Ciência
20/07/2017 às 04:00•4 min de leitura
Biblicamente falando, Lázaro de Betânia, como você deve saber, foi um homem que, após passar quatro dias morto, foi ressuscitado por Jesus Cristo em um de seus mais famosos milagres. Cientificamente falando, o personagem bíblico está relacionado com um interessante e controverso fenômeno conhecido pela comunidade médica como Efeito Lázaro.
De acordo com Adam Hoffman, do portal Smthisonian.com, basicamente, o fenômeno acontece quando, após uma equipe médica suspender os trabalhos de reanimação, o paciente — com parada cardiorrespiratória e, portanto, clinicamente morto — volta a apresentar sinais de vida espontaneamente.
Quem não sente pavor da ideia de ser pronunciado morto erroneamente e acordar mais tarde no necrotério ou, pior ainda, ser enterrado vivo? Esse é um temor que vem acompanhando a humanidade não é de hoje, tanto que no século 19 era comum que as pessoas deixassem uma série de instruções em seus testamentos — que incluíam ser sepultado com pás e pés-de-cabra e passar por testes para confirmar se o defunto realmente tinha batido as botas.
A Ressurreição de Lázaro, por Caravaggio
Esse medo todo acabou levando ao surgimento de caixões equipados com “sistemas de segurança”, como tubos de ventilação, sinos e até fogos de artifício. Por sorte, as coisas se modernizaram bastante, e é bem difícil — embora não impossível! — que alguém chegue a ser mandado para a cova ainda com vida. Contudo, o Efeito Lázaro abre essa possibilidade e, portanto, é um fenômeno bastante incômodo, especialmente para os médicos.
Segundo Adam, até onde se sabe, dos pacientes que passam por essa experiência — de voltar à vida após serem pronunciados clinicamente mortos —, surpreendentemente, cerca de 35% sobrevivem sem sofrer grandes danos neurológicos. No entanto, na maioria das vezes, os doentes acabam morrendo e, frequentemente, os médicos terminam enfrentando batalhas judiciais travadas pela família dos falecidos.
É justamente por essa razão, ou seja, pelo receio que os médicos sentem de serem acusados de negligência, que existem tão poucos casos documentados de pacientes que vivenciaram o Efeito Lázaro. De acordo com Adam, os primeiros registros de casos de autorressuscitações começaram a aparecer na literatura médica só no início dos anos 80 e, uma década depois, o anestesiologista Jack Bray Jr. batizou — apropriadamente — o fenômeno.
Parou e... voltou!
Aliás, foi por conta de uma ação judicial que o efeito acabou saindo um pouco da obscuridade e se tornou (ligeiramente) mais conhecido. No início dos anos 2000, o geriatra Vedamurthy Adhiyaman e seu time estavam praticando a reanimação cardiorrespiratória — RCR — em um paciente idoso e, após 15 minutos sem obter qualquer reação, a equipe decidiu suspender a manobra e comunicar à família que o homem havia falecido.
Os médicos sentem receio de serem acusados de negligência e esse pode ser o motivo de existirem tão poucos casos documentados de pacientes que vivenciaram o Efeito Lázaro
Contudo, passados cerca de 20 minutos da suspensão da RCR, o idoso voltou a respirar espontaneamente e ficou em coma durante outros dois dias, finalmente falecendo no terceiro. A família do paciente acusou a equipe de ter parado a reanimação cedo demais — embora cada caso seja um caso e não exista um limite de tempo específico durante o qual a reanimação deva ser praticada — e decidiu acionar a justiça.
Adhiyaman, por sua vez, ciente de que corria um sério risco de se dar mal, foi investigar se existiam casos semelhantes. O médico conseguiu descobrir 38 situações de pacientes que apresentaram o Efeito Lázaro e conseguiu provar que não havia sido culpado pela morte do idoso. Além disso, o geriatra levantou uma série de informações sobre o fenômeno e publicou um artigo científico sobre o assunto.
Adhiyaman descobriu em suas pesquisas que, em média, os pacientes que apresentaram o Efeito Lázaro voltaram à vida sete minutos depois de a reanimação cardiorrespiratória ser suspensa. Além disso, o geriatra descobriu que a grande maioria dos doentes acabou falecendo pouco depois de ressuscitar e, no caso dos que viveram para contar a história, o tempo de reanimação aparentemente não guardava qualquer relação com a sobrevivência.
Em média, os pacientes que apresentaram o Efeito Lázaro voltaram à vida sete minutos depois de a reanimação cardiorrespiratória ser suspensa
Depois do estudo de Adhiyaman, outros estudos foram sendo publicados aqui e ali — um conduzido pela Universidade McGill, que levantou 32 casos, outro feito por cientistas alemães que trazia 45 relatos, muitos dos quais coincidiam com os das demais pesquisas — e, nos últimos anos, mais quatro episódios foram registrados, um em 2012, um em 2013 e dois em 2015.
Tá vivo?
Em contrapartida, embora os números acima sugiram que a autorressuscitação é um fenômeno incrivelmente raro, pesquisas paralelas apontaram que um terço dos médicos intensivistas no Canadá já presenciou o Efeito Lázaro e, na França, quase metade dos que trabalham nas emergências de hospitais já viu pacientes voltando à vida sozinhos.
E o que essas informações contraditórias sugerem? Que o fenômeno pode ser muito mais comum do que parece e que os médicos simplesmente não relatam sua ocorrência por conta de fatores como a possibilidade de enfrentarem constrangimentos legais e profissionais ou, ainda, pela dificuldade de conseguirem permissão das famílias para poder publicar pesquisas sobre os casos. Dessa forma, o funcionamento e as causas do Efeito Lázaro continuam sendo um enigma.
Embora os mecanismos exatos por trás do Efeito Lázaro sejam desconhecidos, os pesquisadores estabeleceram que existe um elemento comum em todos os casos, ou seja, a prática da RCR. Uma das teorias propostas para explicar o fenômeno é que ele pode ser decorrente da hiperinsuflação dinâmica — que pode acontecer durante a reanimação, quando os pulmões são rapidamente inflados sem que tenham tempo para liberar o ar.
Existe um elemento comum em todos os casos de Efeito Lázaro: a prática da reanimação cardiorrespiratória
Com isso, o aumento da pressão no interior dos pulmões poderia limitar o fluxo de sangue de volta ao coração ou, até mesmo, levar o órgão a não conseguir mais bombear o sangue e a parar de bater. Em outras palavras, quando respiramos voluntariamente, ao inspirar nós criamos uma pressão negativa nos pulmões, mas, quando os médicos usam um ventilador mecânico, o ar é forçado para o interior dos órgãos, criando uma pressão positiva.
A Ressurreição de Lázaro, por Giotto
Assim, digamos que o coração do paciente não está funcionando como deveria. Então, ao acrescentar essa pressão, a quantidade de sangue que deveria chegar ao órgão é reduzida, e ele não consegue trabalhar como deveria. No caso do Efeito Lázaro, os cientistas suspeitam que, quando as manobras de RCR são suspensas, a pressão no interior dos pulmões volta a cair, permitindo que o sangue volte a fluir para o coração e... o paciente ressuscita.
Outra explicação seria que a hiperinsuflação dinâmica seria responsável por evitar que os medicamentos que normalmente são administrados durante as reanimações cheguem ao coração. Nesse caso, com a suspensão das manobras, o fluxo sanguíneo voltaria ao normal, levando as drogas ao seu destino. Existe ainda a suspeita de que o fenômeno seja resultado do excesso de potássio no sangue.
Apesar de os médicos ainda não compreenderem muito bem como o Efeito Lázaro se dá, existem algumas atitudes que podem ser adotadas. Segundo Adhiyaman, é muito importante que todo mundo entenda que a morte não é um evento, mas sim um processo. Assim, os médicos podem, por exemplo, avisar aos familiares que a reanimação foi suspensa e manter o paciente ligado aos monitores durante alguns minutos.
Bip, bip...
No entanto, esse tempo de espera também não pode ser longo demais, pois, se o paciente não ressuscitar voluntariamente, seus órgãos podem se tornar inviáveis para possíveis transplantes. Adhiyaman sugere uma espera de 10 a 15 minutos, mas a verdade é que os mecanismos do fenômeno precisam ser pesquisados detalhadamente — e o estigma relacionado a ele superado.
Você já ouviu falar de alguém que “ressuscitou” voluntariamente?
*Publicado em 06/04/2016