós e contras no uso da técnica. Embora os antibióticos funcionem indiscriminadamente, matando tanto a bactérias causadoras de doenças quanto as saudáveis, cada tipo de bacteriófago é precisamente direcionado a um tipo muito específico de bactérias.
A desvantagem é que, se um médico não sabe exatamente quais espécies de bactérias infectou um paciente, ele deve criar um coquetel de muitos tipos diferentes de bacteriófagos para garantir a eficácia. Comparando com os antibióticos tradicionais, que podem acabar com todas as bactérias saudáveis, como aquelas que vivem no intestino e são importantes para a imunidade — deixando o campo aberto para infecções mais resistentes —, ainda é vantajoso.
"Os antibióticos são como um grande martelo. Nós queremos um míssil guiado", comparou na Nature o microbiologista Michael Schmidt, da Universidade Médica da Carolina do Sul. E a fago-terapia pode ser essa arma de guerra contra as bactérias.
E com uma oferta quase ilimitada de diferentes “vírus fagos”, a resistência bacteriana não é um problema: se uma infecção desenvolve resistência a um tipo de bacteriófago, os pesquisadores podem simplesmente adicionar diferentes fagos no coquetel do paciente.
Segundo a Nature, como qualquer outro tratamento, a fago-terapia tem alguns inconvenientes. Por exemplo, o isolamento, a purificação e o armazenamento dos bacteriófagos são muito mais sensíveis, sendo ainda um processo mais demorado que a produção de antibióticos tradicionais.
Além disso, tem a questão financeira do projeto. Apesar dos bacteriófagos ocorrerem naturalmente, o seu uso terapêutico tem quase um século de idade. Por isso, seria extremamente difícil para uma empresa farmacêutica patentear um coquetel de fago-terapia como propriedade intelectual.
De fato, a Suprema Corte dos EUA decidiu no ano passado que os genes que ocorrem naturalmente não podem ser patenteados, uma lei que provavelmente se estenderia até os bacteriófagos. E queira ou não, as empresas farmacêuticas não são suscetíveis em investir em uma terapia quando elas não podem garantir que ela vai trazer dinheiro de volta com um produto protegido por patente, que não pode ser copiado pela concorrência.
Ainda assim, há esperança de que fago-terapia, que ainda é amplamente utilizada na Rússia, Polônia e Geórgia, poderia fazer o seu caminho para o ocidente. A Nature relatou que a União Europeia forneceu uma boa quantia para pesquisas da Phagoburn, que começará os testes em humanos, vítimas de queimaduras, a partir de setembro.